Melatonina no Brasil: quando pode ser indicado o 'hormônio do sono'?
Desde o final de 2021, as farmácias brasileiras podem vender o hormônio melatonina em forma de suplemento alimentar - em comprimidos ou em gotas - sem a necessidade de prescrição médica, graças à autorização dada em outubro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Até então, a venda da substância só era permitida em farmácias de manipulação e com prescrição médica. Apesar da liberação, é preciso ter cautela no uso da substância.
Popularmente chamada de "hormônio do sono", a melatonina é um neurohormônio produzido naturalmente pelo corpo humano e secretado pela glândula pineal, localizada na base do cérebro. Ela é responsável pelo ritmo circadiano - o ciclo de vigília e de sono (relógio biológico).
Segundo a neurologista Dalva Poyares, especialista em medicina do sono, pesquisadora do Instituto do Sono de São Paulo e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o apelido de "hormônio do sono" surgiu porque o pico de produção da melatonina, e o aumento dos seus níveis no organismo, ocorre no período noturno. "Ela promove uma sinalização para o nosso corpo de que está na hora de dormir. É o famoso 'deu minha hora'", explica a médica.
Ainda segundo a professora, não há nenhuma diretriz que indique a melatonina como tratamento da insônia. A necessidade de suplementação ocorre em poucos casos, principalmente quando há distúrbios do ritmo circadiano. "Alguns exemplos são dificuldade de dormir no horário em que está acostumado; pessoas com alguns tipos de doenças neurodegenerativas; algumas doenças psiquiátricas; diferenças bruscas de fuso horário. Nesses casos, existe um benefício para a indicação do tratamento ou com melatonina ou com medicamentos agonistas do sistema da melatonina", explica, reforçando que o tratamento não é só esse. "A pessoa precisa se expor à luz do dia para o organismo voltar a entender que é dia."
Cuidados no uso
Na autorização da venda da substância em forma de suplemento alimentar, a Anvisa restringiu o uso exclusivamente a pessoas com mais de 19 anos e limitou o consumo diário ao máximo de 0,21 mg/dia. Também determinou que as embalagens contenham advertência de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes e crianças. Pessoas com alguma doença devem consultar o médico e não se automedicar.
Uma das preocupações sobre o uso do hormônio sem controle é que não existe um consenso de quais níveis de melatonina demonstrariam um déficit no organismo e uma necessidade de suplementação. "Na vitamina D, por exemplo, conseguimos dosar os níveis no sangue e suplementar quando é necessário. Com a melatonina não funciona assim. O próprio envelhecimento faz diminuir os níveis no organismo. Dependendo da hora do dia, os níveis despencam. Então não existe um valor oficial que é considerado déficit", explica Poyares.
Outro fator que preocupa é que, apesar de a Anvisa ter limitado o consumo diário a uma dosagem próxima do que é produzido naturalmente pelo organismo, é possível encontrar produtos importados com dosagens entre 5 mg e 10 mg - muito acima do aprovado para uso no Brasil, de 0,21 mg. "Não existe sequer uma padronização de doses para tratamento. As pessoas consomem doses suprafisiológicas e não sabem o que pode acontecer", afirma a especialista, destacando que o único estudo multicêntrico com um análogo da melatonina mostrou um benefício para consumo de até 2 mg da substância.
Apesar das ponderações, a professora considerou importante a aprovação da Anvisa para padronizar, tornar seguro e regulamentar o consumo desta substância no Brasil. "As pessoas estavam formulando ou importando melatonina de fontes desconhecidas e não regulamentadas aqui. Então, se existe esse consumo no país, é melhor que as pessoas consumam um produto autorizado pela nossa agência reguladora. Ainda que sem indicação, as pessoas vão consumir a melatonina de qualquer forma. Por isso é melhor que seja de uma fonte confiável", completou.
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