Esquizofrenia: como lidar com isolamento social e recusa a medicamentos?
Pessoas com doenças psiquiátricas como depressão, bipolaridade e esquizofrenia sofrem tentando explicar sentimentos e comportamentos espontâneos, o que faz com que tenham uma atitude impulsiva, grosseira ou de isolamento, se forem constantemente questionadas. Para os familiares, é difícil acompanhar as mudanças de humor repentinas, principalmente quando existe recusa ao tratamento.
Foi o que aconteceu com a bióloga Amanda*, 41, que também sofreu quando descobriu que o irmão tinha esquizofrenia: "Tudo aconteceu quando ele tinha 23 anos e estava entrando para a faculdade. A nossa avó faleceu e ele começou a apresentar sintomas estranhos, como repetir a palavra 'blackout'. Achei que ele estava se drogando, mas como ele tinha aversão a isso, estranhei e resolvi entrar em contato com um psiquiatra, porque ele não melhorava e dizia que estava sendo perseguido e filmado".
Depois de muitas sessões, ele foi diagnosticado com esquizofrenia. No início, aceitou bem o tratamento e as atividades extras como terapia e ioga, mas cinco anos depois resolveu tomar os medicamentos de qualquer jeito até a interrupção. "Foi quando começou a ter crises suicidas sempre que não gostava de algo. Foi muito difícil perceber que a pessoa que vi nascer não era mais a mesma", conta a irmã.
Pessoas com esquizofrenia não entendem sintomas
Transtornos mentais graves, como a esquizofrenia, apresentam manifestações de sintomas, como depressão, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), sensações estranhas e paranoia, antes do diagnóstico da doença. É como se o corpo desse sinais. A doença pode aparecer em qualquer idade, mas é mais comum nas três primeiras décadas de vida. Embora a herança genética seja um fator de risco, condições ambientais como estresse, traumas e acúmulos de responsabilidades podem funcionar como um gatilho.
Amanda conta que o seu irmão sempre foi uma criança quieta, que só interagia para jogar futebol. Hoje, com 38 anos, gosta de conversar, mas tem dificuldades de manter amizades, é estudioso, mas abandonou as atividades que gostava. Não gosta que falem alto e alterna entre a irritabilidade e o isolamento.
O neuropsiquiatra Marcelo Paoli, supervisor ambulatorial na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que a apatia pode acontecer por altas doses de medicamento, que bloqueia os neurotransmissores inibindo os receptores de dopamina e serotonina no SNC (Sistema Nervoso Central) ou pela própria condição da doença, assim como a dificuldade de estabilidade.
Pessoas com esquizofrenia não têm a percepção de que os sintomas fazem parte de um transtorno psiquiátrico. Para elas, são experiências reais e, por isso, dão justificativas irracionais para não aceitar o tratamento, como a falsa ideia de que estão sendo enganadas ou envenenadas. Uma alternativa para pacientes que se recusam a ingerir comprimidos diariamente é fazer o uso de antipsicóticos de depósito, que são medicamentos aplicados por via injetável uma vez ao mês, o que é bem menos coercivo do que uma insistência diária.
Mas há também a esquizofrenia refratária, que é quando o paciente faz o tratamento corretamente, mas o organismo não responde a pelo menos dois antipsicóticos em tempo e dose adequada. Neste caso, o especialista opta pela clozapina, uma monoterapia com medicamento oral, mas, quando a substância também não se mostra eficaz, a esquizofrenia é considerada super-refratária, precisando de estratégias específicas para ser controlada.
Evite ameaças e esconder medicamentos em alimentos
"Datas comemorativas não são boas, porque lembram a época em que a família estava reunida. Parece que ele faz de propósito e para de tomar os medicamentos. Gosto de comemorar, então me sinto muito triste. Antes de ser internado, eu colocava o medicamento na comida. Depois que ele voltou, prometi a mim mesma que não faria mais isso, mas aviso que vai ser internado ou ligo para o médico, que o convence a tomar os remédios", desabafa a bióloga.
