Hibristofilia: o que explica atração sexual por quem comete crimes
Em 1998, Francisco de Assis Pereira ficou conhecido como o "Maníaco do Parque", após ter matado sete mulheres e atentado contra a vida de outras nove no Parque do Estado, em São Paulo (SP). O assassino em série foi condenado a mais de 280 anos de prisão por crimes de estupro, estelionato, atentado violento ao pudor e homicídio. Um mês após ser preso, o serial killer brasileiro já havia recebido cerca de mil cartas de mulheres interessadas em conhecê-lo e outras se declarando apaixonadas por ele.
O termo hibristofilia é a melhor definição para a expressão "amor bandido", pois se refere à atração por pessoas que cometeram uma atrocidade ou um crime violento, como estupro, assalto ou assassinato. Trata-se de uma parafilia, conforme explica o médico psiquiatra Líbano Monteiro, coordenador de psiquiatria da Rede D'Or São Luiz, no ABC paulista: "Seria qualquer interesse sexual intenso e persistente que não aquele voltado para a estimulação genital ou para carícias preliminares com parceiros humanos que consentem e apresentam fenótipo normal e maturidade física".
Monteiro informa que parafilias como essa não são, a princípio, consideradas transtornos mentais. Como não é necessariamente um transtorno, o estudo sobre questões epidemiológicas dessa condição é limitado, não havendo um padrão ou algo concreto.
Por que essa atração acontece?
A primeira pessoa a abordar o assunto, ainda na década de 1950, foi o psicólogo e sexólogo neozelandês John Money. Foi ele que identificou que a hibristofilia afeta em maior proporção as mulheres heterossexuais. No entanto, não existe ainda uma única explicação para isso, mas sabe-se que aspectos biológicos, psicológicos e sociais interagem de forma complexa.
Autor do livro "Loucas de Amor: Mulheres que Amam Serial Killers e Criminosos Sexuais", Gilmar Rodrigues abordou histórias reais de mulheres que amam, namoram e até se casam com eles, "quanto mais violento o sujeito, mais oposta é a visão fantasiosa que elas têm", comenta o jornalista, que percebeu que as relações não costumam ser duradouras, principalmente após o criminoso deixar a prisão.
Para José Olinda Braga, professor do Departamento de Psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará), a pessoa que sente atração está impulsionada por "fantasmas" mal resolvidos do seu universo psíquico. "Muitas vezes são pessoas que passaram quando criança/adolescente por situações de violência doméstica ou sexual, abuso psíquico etc., e não conseguiram, de certa forma, resolver isso nas relações sociais", aponta.
Existe um perfil?
Embora o perfil predominante seja de mulheres com antecedente de abusos e sofrimentos na infância, tais situações não são determinantes para a hibristofilia. "É um complexo multifatorial que depende da constituição psicológica, cultural e social da pessoa e do meio onde está inserida", afirma Monteiro. Isso quer dizer que apresentar essa preferência não significa ter alguma patologia ou que a pessoa também tenha necessariamente propensão para a violência e para cometer crimes.
Apesar de não haver um padrão central, no passado acreditava-se que isso poderia ocorrer em mulheres que sofriam de baixa autoestima. Contudo, foram observados casos de mulheres independentes e bem sucedidas profissionalmente que manifestavam esse distúrbio, logo, as razões podem ser diversas.
Quanto ao fato de essa parafilia ser mais comum em mulheres, a explicação é simples: o número de homens que praticam crimes violentos é muito maior em comparação ao gênero oposto. Mas isso não quer dizer que não existam casos de hibristofilia em homens também.
As motivações da "síndrome de Bonnie e Clyde"
A atração que as mulheres com hibristofilia nutrem pode surgir após uma notícia sobre o criminoso ou mesmo ao olhar uma fotografia dele. O psiquiatra Leonardo Morita, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), ressalta alguns perfis de mulheres que se envolvem com foras da lei:
- As que romantizam: consideram que a falta de amor foi o estímulo para o crime, e que o amor delas fará com que a pessoa se regenere (em geral, são pessoas que sofreram abusos no passado);
- As que se excitam: estar com alguém que transgride o que nós, enquanto sociedade, suportamos gera para elas um tipo de excitação, ou mesmo relacionamento excitante;
- As que buscam fama: quando se trata de um criminoso notório, muitas vezes elas acabam conquistando uma notoriedade, sendo objeto de notícia (midiática).
Morita faz uma ponderação importante a respeito desses perfis citados: "nós temos que considerar que muitas vezes essas pessoas podem simplesmente se identificar com esse criminoso, alguém que está fazendo aquilo que ela mesmo gostaria de fazer, por exemplo", diz. O especialista salienta que existem duas categorias de hibristofilia: passiva e ativa. A primeira se refere à pessoa que vai atrás do criminoso na intenção de apenas manter um relacionamento normal. Já ativa é quando a pessoa passa a também cometer os crimes ao lado do companheiro —assim surgiu a expressão popular "síndrome de Bonnie e Clyde", em referência ao casal de criminosos que cometia assaltos nos Estados Unidos na década de 1930.
Muito mais do que o perfil da pessoa que se interessa pelo criminoso, vale destacar que sociopatas e psicopatas são extremamente sedutores e persuasivos, logo, eles vão seduzir e criar um cenário fantasioso. Para Morita, uma pessoa que nutre atração e entra em contato enviando cartas, provavelmente será correspondida em alguns casos, havendo assim um jogo de manipulação por parte dos criminosos. Mas vale lembrar que isso acontece tanto com mulheres como com homens. "O que sabemos sobre a hibristofilia ainda é muito pouco e não conclusivo" afirma o psiquiatra.
Tratamento: volta ao passado
Segundo Braga, a ideia da psicoterapia em qualquer circunstância é um retorno ao que se chama de cena primária, que se refere aos momentos existenciais de infância e adolescência, normalmente com questões mal resolvidas que ficam "enterradas". A cena secundária é refere-se à repetição dessas situações inacabadas, mesmo que muitas vezes as pessoas nem se lembrem que elas aconteceram. "O processo de psicoterapia tem essa finalidade de conduzir esses indivíduos a um retorno, a um caminho na constituição dela própria, como é que ela se tornou esse adulto com essa parafilia. É uma volta", diz.
O especialista explica que essas pessoas desejam inconscientemente reproduzir situações em que foram vítimas, como uma forma de resolução, agindo de forma maternal com o criminoso, achando que poderá salva-lo (e salvar a si mesma). De acordo com Braga, existem várias abordagens psicoterápicas, mas, em geral, busca-se identificar quem a pessoa quer achar quando procura por determinado criminoso. "À medida que esse sujeito com essa parafilia encontra novos significados e compreensão daquilo que o atrai, a tendência terapêutica é de que ela/ele se alivie dessas necessidades", diz.
No Brasil e exterior, assassinos famosos e suas admiradoras
O vigilante goiano Tiago Henrique Gomes da Rocha, 33, confessou em depoimento ter assassinado 39 pessoas (a maioria mulheres) entre os anos de 2011 e 2014. Assim como o "Maníaco do Parque", ele também recebeu diversas mensagens apaixonadas e pedido de visitas de admiradoras.
Outros exemplos fora do país incluem: Ted Bundy, que chegou a se casar com uma "fã", Charles Manson, o norueguês Anders Behring Breivik, preso pelo assassinato de 77 jovens em 2011, e o idoso austríaco Josef Fritzl, que raptou e estuprou a própria filha durante 25 anos, todos eles recebiam cartas e até propostas de casamento quando estavam na prisão.
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