Impaciente? Conviver com idoso traz ganhos emocionais para ambos os lados
Aposentadoria, declínio geral da saúde (visão, audição, mobilidade, potência e desejo sexual), mortes de pessoas próximas da mesma geração, sensação de fim que se aproxima. Para muitos idosos —sobretudo os pessimistas—, depois dos 60 anos a vida já não tem "aquele brilho" e ninguém se importa.
Podem achar de si mesmos que só dão trabalho, não são interessantes, agradáveis e de nada servem. Percepções equivocadas e que sugerem até uma depressão.
Mas idoso tem muito valor, sim, e é preciso que saibam disso. Tanto para a vida de crianças, como jovens e mesmo adultos. O cantor Cazuza até eternizou em versos esse precioso lembrete atemporal. "Poema", escrita por ele aos 17 anos e musicada por Roberto Frejat, é uma dedicatória para sua avó paterna Maria José. Fala de carinho, lembrança, abraços e, na voz de Ney Matogrosso, tornou-se a canção mais tocada no Brasil nos últimos cinco anos.
"É importante ter avós e pessoas idosas por perto pela representatividade que têm, ou 'deveriam ter', na sociedade; pelo histórico vivido; carinho junto aos entes queridos; cuidado ofertado ao longo da vida. Eles oferecem recursos para validar nossos sentimentos, resgatar nossa saúde mental e nos acalmam, têm afeto de sobra, até mesmo quando carentes de atenção", ressalta Marli Cunha, psicóloga do HCSG (Hospital Casa de Saúde Guarujá), no litoral paulista.
'Avó é mãe com açúcar'
Já ouviu esse ditado? Exprime que, apesar de assumirem responsabilidades sobre os netos, cuidarem deles e ter de repreendê-los quando necessário, igual fazem as mães, as avós —e avôs— proporcionam momentos geralmente mais leves, descontraídos e afetuosos.
Não é para gerar ciúmes em ninguém, mas tem a ver com o fato de serem "auxiliares" e não terem a dura missão dos pais, de cobrar e educar. Para muita gente, a casa dos avós é sinônimo de mimos.
"É uma troca, um ganho duplo nesse sentido. Para o idoso, quando ele gosta, se sente útil, distraído, alegre e menos solitário em estar com a criançada, que dá uma injeção de energia e recebe de volta amor, proteção e estímulos", informa Paulo Camiz, geriatra do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), continuando que a presença dos mais velhos ensina sobre empatia, respeito e a entender suas limitações.
Tem mais. Criança que cresce com os avós pode fazê-los entrar em suas brincadeiras lúdicas e, com eles, aprender coisas novas, bem como exercitar habilidades, de desenho, artesanato, cantigas e historinhas. O idoso contribui para a segurança emocional dos pequenos, que, aos poucos, ainda podem ampliar seu repertório e vocabulário, se soltar e dialogar com pessoas de outras gerações e amadurecer tanto do ponto de vista intelectual como emocional mais rapidamente.
Comparam-se a bibliotecas
Segunda Guerra, chegada do homem à Lua, Diretas Já, queda do muro de Berlim. São muitos os acontecimentos que o idoso presenciou ou acompanhou enquanto se desenrolavam e que pode transmitir aos netos as suas impressões, despertando neles curiosidade para quererem aprender mais a respeito na escola e depois voltarem para casa e compartilharem. Mas não só de história podem conhecer os anciãos. Ainda sobre receitas caseiras, relacionamentos e crises.
Quem nunca perguntou para os avós que chá é bom para curar dor de barriga? Ou como se faz tal sobremesa ou prato de festa de família? Há ainda quem tome deles conselhos e dicas sobre namoro, amizade ou como superar momentos difíceis e que, às vezes, os pais podem não ter paciência, trato ou experiência suficientes para lidar. Os jovens podem ter facilidade para adquirir conhecimento, mas são os idosos mais preparados para transformá-lo em sabedoria.
"São bem mais experientes, podem ajudar em decisões, diálogos, resolução de conflitos, aproximar e conciliar a família", acrescenta Natan Chehter, geriatra pela SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), continuando que já maiores, os netos também podem aprender com eles, na base de observação e treino, algumas tarefas dos adultos e que servem para a vida (escolher alimentos, cozinhar, limpar), além de cuidados com saúde e perigos.
Adultos que ajudam adultos
Não importa quanto tempo passe, para alguns pais seus filhos serão sempre como crianças à espera de ajuda, independentemente se estão com 30, 50, 70 anos. Se os de 30 podem contar com os pais para cuidar dos netos, os filhos de meia-idade, eventualmente, para ajudá-los a compreender e contornar o sentimento de "ninho vazio", após a saída dos jovens de casa, a partir do momento em que eles se tornam independentes, oferecendo inclusive companhia.
Muitos idosos ajudam os familiares nas despesas do lar, pagam estudos dos netos e, quando os filhos se aposentam, divorciam, enviúvam, contribuem com sua presença, confiabilidade, imparcialidade, mas ainda com incentivos para que saiam juntos para passear, viajar, rever os amigos, fazer atividades físicas ou intelectuais.
E a rotina do mais velho influencia, acrescenta Larissa Menezes, psicóloga da clínica Personal, da Central Nacional Unimed, em Salvador.
"Aumenta-se a probabilidade de nos sensibilizarmos com o outro, suscitando reflexões acerca das relações, do que é importante de fato. Alguns idosos, assim como crianças, requerem auxílio para o desempenho de suas atividades diárias e para que suas necessidades sejam atendidas. Ambos despertam nosso instinto de cuidar, de estar próximo", complementa Menezes. Finalizando, podemos aprender, amadurecer e nos planejar melhor para esse futuro.
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