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Psicodélicos não alucinógenos para doenças mentais: quais os prós e contras

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Carlos Minuano

Colaboração para o VivaBem

28/02/2022 04h00

Pesquisadores chineses anunciaram a descoberta de compostos semelhantes ao LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico) que poderão ser usados para o tratamento da depressão, mas sem causar os conhecidos, e nem sempre desejáveis, efeitos alucinógenos.

Mas a pesquisa publicada em janeiro deste ano na revista Science dividiu a opinião de especialistas. Foi festejada pela ala da comunidade científica que acredita ser tudo uma questão neuroquímica, mas desagradou cientistas que defendem o estado alterado de consciência como parte essencial do processo terapêutico.

O estudo chinês realizado com camundongos foi conduzido pela equipe dos cientistas Cao Dongmei e Wang Sheng, do Instituto de Bioquímica e Biologia Celular de Xangai. No artigo, os pesquisadores relatam ter separado as interações moleculares responsáveis pelos efeitos antidepressivos dos psicodélicos daqueles que causam alucinações.

Por esse caminho, chegaram a novos compostos que parecem ativar circuitos celulares cerebrais que ajudam a aliviar a depressão sem desencadear alucinações. De acordo com o artigo, esses análogos psicodélicos podem funcionar em humanos e gerar novas famílias de produtos farmacêuticos.

"As estruturas apresentadas fornecem uma base sólida para novos estudos sobre psicodélicos não alucinógenos seguros e eficazes com efeitos terapêuticos", argumentam os cientistas no artigo.

Ibogaína sem "viagem" e risco cardíaco também foi estudada

A ideia de se submeter a uma experiência com alguma substância alucinógena, que pode durar de quatro a muitas horas, pode ser algo bastante desafiador. Por isso, outros pesquisadores também estão mirando em compostos similares aos psicodélicos que não causem os efeitos dissociativos. Ou seja, os chineses não foram os pioneiros neste novo campo de estudo.

Em 2020, o professor David E. Olson, da Universidade da Califórnia em Davis, publicou na Nature seus experimentos, também em roedores, com o TBG (tabernanthalog), um composto semelhante à ibogaína, mas sem os efeitos alucinógenos.

A ibogaína é o princípio ativo da planta psicodélica africana iboga, usada em países da bacia do Congo em rituais de iniciação da religião buiti.

Em entrevista ao VivaBem, Olson disse que estudos informais e pesquisas abertas sugerem que a ibogaína pode ser eficaz no tratamento da dependência química, com efeitos duradouros após uma única administração.

No entanto, ele aponta que a droga apresenta vários problemas, incluindo seus efeitos alucinógenos, que podem durar vários dias, e a cardiotoxicidade. "Ajustamos a estrutura química da ibogaína para produzir um composto mais seguro que reteve os efeitos terapêuticos semelhantes à ibogaína em modelos pré-clínicos", afirma Olson.

O pesquisador acredita que em breve conseguirá comprovar que o TBG é um composto eficaz no tratamento da adicção e possível de ser utilizado em escala, com risco muito menor de induzir ataques cardíacos em comparação com a ibogaína. "Se tudo correr bem, os ensaios clínicos [com seres humanos] começarão este ano."

Prós e contras das drogas não alucinógenas

Uma das principais argumentações de quem defende o uso dos psicodélicos sem efeitos alucinógenos é a possibilidade de um custo mais baixo. Os modelos atuais de terapia demandam uma estrutura complexa, com terapeutas e um acompanhamento longo. "Isso impõe alguns desafios do ponto de vista econômico para incluir esse tipo de medicina em um mercado mais amplo", observa o neurocientista Draulio Barros de Araújo, professor do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Por essa razão, o modelo simplificado dos análogos não alucinógenos de psicodélicos está atraindo o interesse de empresas, principalmente as farmacêuticas. Não por acaso, uma companhia que já começou a investir é a Delix Therapeutics, cujo CEO é o cientista David E. Olson.
Mas a coisa não é tão simples quanto pode parecer. No caso da ayahuasca, bebida alucinógena de origem amazônica, a intensidade da experiência psicodélica está diretamente ligada aos seus benefícios terapêuticos, afirma o neurocientista da UFRN.

