'Alcoolismo agravou minha ansiedade generalizada. Precisei parar de beber'
Quando Marcos Tartuci, 48, foi diagnosticado com transtorno de ansiedade, em 2019, o médico disse que seria necessário largar as bebidas alcoólicas, principalmente pelo uso do remédio que faria parte do tratamento. Foi quando o executivo, de São Paulo, percebeu que o álcool era algo muito recorrente em sua rotina: "Não conseguia ficar sem". A seguir, ele conta como aprendeu a lidar com as crises de abstinência e com os momentos de ansiedade; começou a meditar e levar uma vida mais saudável:
"Sempre fui executivo de grandes empresas. Tinha uma carreira muito boa. Mas era especialista em 'turnover', ou seja, chegava em locais problemáticos e precisava 'virar o jogo'. Por isso, tinha uma agenda complicada e uma rotina bem difícil.
No final de 2019, fui diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada (TAG), que foi agravado pelo alcoolismo. Só que eu nunca me imaginei alcoólatra: não dava vexames, não frequentavas festas nem era 'resgatado da sarjeta'. Mas não consegui ficar sem beber. Ingeria álcool todos os dias, no almoço e na janta, logo que chegava em casa.
O médico, então, avisou que, para tratar a ansiedade, eu teria de parar de beber, principalmente pelos remédios que usaria.
Outro ponto é que já fui obeso e cheguei a pesar 130 kg (hoje, tenho 70 kg). Na época, fiz cirurgia de redução de estômago para conseguir emagrecer. Também era fumante e cheguei a fumar três maços de cigarro em um dia. Depois, apareceu essa história com o álcool.
Impactos do álcool no organismo
Comecei a fazer um projeto para largar as bebidas alcoólicas. Entrava na internet, pesquisava bastante, lia muito sobre as crises de abstinência que eu, inclusive, estava vivenciando. Não imaginava que o alcoolismo afetava tanto as pessoas —e a gente não se dá conta disso.
Não achava que fazia mal para o meu corpo. Meus exames clínicos costumavam apontar, no máximo, uma esteatose hepática, uma gordura a mais no fígado que é difícil de sair.
O álcool impactou tudo: minha memória, minha coordenação motora, meus relacionamentos e meu rendimento no trabalho.
Algumas coisas funcionaram neste momento de abstinência —como grupos de apoio, meditação, atividade física e acompanhamento médico— e pensei que todas essas informações poderiam estar numa única ferramenta.
Foi assim que decidi criar a plataforma 'Dei Um Tempo', em 2020. Com ajuda de profissionais da saúde, a ferramenta é capaz de auxiliar as pessoas que querem parar de beber, fumar ou reduzir consumo de carne.
Decidi largar minha carreira como CEO de grandes empresas para me dedicar a este projeto de forma integral.
Mudança de hábitos
Eu me aprofundei no autoconhecimento e autocuidado. Fiz acompanhamento com psiquiatra e psicólogo. Comecei a meditar e, hoje, a prática já faz parte da minha rotina, assim como exercícios físicos. Antes, eu dava risada quando as pessoas falavam que meditavam. Agora, não vivo sem isso.
A primeira coisa que aprendi nesta jornada foi controlar a ansiedade, porque viver sem esse sentimento é impossível. Sempre fui impetuoso e muito emocional. Precisei equilibrar tudo isso também.
Antigamente, era muito mais negativo, olhando as coisas apenas pelo lado ruim. Hoje, acho que tenho mais tranquilidade para lidar com os problemas, além de seguir com a assistência psiquiátrica a cada três meses. Do acompanhamento psicológico, recebi 'alta'. Com esses novos —e mais saudáveis— hábitos, minha qualidade de vida melhorou.
Vida sem álcool também pode ser legal
Isso é é algo muito positivo. Mas temos um tabu enorme em cima dessa questão. A bebida é vista como uma diversão no Brasil: como passar as férias sem beber? Como ir ao restaurante sem tomar um vinho? Brigar com essa 'história' não é fácil.
Na plataforma, temos um conteúdo que foca muito nisso. O que dizer para os amigos, por exemplo, quando eles chamam para beber? Como essa pessoa vai lidar com essa dificuldade social? As pessoas tiram muito sarro ou dizem que é 'só uma latinha'. É preciso aprender a lidar com isso."
Alcoolismo: um problema de saúde pública
Marcos diz no início do relato que tinha uma outra visão do alcoolismo, mas para uma pessoa ser diagnosticada com o problema ela não precisa, necessariamente, terminar a noite caída dentro de um bar todos os dias, conforme explica Lívia Beraldo, psiquiatra especialista em dependência química do IPq (Instituto de Psiquiatria) da USP (Universidade de São Paulo).
"Importante dizer que isso também ocorre com pacientes que são executivos de grandes empresas, que trabalham, e não só aquela pessoa 'na sarjeta'", diz. "O transtorno por uso de álcool é um problema de saúde pública, que favorece o surgimento de mais de 200 doenças, como as demências, depressão e câncer", explica a médica.
Como identificar o alcoolismo?
De acordo com Beraldo, a doença vem acompanhada de prejuízos em quaisquer esferas da vida, como nas relações pessoais, no trabalho ou nos estudos. Outros sintomas podem incluir dificuldade de limitar consumo de álcool e um forte desejo de beber que impede a pessoa de fazer outras coisas.
"O paciente também pode desenvolver a tolerância ao álcool, ou seja, vai precisar cada vez mais de quantidades mais altas para ficar 'alto'", diz a psiquiatra do IPq.
A médica destaca ainda que o caso de Marcos, relatado neste texto, não é comum. "A grande maioria não tem essa autocrítica, que está bebendo demais. Geralmente, eles chegam para o tratamento por insistência de alguém da família."
Como é feito o tratamento?
Depende do caso, mas é multidisciplinar, ou seja, envolve diversas especialidades, como um psiquiatra, psicólogo, entre outros. Se o caso for grave, o tratamento pode envolver internação em ambiente hospitalar.
De acordo com Beraldo, é preciso verificar se há outra doença concomitante, como depressão ou ansiedade, que também deve ser tratada. Caso a dependência esteja definida, o objetivo do tratamento será a abstinência.
As abordagens médicas incluem estratégias com uso de medicamentos ou não. O apoio da família e amigos, os grupos como AA (Alcoólicos Anônimos), assim como a prática de atividade física, são fundamentais no tratamento.
Importante destacar que é possível obter ajuda pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Para isso, basta buscar um Caps em sua cidade ou uma UBS (Unidade Básica de Saúde).
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