Vontade de comer algum alimento pode ser sinal de falta de nutrientes?

Você já sentiu uma vontade quase incontrolável de comer algo um tanto incomum na sua rotina e teve a sensação de que seria uma forma do seu corpo sinalizar a falta de um nutriente? Será que sede de suco de laranja é necessidade de vitamina C? E vontade de morder tijolo, pouco ferro no organismo?

Aparentemente, não. Especialistas destacam que não há evidências científicas sólidas de que possuímos mecanismos biológicos capazes de identificar cores, sabores, texturas dos alimentos que ingerimos e associá-los aos nutrientes que possuem, nem que conseguimos detectar necessidades imediatas ou deficiências nutricionais e, a partir disso, despertar desejos alimentares.

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No geral, a deficiência de nutrientes traz sintomas físicos, como queda de cabelo, unhas quebradiças, perda de peso e pele ressecada. Por isso, é importante ouvir os sussurros do nosso organismo e monitorar a saúde por meio de exames.

No caso das grávidas, a explicação pelos desejos alimentares está na enorme mudança hormonal. Os níveis de progesterona e o estrógeno sobem muito, enquanto surge um outro, o HCG, responsável pela nada agradável sensação de enjoo até o terceiro mês de gestação. Toda essa revolução química se reflete em outras partes do corpo. O intestino, por exemplo, pode se tornar mais lento; o enjoo pode se acentuar com a sensibilidade a cheiros. É nesse contexto que a mulher pode experimentar uma mudança no paladar e procurar alimentos que não gostava antes, por exemplo.

Outra questão é que o mal-estar provocado principalmente nos primeiros meses da gravidez pode fazer com que a mulher procure alimentos que amenizem essa sensação.

Mas por que alguns têm vontade por tijolo?

De acordo com os nutricionistas ouvidos por VivaBem, os desejos alimentares por substâncias não comestíveis podem ter a ver com a doença picamalácia, ou síndrome de pica.

O distúrbio recebe o nome do pássaro pica-pica, conhecido pelo hábito de comer quase qualquer coisa, e representa o quadro clínico de pessoas que têm fome por tijolo, giz, terra ou argila (geofagia), gelo (pagofagia), poeira (coniofagia), pedras (lithofagia), entre outros itens inusitados. Entre as manifestações mais perigosas está a de comer objetos pontiagudos (acufagia) e de ingerir vidro (hialofagia).

Ainda que relativamente comum entre gestantes e crianças, a causa da síndrome não é conhecida. Algumas hipóteses afirmam que esse comportamento é gerado pela falta de nutrientes como ferro e zinco, outras defendem que a síndrome não é precedida por problemas nutricionais, sendo ligada a componentes psicopatológicos ou naturais, desde a infância. O desfecho do consumo desses é agravamento ou desenvolvimento de carências nutricionais.

Para a picamalácia e outras condições de desejo alimentar que comprometem a saúde, é necessário o tratamento psicológico e nutricional por profissionais.

As necessidades do corpo

Nosso corpo é capaz de expressar suas necessidades de modo instantâneo, mas, em geral, estão relacionadas à fome e sede. A vontade de ingerir líquidos é uma sensação gerada pelo córtex cerebral, uma forma de traduzir uma informação vinda do hipotálamo de que falta água no organismo. Esse é um processo que acontece naturalmente ao longo do dia, e que também é motivado por fatores ambientais, como calor e baixa umidade, pelo o que consumimos, como alimentos ricos em sal ou açúcar, e pelo nosso comportamento, no caso da prática de atividade física, por exemplo. Já, a sede em excesso, quadro chamado de polidipsia, pode ser sinal de desequilíbrio nas funções do corpo —sintoma inicial de doenças como diabetes e anemia.

Já a fome pode ser classificada de duas formas, conhecidas popularmente pela diferença entre fome e vontade de comer. Quando sentimos a barriga roncar e fraqueza, por exemplo, trata-se da fome hemostática, ou fisiológica, um apetite despertado pela necessidade biológica de energia e nutrientes. Também intermediada pelo hipotálamo, a necessidade de se alimentar acontece com o aumento das concentrações de grelina, conhecida como hormônio da fome. Ela é produzida principalmente no estômago, e liberada quando esse está vazio e os níveis de açúcar no sangue estão baixos. Ao ingerirmos alimentos, outro hormônio, o PYY, entra em jogo como inibidor de apetite, responsável pela prazerosa sensação de saciedade.

A fome hedônica, por sua vez, está relacionada ao comer por prazer; diz respeito a aliviar ansiedade e estresse através da sensação proporcionada pela ingestão de alimentos. É quando se come mesmo sem sentir necessidade física.

A fome emocional tem predileção por alimentos. Em geral, as comidas mais prazerosas são aquelas ricas em açúcares e gorduras. Isso acontece devido ao sistema de recompensa no nosso cérebro, que libera neurotransmissores que geram bem-estar, quando, neste caso, o paladar identifica o dulçor de um bombom. É recorrendo a esse mecanismo que, nos períodos pré-menstruais, mulheres buscam chocolates e doces, como uma forma de aliviar o desconforto físico e emocional, com descargas de dopamina, mensageiro do prazer.

Até mesmo alimentos que naturalmente não ativam o sistema de recompensa podem despertar conforto e prazer. É possível que estímulos, a princípio desconectados, possam ser emparelhados pela aprendizagem e repetição. Um exemplo é uma feijoada feita pela mãe aos domingos: o filho sente carinho e a presença de alguém querido antes de comer o alimento. Com o tempo, a sensação de bem-estar pode ser sentida apenas com a comida, mesmo sem a presença da mãe.

Por essa ligação psicológica, afetiva e cultural que temos com as comidas que um desejo súbito por feijoada pode não significar carência de ferro, nem vontade de doces, falta de energia. Essas podem ser manifestações da fome hedônica de busca por prazer.

Mas é preciso cuidado: essa sensação pode estar ligada a casos de obesidade e transtornos alimentares, por isso, os especialistas destacam a necessidade de se atentar a que tipo de fome se sente e buscar a alimentação como forma de se nutrir, não apenas de lidar com questões emocionais.

Por se tratarem de vontades emocionais e, às vezes, patológicas, não é indicado seguir estritamente os desejos alimentares. A recomendação é usar os conhecimentos em nutrição e, com orientação de profissionais, para manter uma alimentação balanceada e equilibrada.

Fontes: Adriana Kachani, nutricionista do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Adriana Lauffer, nutricionista, doutora pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pós-graduada em comportamento alimentar; Bruna Zavarize Reis, professora de nutrição da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); Diogo Thimoteo da Cunha, professor e coordenador do curso de nutrição da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Juliana Wille, nutricionista pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).