Ser perfeccionista não é tão legal assim e pode fazer mal à saúde mental
Durante muito tempo, dizer-se perfeccionista durante uma entrevista de trabalho ou naquela avaliação de desempenho da empresa era visto como uma qualidade desejada para o bom profissional. A busca pela perfeição no que faz soava promissora, mas por trás dessa ideia do senso comum de excelência se escondia um sentimento de insatisfação aguda e culpa por não chegar aos padrões estabelecidos por si mesmo.
"A personalidade perfeccionista se caracteriza justamente por essa busca por fazer as atividades de uma forma que a pessoa acredite ser 'perfeita'", explica Alfredo Maluf, médico psiquiatra, coordenador da área de psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo ele, é alguém que não admite erros, tem um padrão de qualidade extremamente alto e um nível de cobrança interno —e externo— muito alto.
Quem vive aprisionado por esses padrões quase inalcançáveis de entrega, seja nos estudos seja no trabalho, precisa ficar atento para não desenvolver um transtorno psíquico ligado ao perfeccionismo. De acordo com Maluf, há sintomas que podem indicar que alguma coisa não vai bem mentalmente, e que seria adequado consultar um especialista.
"Ter uma personalidade perfeccionista pode se tornar um problema de saúde quando se desenvolvem sintomas físicos e psíquicos. Às vezes, a pessoa começa a ter insônia e muita ansiedade, por exemplo. Essa ansiedade se torna excessiva e pode ser antecipatória, transformando-se em medo e apreensão pelo futuro", afirma o médico. "Como nem tudo sai como a gente quer, esse sentimento controlador pode chegar até a um quadro de depressão, se não for olhado com cuidado", diz.
Sintomas podem ser físicos
O perfeccionismo pode causar, inclusive, efeitos físicos, além dos psicológicos já mencionados. Há órgãos que ficam mais sobrecarregados com o estresse, como o intestino, por exemplo. "O estresse causado por esse desejo de ter as coisas 'tão perfeitas' pode ter impactos gastrointestinais, por exemplo. Também é capaz de desencadear casos de taquicardia, sudorese e cefaleia, além de dores no corpo e aumento da acidez gástrica", diz Maluf.
Já quando o assunto é desgaste na saúde mental, o médico ressalta que também são sinais de que essa busca por perfeição saiu dos limites quando há alterações de humor, irritabilidade, agitação e falta de tolerância com o que acontece ao redor.
"Vejo que com a chegada da pandemia, as pessoas começaram a se questionar um pouco e outros valores ganharam força. Elas passaram a se perguntar sobre seu próprio tempo e qualidade de vida, e a compreender que nem tudo precisa ser tão 'perfeito'. É claro que se busca trabalhar bem, mas esse grau exagerado de perfeccionismo pode realmente acarretar um prejuízo", reforça o especialista.
Ele avalia que é muito difícil para pessoas que têm essa personalidade mudarem de comportamento. Mas ampliar a gama de interesses pode ajudar a ficar menos focado no controle do que se está fazendo: "Buscar um profissional da saúde mental pode ajudar a pessoa a se dedicar a outras outras atividades, ao lazer e à vida cultural, por exemplo. E alterar um pouco as atividades cotidianas de forma que ela possa ter uma outra possibilidade, um outro tipo de comportamento em relação à maneira como ela encara as situações que vivencia e ela entende que pode cometer erros".
Perfeccionismo em baixa
Ao contrário do que se possa imaginar, sair por aí se dizendo ser uma pessoa perfeccionista deixou de ser visto com bons olhos, principalmente dentro de empresas e ambientes em que a "soft economy" começa a ganhar espaço. Nesse sentido, ter resiliência e capacidade de tolerar os erros é algo mais valorizado, o que retira muito da pressão que a personalidade perfeccionista impõe à própria mente.
"Conceitos de 'perfeição' estão sendo desconstruídos por formas mais ágeis de se fazer as coisas. Elas pedem que a gente exercite o 'errar rápido', o que é uma grande lição. No passado, fomos ensinados a fazer o 'perfeito'", explica Ligia Zotini, pesquisadora e pensadora do futuro, fundadora do Voicers, instituto dedicado a democratizar o acesso às tecnologias e tendências. Expert quando o assunto são os novos caminhos que o mercado de trabalho está trilhando, Zotini conta que o perfeccionismo é inimigo da inovação: "Não tem como inovar se existe medo de errar. As novas economias pedem que possamos ser mais flexíveis", defende.
Ainda segundo a futuróloga, esse conceito de "fazer perfeito" é algo herdado da geração X, aquela que precede os millennials, e que viveu uma época na qual muito do que temos hoje foi construído. "Os anos 1990, ápice dessa geração, tinha práticas muito claras e uma cultura de qualidade total. Era um mundo de pouca digitalização e tecnologia", explica Zotini.
"As coisas no ambiente físico requerem muitos testes, segurança e o máximo de qualidade possível. Por isso, a perfeição era desejada. Mas atualmente, em um contexto de revolução digital, a gente desmaterializa coisas, produtos e serviços. Tudo ficou mais democrático e ganhamos velocidade, podemos testar antes de ter o que se chama de 'produto final'", diz. Segundo ela, no fim das contas, não dá para ser ágil e ser perfeito. "É preciso se reinventar e eu acredito que as gerações mais jovens já se permitem errar mais", afirma a especialista.
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