Gostar de monstros, vilões e filmes de terror pode indicar um ego malvado?

Seres —humanos ou não— que buscam aterrorizar ou prejudicar os outros: deveriam todos querer distância deles, certo? Mas muita gente faz o contrário e busca se aproximar de monstros e vilões, e ainda os veneram e copiam. Para se ter ideia, no Halloween norte-americano, suas fantasias e decorações temáticas movimentam cerca de US$ 8 bilhões anuais. E o que dizer da indústria de filmes, novelas, livros e parques de diversões?

Mas eles não se limitam apenas à ficção. Fora desse universo, há quem acredite e até estude e organize campanhas de preservação ambiental, folclórica e histórica de supostas criaturas aterrorizantes. São os casos de Nessie, que viveria no lago Ness, na Escócia, e do pé-grande, o gigante peludo das florestas da América do Norte. Já na Inglaterra, outro monstro e vilão, o assassino em série Jack, o Estripador, ganhou até um museu em Londres, onde ficou famoso.

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No Brasil, VivaBem consultou peritos em comportamento humano para saber se existe alguma relação entre gostar, se identificar e querer bem a antagonistas com se ter um "eu interior" sombrio. Segundo eles, não é possível generalizar e afirmar "sim" ou "não", pois monstros e vilões carregam diversos significados, às vezes positivos para algumas culturas, sociedades, e até podem ensinar lições do que não ser e fazer e aliviar e representar sentimentos, emoções.

É preciso rever conceitos

O que para uns denota ser nocivo, alarmante, para outros não é. Por exemplo, o dragão em muitas religiões é associado ao mal, mas, na China, é uma figura de sabedoria, força e sorte. O já citado Halloween, a mesma coisa. Há quem o encare com repulsa, mas para seus adeptos é apenas uma festa gótica alegre que evoluiu de outra mais antiga que celebrava a abundância após a época de colheita e cujos disfarces assustadores serviam para afastar espíritos ruins.

Vale o mesmo princípio sobre o gostar de personagens oponentes dos "mocinhos" ou sem as tradicionais virtudes atribuídas a eles e aos heróis. Inclusive, muitos deles, como "Meu Malvado Favorito", "Malévola", a dupla de "Monstros S.A.", e o príncipe de "A Bela e Fera" demonstram como são as pessoas de verdade, com suas qualidades e defeitos, influenciadas pelo meio ao qual pertencem, negligências, violências e que podem melhorar e ter um recomeço.

"Os anti-heróis também são amados por muitos na sociedade e isso, em parte, tem a ver com o que se reconhece dos pais/cuidadores", explica Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano), em Palmas (TO). Ele acrescenta que em se tratando de crianças pequenas, elas também não sabem diferenciar fantasia de realidade e só devem ter a imaginação direcionada à medida que sua percepção amadurece.

Reflexos do que se sente

"Atração" por histórias de monstros e vilões pode ter a ver com certas sensações que alguns gostam. Ansiedade, tensão, medo liberam várias substâncias que preparam o organismo para as reações de lutar ou fugir, entre as quais adrenalina, também presente quando nos apaixonamos, e ocitocina, que nos relaxa. Assim, o que realmente atrai não é o que Odete Roitman, Coringa ou Drácula fazem e representam, mas o prazer e alívio que proporcionam.

O medo ainda aproxima as pessoas e esse momento de união, como em uma "noite do terror" para ver filmes do gênero, pode se transformar em uma prazerosa euforia. "Ademais, monstros e vilões trazem consigo características atraentes, não necessariamente cruéis ou sinônimo de maldade, como força, inteligência, poder, astúcia, habilidade, um senso de humor peculiar", aponta Daniela Cristina Rocha, psicóloga da Central Nacional Unimed, acrescentando que ainda despertam empatia.

Curiosidade em acompanhar e entender seus comportamentos ajuda em reflexões sobre as próprias angústias e a superar ou ter a sensação de controle sobre medos e conflitos internos, pois monstros e vilões são interpretados como projeções, assim como foi Frankenstein, quando havia incerteza do que se esperar da luz elétrica, ou Godzilla, após o uso das bombas atômicas. O desconhecido pode ser assustador, mas sob uma situação não real tranquiliza e encoraja.

Quando é preciso se preocupar

Quem não está bem emocional e psicologicamente evidencia muitos outros comportamentos do que eventualmente uma predileção por temas horripilantes, que isoladamente não diz muito, afirma Wimer Bottura Junior, psiquiatria infantil pelo Instituto de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Indícios de psicopatia são ausência de sentimentos, empatia e culpa e tendência a se cometer violência contra inocentes e indefesos.

Porém, monstros e vilões podem representar raiva, agressividade, solidão, necessidade de mais afeto, tudo o que origina a dor. O interesse por eles somado à extravagância e rebeldia merecem atenção, pois podem indicar negação, ou uma profunda decepção com sociedade, bondade, valores. "Crianças muito inteligentes e sensíveis estão sujeitas a isso quando percebem incoerências e injustiças desde cedo", aponta Wimer.

O psiquiatra continua que buscar alívio e prazer recorrente nos monstros ou vilões também não resolve, pois são sensações breves, que não saciam faltas internas, como podem acentuá-las e gerar uma dependência por perigos, às vezes apenas para o indivíduo conseguir algum reconhecimento, pertencimento, atenção alheia. A verdade: todos temos uma sombra dentro de nós, mas para evitar que ela nos domine como Venom, é preciso ajuda e autoconhecimento.