Ainda que seja desgastante, é essencial que a família tenha compreensão com as limitações da pessoa que possui esquizofrenia. Ameaças de internação e telefonemas, assim como esconder medicamentos em líquidos e alimentos, não é recomendado. A vontade de reclusão deve ser respeitada e o ideal é substituir comentários como "você vai para o quarto de novo?" por "como posso te ajudar?". Somente em casos de emergência, em que ofereça risco à vida, deve-se utilizar qualquer recurso de convencimento.
"Além da quebra de confiança, a impressão que fica para o paciente é que tomar a medicação é uma punição para que se comporte conforme outras pessoas querem e que o médico atua como um fiscal no pior sentido de paternalismo", diz Bruno Ortiz, médico psiquiatra e coordenador do ambulatório de esquizofrenia refratária da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em São Paulo.
Segundo ele, não é incomum que os mesmos argumentos sejam utilizados em outras esferas de discussão, que não têm correlação com a doença, e o paciente fica refém do ciclo entre médico, tratamento e internação, sem compreender os benefícios. "Deixar de tomar os medicamentos nas datas que desagradam pode ser uma forma de devolver a punição, estragando aquele momento", explica
Classificação e sintomas
Existem três principais tipos da doença, divididas em:
- Paranoide: quando há o predomínio de delírios e alucinações;
- Hebefrênica: quando o pensamento é desconexo, a fala sem sentido e ocorre o desinteresse de atividades com isolamento social;
- Catatônica: quando os movimentos do corpo são lentos, paralisados ou incomuns, podendo ocorrer repetição de palavras, caretas e olhar fixo. É considerada a mais grave por oferecer risco à nutrição e outras necessidades básicas.
O transtorno esquizofrênico apresenta sintomas exacerbados e retraídos.
Sintomas positivos são expressados por alucinações, quando ouve ou vê coisas que não existem; delírios, quando acredita em situações que não são reais como as de superpoderes e perseguição; alterações de comportamento, como agressividade, agitação e crises suicidas; e desorganização de pensamento, com falas desconexas e sem sentido.
Sintomas negativos são representados por isolamento social, perda de afeto, falta de autocuidado, perda da cognição e velocidade do raciocínio.
Tratamentos e internações
O principal tratamento para esquizofrenia é o ambulatorial, feito por um equipe multidisciplinar em um posto de saúde para que a pessoa com a doença continue morando com a família e seja estimulada a realizar a maior quantidade de atividades possíveis.
Desde a reforma antimanicomial, a internação em hospital psiquiátrico ocorre apenas quando o paciente oferece risco à própria vida ou de pessoas com quem convive, apresentando sintomas psicóticos positivos com maior intensidade. Isso acontece porque os medicamentos psiquiátricos demoram de uma a duas semanas para fazerem efeito, o que oferece ameaça à integridade física e sofrimento. Os principais casos são de pacientes que não aceitam o tratamento ou o organismo não responde bem ao medicamento.
Alguns hospitais contam com diferentes áreas de lazer em sua estrutura, além de fornecer alimentação balanceada. "Quanto maior o estímulo social, melhor será a evolução. Temos pacientes que conseguem constituir família, estudar e trabalhar, com os sintomas paranoides amenizados pelos tratamentos", explica Helder Gomes, psiquiatra e diretor do HSM (Hospital de Saúde Mental) do Ceará.
Quando há internações recorrentes ou ausência de vínculo familiar, alguns parentes optam por transferir a responsabilidade para as RST (Residências de Serviço Terapêuticos), que são moradias dedicadas a pacientes com transtornos mentais graves. Outro caso específico é a necessidade de interdição, que exige a comprovação jurídica da incapacidade do paciente em administrar a sua vida particular e financeira.
Fontes: Helder Gomes, médico psiquiatra e diretor clínico do HSM (Hospital de Saúde Mental), no Ceará. Bruno Ortiz, médico psiquiatra, coordenador do ambulatório de esquizofrenia refratária da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em São Paulo; Marcelo Paoli, médico psiquiatra especialista em neuropsiquiatria e supervisor do ambulatório de neuropsiquiatria geriátrica e do programa de ativação comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em São Paulo.
*O nome da personagem foi alterado para preservar a sua identidade.
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