Internações psiquiátricas involuntárias cresceram 340% em SP de 2003 a 2019
Um estudo inédito publicado no jornal Brazilian Journal of Psychiatry mostrou que as internações involuntárias psiquiátricas, ou seja, aquelas que são feitas sem o consentimento do paciente, a pedido de um familiar ou responsável, cresceu 340% entre 2003 a 2019 na capital paulista. Os autores do estudo avaliaram quase 65 mil casos, além de discutir a falta de leitos para receber os doentes na cidade.
"Na medida que os serviços ambulatoriais complementares como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e UBS (Unidades Básicas de Saúde), que não são de internação, passaram a ser insuficientes para atender a demanda, consequentemente houve dificuldade de acesso ao tratamento, e os sintomas de quem tem um transtorno mental se intensificaram", diz Christina Fornazari, principal autora do estudo.
A especialista, que é psiquiatra clínica e forense pela USP (Universidade de São Paulo), pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenadora da área de saúde mental do Ministério Público do Estado de São Paulo, explica que a doença psiquiátrica grave pode levar a perda de entendimento e de capacidade decisória, ao ponto de a internação involuntária ser necessária.
Em outras palavras, caso essa população tivesse recebido um atendimento primário para tratar o transtorno mental, talvez não houvesse a necessidade de uma internação involuntária.
Como foi feito o levantamento?
Os especialistas avaliaram os padrões de internação e as características clínicas e individuais de 64.685 pacientes submetidos à internação psiquiátrica involuntária no Brasil.
As referências utilizadas foram coletadas do Ministério Público do Estado de São Paulo, com todas as internações psiquiátricas involuntárias na cidade de São Paulo entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2020.
Os pesquisadores usaram dados como: data de admissão e alta; nome do hospital; diagnóstico, motivo de admissão e alta, idade do paciente e status de relacionamento. Os motivos de internação foram classificados em três categorias: ameaça física a si ou a outros, desordem pública/recusa de tratamento/incapacidade de realizar o autocuidado e uso de drogas.
A maioria dos pacientes tinha entre 18 e 39 anos e era solteira. As razões mais comuns para as hospitalizações foram distúrbios psicóticos e esquizofrenia. O estudo excluiu internações por decisão judicial.
A reinternação foi relativamente comum, em média 13%. Apesar de o motivo da internação estar ausente em muitos relatos (44%), o risco de dano a si ou a terceiros foi o mais comum (68,5%).
O que ele mostrou?
As internações psiquiátricas involuntárias aumentaram de 5,8 para 25,5 por 100 mil habitantes, com um aumento de oito vezes no primeiro período de 10 anos (2003-2013). A maioria das internações foi em instituições públicas (86,6%).
Entre as principais causas de internações estava o transtorno psicótico no diagnóstico primário (26,1%). Além disso, houve mais de um diagnóstico (83,7% dos casos) e durou menos de 7 dias (52,4%).
Os achados se basearam em evidências internacionais existentes sobre internações psiquiátricas involuntárias e mostram tendências recentes nas taxas de internação na maior cidade do Brasil.
Atendimento não dá conta da demanda
O estudo demonstra a falta de leitos psiquiátricos para atender a demanda. Apesar da taxa crescente de internações involuntárias, as admissões não duraram, em média, mais do que uma semana, e apenas 13% dos pacientes foram readmitidos.
"Há um indício de que o fato de as internações serem tão curtas, de até sete dias, que foi o que encontramos no estudo, elas possam favorecer as taxas de reinternações. Ou seja, dar alta precocemente para um paciente faz com que ele precise ser internado novamente outras vezes", explica Fornazari, ressaltando que mais estudos são necessários para afirmar essa associação.
Ronaldo Laranjeira, um dos autores do estudo, psiquiatra e presidente da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) salienta que, de forma alguma, há recuperação em apenas sete dias, mas é possível que o indivíduo permaneça internado por esse período e depois siga com o tratamento em casa, quando possível.
"Dez dias seriam o suficiente para uma pessoa sair de uma crise, apagar o incêndio principal e ela continuar o tratamento", descreve Laranjeira. "A internação involuntária protege o indivíduo em casos extremos, mas o ambiente familiar precisa estar estruturado para receber esse paciente depois", completa.
Outro ponto importante é que esse tipo de intervenção deve ser avaliado, caso a caso, pelo Ministério Público, mas nem sempre isso acontece, já que no artigo em questão foram encontrados falta ou incompletude de dados de admissão e alta em aproximadamente metade do total de registros de internação psiquiátrica avaliados.
"A falta de informações consistentes entregues ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo) sobre os motivos de IPIs (internações psiquiátricas involuntárias) é preocupante. São necessárias mais pesquisas para entender os motivos dessas baixas taxas de reporte. Semelhante a relatos de outros países, a progressiva redução de leitos psiquiátricos no Brasil nos últimos 20 anos pode ter contribuído para o aumento das taxas de IPI observado em nosso estudo", apontam os autores do artigo.
O estudo ainda cita que entre 2005 e 2016, a população do país cresceu 11%, enquanto o número de brasileiros em risco de internação psiquiátrica por transtorno de saúde mental grave teve um aumento de 12%. Já o total de leitos psiquiátricos disponíveis em hospitais gerais registrou diminuição de 39%. Ou seja, a conta não fecha.
Para a psiquiatra e principal autora do estudo, algumas medidas importantes devem ajudar a combater os problemas de saúde mental no país, tais como:
- Melhorar os sistemas ambulatoriais complementares de saúde mental. Isso significa aumentar a disponibilidade de atendimento nas UBSs de forma geral e em hospitais de saúde mental em que o paciente passa o dia no local e durante a noite volta para a casa (semi-internação);
- Aumentar os leitos psiquiátricos na mesma proporção em que a população cresce.
O que diz a lei sobre internação involuntária?
De acordo com a lei do Brasil, a internação involuntária é uma decisão médica (com apoio de algum familiar ou do próprio Ministério Público) e deve ser utilizada apenas em casos extremos, como quando o indivíduo começa a oferecer riscos de vida para si mesmo ou de se machucar, e/ou para os que estão ao seu redor.
"Mas também não é qualquer hospital. Precisa ser um que tenha estrutura médica suficiente para esse tipo de internação", reforça Laranjeira.
Alguns dos sinais mais comuns da esquizofrenia ou surto psicótico, transtornos mais comuns avaliados no estudo, por exemplo, é a alucinação (ver ou ouvir coisas que não existem), imaginar que está sendo perseguido ou que a internet "está entrando em sua mente".
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USP realiza pesquisa sobre comportamento sexual
Para entender o comportamento sexual em diversas regiões do mundo, o IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), ao lado de outros 45 países, está realizando um grande estudo sobre o tema. A ideia é examinar diferentes comportamentos sexuais, incluindo aspectos positivos, como a satisfação e o desejo sexual, e os negativos, como os riscos e problemas do funcionamento sexual.
Um dos questionários já está disponível e pode ser respondido até o final de fevereiro de 2022 —qualquer pessoa a partir de 18 anos pode participar: clique aqui para responder ao questionário.
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