Será que morar no interior ou litoral é realmente melhor para saúde mental?
Lembra-se das aulas de história, sobre Revolução Industrial? Caso não, ela foi um período de grande desenvolvimento tecnológico iniciado a partir da segunda metade do século 18 e que iniciou no mundo inteiro uma debandada de gente para os centros urbanos, que multiplicaram de tamanho. Com isso, muitos problemas "modernos" surgiram e outros igualmente deram um salto, entre os quais os até então não muito frequentes: estresse, ansiedade, depressão.
Por isso, muitos, cada vez mais, vislumbram a oportunidade de fazer o caminho inverso e morar na praia ou no interior, com a expectativa de obter qualidade de vida e se resguardar desses males. Não que essas regiões não tenham se desenvolvido, mas elas contam com a natureza e a calmaria como diferencial. Será que os peritos em comportamento humano concordam com essa troca?
Precisamos da natureza
Humanos surgiram de ancestrais da ordem dos primatas que habitavam ambientes selvagens. Subiam em árvores, conviviam com animais dos quais se alimentavam, entravam em riachos e mares e esse tipo de existência nos acompanhou com força até recentemente, mesmo após a Revolução Industrial. Quem nunca ouviu dos avós ou pais que mesmo cidades grandes tinham áreas rurais há 50, 60 anos e com o tempo foram concretadas? A natureza nos foi suprimida.
"Então, se pensarmos que agora somos 'bichos' mais distanciados do meio natural, resgatar o contato primário é muito enriquecedor. Campo ou praia nos ajudam a perceber mais o ritmo real da vida, expresso em plantas, seres, ondas. Numa selva de pedra não se tem muita clareza disso, a percepção acaba formada por noticiários, redes sociais, correria das pessoas à nossa volta", afirma Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista.
Além disso, ambientes mais tranquilos e ecológicos nos proporcionam novos aprendizados, experiências e podem ajudar na aquisição de bons hábitos, como tomar mais sol, praticar atividades físicas, ajustar o relógio biológico, consumir alimentos mais frescos e menos processados. Ainda segundo Bottura, morar nessas regiões inclusive ajuda a se tornar alguém mais empático e reflexivo, e isso tem a ver com a diminuição dos estímulos, que em excesso tendem a nos dessensibilizar.
Longe de ser um oásis
Comer fruta no pé, andar descalço na areia, respirar ar puro. Tudo isso vem à mente quando se imagina estar fora de um local densamente povoado. Entretanto, é preciso se atentar que a sociedade e o planeta não são mais os das gerações passadas e mesmo áreas mais desabitadas podem representar problemas. Feche os olhos e se transporte, por exemplo, para uma ilha paradisíaca, mas contaminada e sem água encanada, segurança, internet e hospital. Aceitaria?
"Todo lugar tem seus prós e contras, nem toda praia nem todo interior são iguais e perfeitos e nas regiões onde o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é muito baixo, a qualidade de vida o acompanha. Ou seja, por ser ruim, há uma prevalência muito maior de transtornos mentais e até suicídio", afirma Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).
Sabe-se que indivíduos urbanizados quando "escapam" para locais próximos ao mar, a montanhas e fazendas se beneficiam muito do ponto de vista psicoemocional, cardiovascular, respiratório. Mas tirar férias e passar uma temporada longe de casa é bem diferente de se mudar e precisar se adaptar. Não é fácil e nem todo mundo consegue, ainda mais quando se deixa de encantar e ser novidade. Por isso, Scocca sugere avaliar com sensatez a decisão e considerar hipóteses menos radicais.
Repense sua relação com a cidade
Engarrafamentos, poluição, filas em todos os lugares. Morar nas capitais é desafiador, mas é inegável que representa muitas vantagens. Para além do acesso ao básico, pode ser mais fácil encontrar empregos, opções de moradia, locais para fazer compras, comer, se divertir, ser atendido por um médico a qualquer hora, ainda mais sendo idoso ou numa emergência. Às vezes, só de passear aos finais de semana ou mudar de bairro, o humor e bem-estar melhoram.
"Contato com natureza não necessariamente significa paz. Por exemplo, se o mar para alguns é relaxante, para outros, que tiveram experiências como afogamento, é extremamente desagradável e pode desengatilhar crises de pânico", reflete Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves com experiência pelo Hospital da Cidade, em Salvador (BA). Ela continua que para ter qualidade de vida é preciso se autoconhecer e, eventualmente, tratar problemas.
Não importa o local, se os problemas o acompanham. O ambiente representa um papel importante, mas é necessário aprender a lidar com os próprios mecanismos internos de funcionamento. Isso, de quebra, ajuda a responder por que há quem se dê melhor nos grandes centros e não pretende voltar às origens. Por se conhecer e talvez ter uma personalidade ativa, gosta e se entrega à ação, isto é, a relações sociais intensas, inovações constantes, múltiplos afazeres.
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