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Covid: Brasileiro vive sem olfato há 7 meses e relata 'cheiros distorcidos'

O jornalista André Fran foi diagnosticado com covid-19 em agosto do ano passado e ainda não recuperou totalmente o olfato - Reprodução/Instagram
O jornalista André Fran foi diagnosticado com covid-19 em agosto do ano passado e ainda não recuperou totalmente o olfato Imagem: Reprodução/Instagram

Heloísa Barrense

Do UOL, em São Paulo

14/03/2022 12h18Atualizada em 14/03/2022 15h48

"Existe o risco do olfato não voltar nunca mais depois da covid-19". Esse questionamento é do jornalista André Fran, que foi infectado com o vírus em agosto do ano passado e já teme chegar à marca de um ano com a sequela. Na época, Fran havia tomado as duas doses da vacina e, por isso, teve sintomas leves da doença. No entanto, algumas sequelas do coronavírus persistiram até hoje, como a perda de olfato. Segundo ele, os aromas que ele ainda sente parecem "distorcidos" do que ele sentia antigamente.

"Os sintomas que eu estava eram de febre e gripe. Foram três ou quatro dias, no máximo, foi bem brando. O sintoma de perda de olfato e paladar seguiram e seguem até hoje. O paladar voltou, eu diria que uns 90%, já o olfato voltou apenas 3% - e mesmo assim bem distorcido. Eu só sinto alguns cheiros, aqueles muito fortes, e mesmo assim com uma distorção", contou ele ao UOL.

Fran fez o relato por meio do Twitter e recebeu uma série de respostas de outros seguidores que também enfrentam a mesma sequela após infecção com a covid-19.

"Conversando com algumas pessoas e feito pesquisas, eu comecei a fazer aquilo de cheirar aromas mais fortes como café, mel, pasta de dente. Eu sinto um pouquinho na primeira fungada, digamos assim, e logo depois some, mas tenho insistido nisso e não tenho muito resultado, não", contou ele.

Houve relatos de quem está desde 2020 sem sentir cheiros como antes da pandemia.

Sintoma comum

A incapacidade de sentir odores (anosmia) é um sintoma comum da covid-19 e ocorre em cerca de 86% dos pacientes com quadros leves da doença provocada pelo coronavírus. Uma pesquisa realizada por cientistas da França e do Canadá analisou a duração da perda de olfato em 97 pessoas que tiveram covid.

No grupo que passou por avaliação clínica, 84% dos participantes recuperaram o olfato quatro meses após a infecção pelo coronavírus e, após um ano, somente duas pessoas permaneceram com a capacidade de sentir odor prejudicada.

Segundo Feres Chaddad, neurocirurgião, professor e chefe da disciplina de Neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Chefe da Neurocirurgia da BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo), ainda não é possível identificar a causa da perda de olfato após a infecção com a covid-19.

"Tais manifestações em quadros de covid-19 ainda permanecem com lacunas no entendimento tanto no espectro clínico quanto nas possibilidades de tratamentos. As evidências atuais sugerem que o SARS-CoV-2 pode afetar o sistema nervoso e através disso comprometer diversas funções, como o olfato e o paladar", diz ele.

Chaddad explica que o vírus é capaz de afetar o nervo olfatório, responsável por transmitir os cheiros que sentimos para o cérebro. "Essa estrutura tem conexão direta com o sistema nervoso central. Além disso, a variabilidade do espectro clínico na covid-19 é grande e certamente definida por características biológicas tanto virais como celulares e moleculares dos pacientes. Por isso, os sintomas e relatos podem variar muito entre diferentes pessoas contaminadas."

As estimativas sinalizam que cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com o vírus apresentaram problemas neurológicos após a infecção, incluindo a perda de olfato. Além disso, é recorrente que os sobreviventes da covid-19 tenham sequelas a longo prazo.

"O espectro de síndromes neurológicas associadas ao covid-19 inclui encefalite (inflamação no cérebro), anosmia (perda de olfato), acroparestesia (sensação de formigamento), aneurisma, acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico (AVE), síndrome de Guillain-Barré e diversas outras doenças associadas", diz ele.

"Além dos sintomas na fase inicial da doença, pacientes que não apresentaram complicações iniciais ou comorbidades durante a infecção passaram a experimentar, meses depois, manifestações graves de desorientação, perda de memória e quadros neurológicos críticos. O impacto do vírus no sistema nervoso pode ser muito maior e mais devastador do que o impacto nos pulmões."

Entretanto, o médico relata que, no caso da anosmia, o nervo olfatório tem uma "considerável capacidade regenerativa", o que indica uma melhoria espontânea do olfato, "em graus variáveis ao longo do tempo".

Estudos inconclusivos

Na maioria dos casos, a recuperação do olfato ocorre nas duas primeiras semanas. No entanto, ainda não é possível identificar quando há uma recuperação em casos persistentes. "Ainda não existem estudos conclusivos sobre o tempo de recuperação dos que permanecem com alterações de olfato a longo prazo", diz ele.

Chaddad ainda alerta que, se paciente passe por uma reinfecção, é capaz que o problema volte a ocorrer. Mesmo com a vacina, essencial para o combate ao quadro mais grave da doença, a perda do olfato não está descartada como parte dos sintomas.

"A função primordial da vacina é prevenir as manifestações graves da doença. Assim, o objetivo é instigar no nosso organismo uma resposta eficiente a esses antígenos. É como uma 'memória imunológica' que vai estimular a produção de anticorpos quando nosso sistema imunológico for atacado por agentes infectantes. A vacina previne a infecção e os casos graves, mas isso não se aplica à ocorrência de um ou outro sintoma, especialmente porque cada organismo produz uma resposta imunológica diferente à vacina e também reage de maneira distinta ao contato direto com o vírus."

Para aqueles que ainda estão enfrentando as sequelas da covid-19, Chaddad aconselha que os pacientes busquem uma orientação médica individual.

"Até o momento, não foram identificadas evidências científicas para tratamentos eficazes esses distúrbios. A recuperação do olfato ou paladar esperada se dá nas duas primeiras semanas após a resolução da doença, então a recomendação é de que se aguarde o tempo de resolução. Para os quadros persistentes é necessária uma avaliação individual, para entender o grau de comprometimento causado pela doença e as medidas terapêuticas adequadas caso a caso", finaliza.