Por que há casos em que filhos 'podam' os pais idosos com certa violência?
A pandemia do novo coronavírus agravou a situação de muitos idosos dependentes dos filhos, que correspondem em torno de 65% dos suspeitos de violência contra esse grupo etário. As informações são de 2021, com dados da ONDH (Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos). Até o primeiro semestre de 2021, o número de denúncias registrado pelo Disque 100 ultrapassou 30 mil.
Por trás desse crescente cenário estão fatores como restrição de circulação, maior convivência entre os que residem na mesma moradia, incertezas sobre o futuro, favorecendo assim um acúmulo de tensões, que se somam a possíveis situações familiares anteriores e culminam nos casos de violência.
Mas violência não é só agressão. Ainda é ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que cause morte, dano, sofrimento físico ou psicológico no idoso.
Nesse sentido, filhos que, sob constantes ameaças, chantagens, humilhações, maus-tratos, constrangimentos não permitem os pais idosos se comunicarem, seja com parceiros, amigos, parentes, ou então tomarem decisões próprias (como vestir aquilo que desejam, assistir TV, acordar ou dormir tarde, gastar o próprio dinheiro), principalmente estando eles com a saúde física e mental preservadas, cometem crime pela lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
Idoso precisa ver que não está só
Cláudia Messias, psicóloga do Hospital Geral de Palmas (TO), informa que, se apesar de lúcido, o idoso acabar aceitando esse tipo de violência é devido ao grau de afeto que tem pelo filho, ou porque depende dele financeiramente ou para tarefas cuja mobilidade o impede.
"Mas isso não se justifica. Você trabalha a vida inteira, cria seus filhos com todo cuidado, amor e esforço e, quando eles crescem, querem controlar, determinar tudo e da pior forma? Está errado!"
A família, ao perceber, não pode ser conivente nem se distanciar desse caso. O idoso não é de propriedade exclusiva de ninguém e seus assuntos devem ser compartilhados, com médico e, se possuir, outros filhos, netos, sobrinhos, cuidadores.
Alguém tem que intervir. Num primeiro momento, buscar entender o que se passa naquela relação e ouvir os dois lados. Por gentileza, responsabilidade, vínculo, não esperar a situação sair do controle para se mostrar presente.
"O idoso precisa ter outros tipos de relacionamentos, com os quais possa desempenhar outras atividades e se sentir firme e seguro emocionalmente. Ver que ele tem com quem contar, se precisar de algo e querer tomar decisões. Sem essa rede, mais refém e fragilizado fica", explica Liliana Seger, doutora em psicologia pelo IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo). Ela continua que essa mobilização ainda serve como "recado" para o filho dominador.
Cabe acompanhamento profissional
Para um filho querer determinar, da pior forma, o que o pai ou a mãe, agora envelhecidos, podem, ou não fazer, suspeita-se de que há algo de errado com sua esfera psicoemocional. Não que sendo de fato isso é aceitável o que ele faz. Longe disso. Mas ressentimentos, ciúmes, baixa autoestima, complexo de rejeição e até medo de perder aquela pessoa são fatores a se suspeitar. Indivíduos que são inseguros não confiam em si nem nas outras pessoas.
"Quando há possessividade e preocupação excessiva, é caso para profissionais de saúde mental. É preciso compreender as motivações desse filho. Os familiares podem sondar e convencê-lo a procurar ajuda psicoterápica e, assim, ele compreender seu funcionamento, seus medos, suas distorções para se colocar no lugar do idoso e mudar seu comportamento, se flexibilizar", orienta Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista (SP).
Seger e Messias acrescentam que a terapia direcionada a idosos também é muito bem-vinda quando se encontram nessa condição delicada. Às vezes, o que eles não têm coragem para dizer aos familiares, expõem em consultório, como o sofrimento atrelado à internalização do que passam e à possibilidade de gerar implicações negativas contra o filho.
O trabalho que os especialistas desenvolvem os ajuda a reconhecer os abusos, ter coragem e se posicionar.
Situações para não se confundir
A mediação do psicólogo ou psiquiatra em conjunto com o geriatra também contribui para que o idoso se autoconheça e aprenda a lidar melhor emocionalmente com as mudanças atreladas ao envelhecimento.
Quando não é compreendido ou reage mal no dia a dia, corre o risco de ser infantilizado, cita Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo Hospital da Cidade, em Salvador: "Invertem-se os papéis e junto termina-se o respeito".
Batista complementa que quando o idoso perde o status de chefe da casa, não favorece mais a ninguém, igualmente tende a ser menos acatado. Agora, se continuam ativos, provedores e ainda sujeitos à dominação, leva a supor que seus dependentes, apesar de adultos, acham que eles não têm vida própria, nem necessidades afetivas e servem apenas para supri-los. São realidades bem complexas, afirma Paulo Camiz, geriatra do Hospital das Clínicas de São Paulo.
"É preciso conhecê-las a fundo antes de qualquer decisão. Às vezes, julga-se que o filho age mal, mas pode também não ser bem assim. O cerceamento é importante se o idoso estiver incapaz de tomar decisões lúcidas, se autocuidar e encontra-se vulnerável, ou se coloca em situações perigosas. Mas se estão autônomos e independentes, podem fazer de tudo, com segurança. Ainda assim são 'podados' e com violência? Então cabe denúncia", finaliza Camiz.
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