Covid-19: cientista defende atividade física contra complicações da doença
O que a ciência já sabe sobre a relação entre atividade física e covid-19 e o que ainda precisa ser investigado? O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Bruno Gualano buscou responder a essas duas questões em editorial recentemente publicado no British Journal of Sports Medicine.
"Algo que foi especulado no início da pandemia e hoje está demonstrado de forma bastante consistente é que pessoas fisicamente ativas tendem a ter uma doença mais branda quando infectadas pelo SARS-CoV-2. O conjunto de pesquisas sobre o tema sugere que, em média, essas pessoas correm entre 30% e 40% menos risco de hospitalização", conta Gualano à Agência FAPESP.
O pesquisador, contudo, faz uma ressalva: os estudos foram feitos em países diferentes (com populações genética e demograficamente distintas) e investigaram desfechos variados - alguns olharam para admissão hospitalar e outros para internação, por exemplo. Também há variação no que se refere à definição de covid-19 grave.
De modo geral, os trabalhos já publicados consideram como fisicamente ativos os indivíduos que realizam ao menos 150 minutos de atividade física moderada por semana ou 75 minutos de exercícios com alta intensidade, como é preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
"Geralmente, quem segue essa recomendação tende a ser mais jovem, menos obeso e a ter menos doenças crônicas. Mas, mesmo quando se controla para esses fatores de confusão [por meio de análises estatísticas], a prática de atividade física se associa a um melhor prognóstico, ou seja, menor chance de hospitalização e de morte", diz o professor da FM-USP.
Um artigo publicado por Gualano e colaboradores também no British Journal of Sports Medicine, em julho de 2021, mostrou que atletas profissionais geralmente desenvolvem doença leve quando infectados. "Levantamos nesse estudo a hipótese de que a proteção pode ser ainda maior no caso de pessoas com alto nível de atividade física, como é o caso de atletas profissionais. Mas isso é algo que ainda precisa ser confirmado", comenta.
Por outro lado, há evidência de que o desempenho dos atletas pode ser afetado pelos sintomas persistentes da infecção (covid longa), entre eles a fadiga. "Especula-se ainda que os atletas correm mais risco de desenvolver uma inflamação no coração [miocardite ou pericardite] após contrair a doença, mas os estudos sobre o tema ainda são controversos", conta.
Algo que também não está claro é se entre os hospitalizados por covid-19 o histórico de atleta pode predizer um melhor prognóstico. Pesquisa com 209 pacientes internados no Hospital das Clínicas da FM-USP, coordenada por Gualano, sugere que não.
Porém, um estudo espanhol com 552 pacientes, feito de forma retrospectiva e publicado na revista Infectious Diseases and Therapy, concluiu que pacientes graves com histórico de atividade física apresentavam seis vezes menos risco de morrer. "O viés de memória não pode ser descartado [no caso desse estudo espanhol], uma vez que os questionários foram preenchidos até 120 dias após a alta e, no caso dos pacientes que faleceram, os dados foram fornecidos por parentes", destaca Gualano no editorial.
A capacidade que a atividade física tem de turbinar a resposta vacinal contra a covid-19, inclusive em pacientes imunossuprimidos, é algo que já foi demonstrado no caso da CoronaVac em estudo coordenado pela professora da USP Eloisa Bonfá, do qual Gualano é coautor.
"Nossos achados são promissores, pois abrem uma frente de pesquisa interessante e bem atual. Já se sabe que os imunizantes perdem eficácia com o passar do tempo e a atividade física pode ser uma ferramenta capaz de prolongar essa proteção. Isso já está claro na literatura científica no contexto de vacinas contra outras doenças, como a gripe", diz o pesquisador.
Lacunas
A maior parte dos dados já publicados sobre o tema vem de estudos retrospectivos (baseados na análise do histórico de atividade física, do histórico clínico e dos desfechos depois que o paciente já se curou ou faleceu) ou transversais (em que a relação entre atividade física e doença é observada em um momento específico, como o período de internação).
Na avaliação de Gualano, são necessárias agora pesquisas que acompanhem os voluntários fisicamente ativos por um longo período, desde antes da infecção até o desfecho do quadro, e que comparem os resultados com os de voluntários que não praticam atividade física (grupo controle).
"Ensaios controlados e randomizados em larga escala poderão validar os dados obtidos por meio de estudos observacionais e reunir conhecimento sobre a recomendação ideal de atividade física para prevenir covid-19 grave. E o mesmo princípio vale para validar o efeito da atividade física sobre a resposta vacinal", afirma.
O pesquisador também destaca a importância de estudos com modelos experimentais para reunir informações sobre os mecanismos moleculares e celulares subjacentes aos efeitos da atividade física na covid-19.
"É importante avaliar ainda se a atividade física pode mitigar a transmissão e a reinfecção pelo SARS-CoV-2, bem como prevenir e/ou tratar os sintomas persistentes da doença. Para tudo isso é preciso haver financiamento", comenta.
Para Gualano, as lições aprendidas em quase dois anos de pesquisa intensiva sobre a covid-19, juntamente com o conhecimento já consolidado sobre imunologia do exercício e fisiologia clínica do exercício, "formam a base para um apelo global à ação: promover a atividade física durante esta e futuras pandemias", principalmente entre as pessoas com o sistema imune comprometido e portadores de doenças crônicas.
"Os gestores devem pensar na promoção da atividade física como uma estratégia de prevenir complicações relacionadas tanto com a forma aguda da covid-19 quanto com a covid longa. Estudos mostram que nos meses seguintes à infecção o risco de doenças graves, principalmente as cardiovasculares, aumenta. Promover um estilo de vida saudável, além de proteger a população, reduz o peso sobre o sistema de saúde", avalia.
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