"Baseado em nossos estudos, o que a gente percebeu foi que os pacientes com depressão que melhor responderam ao tratamento foram aqueles que mais tiveram a percepção alterada durante os estados induzidos pela ayahuasca", relata Araújo. O pesquisador conta que esses resultados estão alinhados a estudos recentes com psilocibina (presente nos cogumelos alucinógenos), coordenados por Roland Griffiths, na Universidade John Hopkins.

Por lá, a maior parte dos voluntários descreveram a experiência como uma das mais importantes ou cheias de significados de suas vidas. "Foram elas também que apresentaram melhores benefícios terapêuticos", compara Araújo.

alucinógenos; ilusão de ótica - iStock - iStock
Alguns pesquisadores acreditam que a percepção alterada é uma parte importante do tratamento com essas drogas
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Percepções que provocam mudanças

Há quem veja no desenvolvimento de psicodélicos não alucinógenos uma articulação para atender demandas que não são apenas da área da saúde. Para a indústria farmacêutica, por exemplo, medicamentos que obtenham aprovação de forma mais rápida e simples são mais viáveis comercialmente. Afinal, apesar do avanço das pesquisas, há ainda muita resistência em torno dos alucinógenos. A maioria dessas substâncias está proibida desde o início da fracassada política de guerra às drogas, lançada em 1971 pelo então presidente americano Richard Nixon.

Mas, na opinião do médico e pesquisador em medicina psicodélica, Bruno Rasmussen, essas novas substâncias não terão a mesma eficácia dos psicodélicos tradicionais. "O que a gente observa quando está com um paciente sob efeito de um alucinógeno é que a expansão da consciência traz insights e percepções que provocam mudanças na vida da pessoa e o tratamento da dependência depende disso", avalia o médico, que há décadas trabalha com a ibogaína.

O mesmo vale para a depressão, prossegue o médico. "Ajuda muito quando a pessoa começa a lidar melhor com algo do passado. Isso faz com que o paciente também mude em relação às perspectivas de futuro", completa Rasmussen.

Por isso, a experiência psicodélica, na opinião do médico, é fundamental. "Não se trata apenas de um efeito neuroquímico no cérebro, de aumentar ou diminuir algum neurotransmissor, ocupar ou não algum receptor, são componentes importantes, mas não é só isso".

Público maior poderá se beneficiar das novas drogas

"Existem evidências crescentes sugerindo que as propriedades das drogas psicodélicas, promotoras da neuroplasticidade, desempenham um papel fundamental em seus mecanismos terapêuticos de ação", admite o professor da Universidade da Califórnia, David E. Olson. Mas ele reitera que é possível obter a mesma eficácia sem induzir alucinações.

Para Olson, esses novos compostos, chamados por ele de "psicoplastógenos não alucinógenos", certamente seriam preferíveis do ponto de vista da escalabilidade e segurança. No entanto, ele concorda que pacientes também possam se beneficiar de uma experiência subjetiva induzida por psicodélicos. "Acredito que precisamos de abordagens alucinógenas e não alucinógenas."

O neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, também vê com bons olhos a hipótese de que os efeitos terapêuticos dos psicodélicos poderiam estar dissociados dos estados alterados de consciência causados por essas substâncias. "Há ferramentas para explorar essas possibilidades."

Por isso, o cientista não se surpreende que laboratórios internacionais estejam investindo tempo e recursos nesse campo de estudo. "O advento de novas tecnologias tem proporcionado a expansão das possibilidades de estudo e síntese de novas substâncias."

Outro pesquisador favorável aos psicodélicos não alucinógenos é Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto do Cérebro da UFRN. Para ele, o desenvolvimento e a investigação desses compostos permitirão compreender melhor a relação entre os efeitos terapêuticos de base molecular e celular.

"Estas substâncias não-psicoativas podem ajudar as pessoas que precisam da terapêutica psicodélica, mas se recusam a experimentar seus efeitos psicológicos, o que amplia o público que pode se beneficiar dessa medicina."

Entretanto, ele se opõe ao discurso de que estas substâncias não-psicoativas seriam "superiores" ou "preferíveis" aos psicodélicos com efeitos alucinógenos. "Me parece desonesto, fruto de uma mistura de ingenuidade científica, conflito de interesses capitalista, desrespeito aos usos tradicionais dos psicodélicos e bastante ignorância sobre a riqueza e importância das experiências mentais propiciadas por estas substâncias", diz Sidarta.