Efeito werther: banalizar o suicídio pode aumentar número de casos
Há diversos fatores que contribuem para que o indivíduo pense em acabar com a própria vida e chegue de fato a se suicidar. Mas os especialistas também destacam que romantizar ou falar sobre o tema de forma leviana aumenta o número de casos ou tentativas.
Esse fenômeno é chamado de efeito werther e faz referência ao livro "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Johann Wolfgang Goethe, publicado em 1774 e que foi associado a uma onda de suicídios na Europa. Na obra, o protagonista conta a história de seu amor impossível ao narrador. Werther acreditava que só seria feliz com a amada, mas como não encontra uma saída para o romance se concretizar, ele se mata.
A repercussão do livro foi tanta —o bispo Lorde Bristol chegou a acusar a obra de imoral, pois levava os jovens a se suicidarem— que levou ao termo da psicanálise, que diz que falar de suicídio ou o ato em si pode ser "contagioso".
O que influenciaria outras pessoas a fazerem o mesmo, na verdade, tem mais a ver com a forma como o tema é tratado. "Falar do assunto sem o devido cuidado, mostrando detalhes, explicitando métodos e romantizando a morte é um desencadeador para pessoas que estão sofrendo e têm pensamentos suicidas ou que já tentaram no passado", destaca Laís Lundstedt, psiquiatra e docente da pós-graduação em suicidologia da USCS (Universidade de São Caetano do Sul).
Estudos já mostraram o impacto da forma como se trata o tema sobre os jovens. Uma pesquisa, publicada em 2019 no periódico JAMA Psychiatry, encontrou uma associação entre a série "13 Reasons Why" (que conta a história de uma estudante que tira a própria vida) e o aumento de casos entre adolescentes de 10 a 19 anos, nos Estados Unidos.
Outro, publicado no periódico PLOS One em 2018, mostrou que houve um aumento de quase 10% dos casos após a morte do ator e comediante Robin WIlliams. Segundo os autores, as descobertas sugerem que as reportagens da mídia possivelmente induzem mudanças na ideação suicida e que há a hipótese de que os suicídios de celebridades podem influenciar os padrões populacionais de suicídio, dada a onipresença do conhecimento sobre o famoso e a identificação potencial com ela.
Banalizar o suicídio e considerá-lo algo normal não é a abordagem correta, uma vez que isso pode ser interpretado como um ato natural e de livre arbítrio. Estimular que a pessoa reflita sobre suas angústias pode fazer com que ela encontre uma saída irreversível. Além disso, o assunto nunca deve ser enaltecido ou tratado como uma ação heroica.
"O suicídio sempre deve ser falado com muita responsabilidade. É preciso falar sobre as formas de prevenção e mostrar quais são os sinais que merecem atenção para que os amigos e familiares possam promover o acolhimento e a pessoa ter a ajuda que precisa", explica Fernando Fernandes, psiquiatra do IPq-HC (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas) da USP (Universidade de São Paulo).
Reconhecendo os sinais
Muita gente sofre sem saber que está doente e não tem a quem recorrer. Para piorar a situação, muitas vezes os pedidos de ajuda são interpretados como tentativas de chamar atenção ou são minimizados. Amigos e familiares tendem a achar que o suicídio é algo distante e que nunca vai acontecer isso com aquela pessoa próxima, mas pode acontecer.
Para Christiane Ribeiro, psiquiatra e professora da Faculdade de Ciências Médicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a maioria das pessoas que cometeram suicídio tinha uma doença mental associada.
"Os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio são: depressão, transtorno do humor bipolar e dependência de álcool. As causas não envolvem somente fatores sociais ou acontecimentos recentes". Por isso, quem tem algum transtorno mental está mais propenso a tentar suicídio e precisa receber o acompanhamento de especialistas.
Estima-se que 90% dos suicídios estejam ligados a doenças mentais e os outros 10% são referentes à impulsividade. No entanto, sabe-se que é muito mais frequente a tentativa de acabar com a vida. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), para cada pessoa que comete suicídio, outras 20 tentam.
Veja, abaixo, outros sinais que indicam o risco de suicídio:
- A pessoa já tentou se suicidar ou fala muito sobre o desejo de morrer;
- Tem o hábito de se machucar e se cortar com frequência;
- Sofre de oscilações de humor;
- Posta muito nas redes sociais sobre suicídio;
- Afasta-se da família e de amigos;
- Piora do desempenho no trabalho;
- Perde o interesse em atividades de que gostava;
- Faz comentários autodepreciativos e é pessimista;
- Comenta constantemente que é um fardo para os outros;
- Dorme pouco, está sempre ansiosa, agitada ou com raiva;
- Sente culpa o tempo inteiro ou vergonha;
- Relata a sensação de vazio e desesperança;
- Fala que não tem mais uma razão para viver.
A pandemia e o risco do aumento de suicídio
Nunca estivemos tão perto da morte. Com a pandemia do novo coronavírus, milhares de pessoas perderam entes queridos ou tiveram uma mudança brusca na rotina e também na parte financeira, além de ter aumentado o estresse e os problemas de relacionamentos. Por isso, é normal ficar triste, desanimado e até sem motivação.
Para Ribeiro, o isolamento social e a insônia podem levar ao desenvolvimento ou à exacerbação de transtornos psiquiátricos. "Sabemos que os transtornos psiquiátricos por si só já são fatores de risco para os pensamentos suicidas. Nesse momento, a população mais vulnerável a esse adoecimento psíquico deve ser cuidadosamente monitorada. São eles: os que apresentam transtornos psiquiátricos, pessoas que residem em áreas de alta prevalência de covid-19, quem perdeu um familiar, profissionais de saúde e idosos", destaca.
De acordo com os especialistas, os efeitos da pandemia também têm sido observados no que tange à saúde mental. Diversas pesquisas estão sendo realizadas e mostram que ocorreu um aumento do uso de substâncias como álcool e sintomas de estresse pós-traumático e depressão, o que poderia aumentar o índice de suicídio.
Como ajudar e buscar apoio?
Cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no mundo. Desde 2014, surgiu a Campanha Setembro Amarelo que visa incentivar a prevenção ao suicídio. Mas, de acordo com os especialistas consultados, é preciso falar sobre o assunto, de forma responsável, o ano inteiro.
Uma forma de prevenir o efeito werther é evitar glorificar e fazer sensacionalismo do suicídio. "A mídia pode contribuir bastante e mostrar formas de buscar ajuda e evitar relatar detalhes do método utilizado em casos de suicídio. Todos os esforços devem ser feitos para evitar exageros. É importante mostrar que é possível superar o desejo suicida e há esperança de melhora", afirma Lundstedt.
O papel dos familiares e amigos é fundamental para identificar os sinais e dar apoio emocional, além de orientar a pessoa a buscar ajuda. Pessoas próximas não devem ter medo de perguntar abertamente se o ente querido deprimido já chegou a pensar em se matar, de uma forma delicada e livre de julgamentos.
"Conhecendo os fatores de riscos para o suicídio, é possível reconhece-los e buscar ajuda profissional. O tratamento precoce dos transtornos psiquiátricos é uma das formas de prevenir o suicídio, e demonstrar empatia e interesse pode salvar vidas", completa Fernandes.
Além disso, os especialistas reforçam que, muitas vezes, não basta apenas aconselhar a busca de um profissional, pois frequentemente quem sofre e pensa em suicídio não tem mais forças. É importante a busca de profissionais como terapeutas e psiquiatras e colocar-se a disponível para conversar e acolher.
Peça ajuda
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.
O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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