Amor de vó: por que essa conexão é tão forte e quais os benefícios dela?
Toda sexta-feira, Elci Grings se prepara para um momento especial. É o dia em que seus netos saem da escola e correm para a casa da avó. Aos 8 anos, os gêmeos Julia e Alexandre Braga encontram naquele cantinho um aconchego único. Os três fazem o jantar, discutem o que ver na Netflix e contam como foi a semana.
Desde que se tornou avó, a assistente financeira aposentada, de 68 anos, ganhou um fôlego extra. "Eu não tinha noção da transformação que eles trariam pra minha vida", conta. A recíproca é verdadeira. "As crianças adoram esse contato. São momentos de alegria genuína que fazem muito bem para elas", diz a gerente de concessionária Leise Grings Braga, 40, filha de Elci.
Não são poucos estudos que apontam os ganhos desse tipo de troca. Um deles, publicado no periódico The Gerontologist, mostra que o apoio na criação dos netos pode estar associado a uma saúde mental mais plena dos avós.
As crianças, por sua vez, ganham mais autonomia e autoconfiança a partir desse laço e, para Alice Munguba, especialista em clínica psicanalítica infantil na Holiste Psiquiatria, de Salvador (BA), não é difícil entender o porquê. Em geral, avós são menos superprotetores com os netos do que foram com os filhos. Salvo exceções, já não carregam medos comuns aos pais de primeira viagem, nem a responsabilidade total sobre a criança. "Assim, os pequenos acabam se tornando mais desenvoltos e com bom jogo de cintura", diz.
A propósito, o novo papel, de menos obrigações e mais espaço para o lúdico, atravessa a velha ideia de que é possível amar mais os netos do que os filhos. Na verdade o que se vê são apenas compromissos e prazeres distintos, em momentos diferentes da vida, menciona a psicóloga e professora Flávia Farnocchi Marucci, da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto).
Leise, por exemplo, lembra que a mãe precisou trabalhar muito para criá-la e não tinha tanto tempo para brincadeiras. "Hoje, ela não só me ajuda a cuidar dos meus filhos, como também me ensina a ter paciência para os desafios da maternidade", se emociona.
Memória ancestral e presente mútuo
Outro trunfo dessa relação tem cunho sociocultural. Interagindo com os avós, os netos enxergam desde cedo que há uma história além deles, uma realidade que os precede, acrescenta Munguba. O contato com a ancestralidade é um dos benefícios que a autônoma Jolice Oliveira da Silva Gogola, 38, identifica em seus filhos.
Arthur, Matheus e Alice Gogola, de 9, 7 e 4 anos, respectivamente, adoram escutar histórias antigas, ajudar o avô a cuidar da horta e são estimulados a valorizar suas raízes, seja do lado materno, seja do lado paterno. "Um dia meu sogro infartou e eles ficaram tão preocupados que abandonaram o videogame para aproveitar ao máximo a presença do avô. Essa valorização surpreendeu até mesmo nós, adultos", lembra Jolice.
A avó paterna dos meninos, Sonia Regina Alves dos Santos, 67, também colhe frutos dessa experiência. Ainda se lembra com carinho da emoção que foi ver o primeiro neto pela primeira vez. "Notei ali a continuidade da vida e tracei metas de saúde para mim mesma, porque queria vê-lo crescer e acompanhar a beleza de cada fase que ele vivesse", lembra. Dos primeiros dentinhos às primeiras palavras dos netos, cada momento tem sido mágico para a servidora pública aposentada.
Essa mescla de alegria e leveza pode ser um importante preditivo para o que especialistas chamam de reserva cognitiva, capacidade do cérebro de se adaptar mesmo diante de um possível declínio impulsionado pela idade, explica a psicóloga e professora Debora Berger Schmidt, da UP (Universidade Positivo).
A ciência sabe também que tal proximidade pode levar os avós a um melhor desempenho mental. "Os ganhos dependem de fatores como a quantidade de tempo passado com os netos, a intensidade do cuidado com eles e do gênero do cuidador", explica Schmidt.
Uma pesquisa publicada no American Journal of Men's Health apontou que avôs ativos na vida dos netos têm menos risco de depressão do que os pouco presentes no dia a dia das crianças.
Outro estudo, dessa vez do Journal of Menopausal Medicine, mostra que, para mulheres, o sentimento de apego e pertencimento proveniente do cuidado com o neto é capaz de aliviar a depressão e a ansiedade, além de reduzir a alienação mental e psicológica na terceira idade. Cabe mencionar, entretanto, que, na contramão disso, a saúde física das avós pode se fragilizar quando há responsabilidade excessiva pela atenção dos pequenos.
Marucci faz um alerta: o papel dos avós deve ser bem delimitado. Até onde vão seus direitos e deveres com relação à criança? Isso ajuda a preservar a saúde deles, além de evitar conflitos familiares e problemas para impor limites durante a infância.
Avó não é tudo igual
É preciso também reforçar que generalizações devem ser evitadas. As pessoas têm experiências e perspectivas particulares. Então, nem todo mundo está disposto a assumir o papel de avós cuidadores e presentes que a sociedade apresenta.
Muitas vezes é depois dos 60 anos que o homem ou a mulher podem resgatar antigos planos pessoais após a criação de seus filhos. E aí é esperado que o indivíduo abra mão disso tudo novamente. "O foco em objetivos externos à família não significa que a pessoa não ligue para os netos. É só outra forma de encarar o momento e isso deve ser respeitado", defende Schmidt.
Um segundo ponto tem a ver com a condição socioeconômica da população brasileira de 65 anos ou mais. Muita gente nessa faixa etária ainda precisa seguir trabalhando e enfrentando um mercado desigual para se sustentar.
Segundo dados da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, divulgados pela Agência Brasil, o número de idosos com carteira assinada cresceu 43% de 2013 a 2017, mas o desemprego entre essa população mais que dobrou no mesmo intervalo.
"É injusto, portanto, cobrar que todos os avós vivenciem essa fase com a mesma plenitude", argumenta Schmidt. "É uma etapa que pode ser muito bonita, mas carregada de culpa, pode provocar adoecimento", conclui.
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