Ômicron é o fim da pandemia? Saiba o que cientistas pelo mundo dizem

Esperança, esse sentimento que nos ajuda a acreditar na possibilidade de que algo que desejamos aconteça, é o que tem nos movido a estar atentos aos cientistas do mundo inteiro que afirmam que a ômicron, a nova variante do Sars-CoV-2, pode ser a luz no fim do túnel de uma pandemia que já dura 2 anos. Os palpites desses especialistas se baseiam em evidências atuais, mas também em todo o conhecimento que se tem sobre como funcionam microrganismos causadores de doenças.

Coincidentemente, essas observações encontraram eco em uma recente fala do diretor da regional europeia da OMS (Organização Mundial de Saúde), o médico Hans Henri P. Kluge. Ao registrar o marco do biênio pandêmico, ele reconheceu que, sim, podemos estar adentrando em uma nova fase da pandemia e há, de fato, perspectivas de estabilização. Apesar disso, admitiu: "como todas antes dela, esta vai acabar, mas ainda é muito cedo para relaxar".

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Perfil comportamental do vírus

Entre os pesquisadores, o otimismo se apoia na análise do comportamento dos vírus e da forma como eles buscam seus hospedeiros —no caso, os humanos. Para sobreviverem, esses microrganismos precisam de algum equilíbrio. É como se tivessem que escolher entre ser mais ou menos infecciosos ou mais ou menos danosos à saúde.

As "atitudes" da ômicron indicam que ela optou por ser mais transmissível do que causadora de doenças. Afinal, em apenas dois meses a nova variante fez a delta praticamente desaparecer. Além disso, seus efeitos parecem se limitar ao trato respiratório superior (nariz, garganta etc.), o que faz que seus sintomas sejam semelhantes aos de uma gripe comum, ao menos entre pessoas vacinadas.

Aliás, um relatório técnico publicado pela UKHSA (sigla em inglês para Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido), mostrou redução de 81% nas hospitalizações entre pessoas vacinadas, quando comparadas a não vacinados, após o aparecimento da ômicron.

Outro aspecto a favor dessa teoria é que a ômicron não usa a fusão celular para se propagar entre as células. Esse mecanismo faz com que o vírus, ao conseguir infectar seu hospedeiro, "convoque" outros vírus para criar um time viral que desencadeia processos inflamatórios em cascata.

Circulante

Como a ômicron tem avançado rapidamente, é muito provável que mais da metade da população do globo será infectada e —em tese— essas pessoas estarão protegidas da variante. Os vírus precisam de hospedeiros (humanos) para circularem; na ausência deles, a ômicron começaria a se esgotar.

De acordo com uma recente reportagem publicada pela revista Time, os modelos mais otimistas de como se comportam os vírus mostram a probabilidade de que após um pico de contágio no final de janeiro e começo de fevereiro, o Sars-CoV-2, finalmente, chegará a esse estágio e se tornará endêmico. Ele continuará circulando entre nós, como o vírus influenza, mas apenas entre indivíduos não vacinados ou imunodeprimidos.

Soma-se a essas conclusões o fato que ele será gerenciável, já que a maioria das pessoas terá proteção contra os piores efeitos da covid-19. Em dezembro de 2021, Paulo Nadanovsky, epidemiologista e pesquisador da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca) da Fiocruz, ao refletir sobre a justificada preocupação com novas variantes, lembrou que teremos sistemas imunes mais preparados daqui para frente.

"Quaisquer que sejam as novas variantes do Sars-CoV-2, elas encontrarão pessoas que já possuem um sistema imune alerta (pela vacina e/ou pela infecção), [assim] a probabilidade de que surja uma variante do Sars-CoV-2 que consiga escapar completamente da imunidade que adquirimos pela vacina e pela infecção é pequena", afirmou.

De olho em todos esses fatores, Jeremy Farrar, presidente da Wellcome Trust, instituição filantrópica de apoio à pesquisa em saúde global sediada em Londres, em entrevista à Time, arriscou dizer que as chances de a ômicron ser a última onda com grande número de infectados é de 40% a 50%. Esses números só não são maiores porque a variante conseguiu driblar anticorpos gerados pela infecção natural e pelas vacinas.

O contraponto

No início de janeiro, a diretora do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos EUA, Rochelle Walensky, declarou que a expectativa é que a ômicron se comporte exatamente como se comportou na África do Sul —onde se viu um aumento muito acentuado de casos, seguido de um declínio vertiginoso.

No Brasil, a expectativa de alguns especialistas é que a onda tenha um pico nas próximas semanas e se desacelere no fim de fevereiro —claro que deverá ter variações entre diferentes regiões em um país tão vasto.

Na corrente contrária dessas perspectivas, há o fato de que a ômicron reafirmou a ideia de que o coronavírus é imprevisível. Isso porque o seu sequenciamento genético mostrou que ela não é uma evolução das outras variantes, mas teria surgido por outra via evolutiva.

A reportagem da Time relata que cerca de um ano atrás pesquisadores relataram a identificação de mudanças no Sars-CoV-2 em três passageiros positivos da Tanzânia, que teriam desembarcado em Angola.

Essas modificações não são idênticas às da ômicron, mas poderiam ter dado espaço para a adaptação do vírus. Outra hipótese é que pessoas com o sistema de defesa do corpo mais fraco permitiram que o vírus evoluísse em sua mutação. Em outras palavras, a próxima ômicron poderia estar por aí, mas ainda não é possível saber.

Já o imunologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas e chefe do conselho médico do governo norte-americano, mostrou-se bastante comedido em sua fala em evento online do Fórum Econômico Mundial, ao dizer que estamos ainda na primeira do que ele considera as cinco fases da pandemia.

A primeira delas seria a verdadeiramente pandêmica, onde todo o mundo é impactado negativamente, o que é seguido por uma desaceleração, controle, eliminação e erradicação. "Até hoje apenas uma doença infecciosa foi erradicada: a varíola. Isso não vai acontecer com este vírus", disse ele.

Apesar desses argumentos, o diretor da OMS segue otimista: "Com fortes vigilância e monitoramento de novas variantes, alta cobertura vacinal e terceira dose, ventilação, acesso equitativo e barato aos antivirais, testagem, além de proteção dos grupos de alto risco, com máscaras de alta qualidade, distanciamento social —se e quando uma nova variante aparecer— acredito que uma nova onda não mais exigiria um retorno à era da pandemia, lockdowns ou outras medidas semelhantes", concluiu Kluge. Que assim seja.

Referência: SARS-CoV-2 variants of concern and variants under investigation in England Technical briefing: Update on hospitalisation and vaccine effectiveness for Omicron VOC-21NOV-01 (B.1.1.529). UK Health Securty Agency, 31.12.2021.