Angélica conta que sofreu abuso sexual; como lidar com trauma?
Revelar que sofreu algum tipo de abuso sexual não é fácil. Quando é com artistas, além de lidar com o trauma em si, eles ainda precisam enfrentar o "tribunal da internet", isto é, ouvir críticas, piadas, ver suas dores minimizadas.
Nesta semana, a apresentadora Angélica, 48, revelou ter sofrido um abuso sexual enquanto participava de uma gravação na França para promover "Vou de Táxi", um de seus maiores hits, no início da carreira.
"Eu devia ter uns 15, 16 anos. Estava em Paris, fazendo foto. Vieram aqueles meninos todos e quando o fotógrafo falou que era uma brasileira, eles foram chegando perto e se esfregando em mim", detalhou Angélica.
Mas ela não foi a única que decidiu falar a respeito. Recentemente, o caso do milionário Saul Klein, acusado de estuprar meninas entre 17 e 18 anos, ganhou repercussão nacional. A diretora do Instituto Liberta, Luciana Temer, também revelou ter sido estuprada em um assalto.
Todo trauma relacionado a abusos sexuais dá origem a uma série de fragilidades emocionais, como insegurança, medo de falar em público, baixa autoestima, agressividade, intolerância à frustração, tendência a se envolver com parceiros abusivos.
No Brasil, não são poucas as vítimas de abuso sexual, inclusive crianças. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 0,6% de todos os estupros registrados no país em 2020 foram contra meninas de menos de 13 anos. Isso significa que 4 meninas foram estupradas por hora.
Além disso, 86% das violências são praticadas por conhecidos e 67% dos casos acontecem dentro das residências. Embora seja difícil, especialistas ouvidos por VivaBem garantem que é possível superar um trauma por abuso sexual por meio da terapia. "O ideal seria que a pessoa começasse a fazer terapia logo em seguida para lidar com isso", orienta a psicóloga Marina Vasconcellos.
No entanto, por motivos como vergonha, sentimento de culpa, medo do olhar das pessoas, raiva, frustração ou até mesmo por falta de condições financeiras, muitas não buscam apoio psicológico. Segundo a psicóloga, nesses casos, o mais importante é falar sobre o que aconteceu, mesmo que seja para um familiar ou um amigo. O que não deve acontecer e não ajuda em nada é a pessoa ficar guardando aquele sentimento ruim apenas para si mesma.
"Se ela falar com alguém de confiança, terá mais dificuldade para lidar com o que aconteceu, mas o importante é deixar sair, não conter os sentimentos", indica a psicóloga. "Às vezes, só de colocar para fora e alguém que acredita em você te apoiar, pode trazer um grande alívio", diz.
Quanto ao tempo de tratamento, não dá para bater o martelo: varia de pessoa para pessoa. Tem gente que melhora um ano após o ocorrido, outras depois de 10 e há também aquelas que passam uma vida inteira carregando essa dor. Tudo depende do desenvolvimento emocional da pessoa, de como ela lida com a situação internamente, da família, do contexto social que ela está inserida, se ela é apoiada ou não.
Segundo a psicóloga Juliana Sato, quando ocorre um abuso ou ato de violência, o trauma pode ressurgir anos depois, geralmente após um gatilho (evento que a faz recordar do ocorrido). "A pessoa pode ter crise de ansiedade, depressão, sintomas de estresse pós-traumático e transtornos do pânico", explica.
Além da terapia, o que mais pode ajudar?
Fortaleça sua autoestima
Por mais que ela tenha sido afetada, é possível reconstruí-la. Sentir-se inferiorizado depende da imagem que a pessoa tem de si mesma e das crenças que alimenta a respeito de suas incapacidades —e não apenas da maneira como os outros a veem.
Listar todas as qualidades que têm atualmente, em vez de se ater aos prováveis defeitos que lhe atribuíram no passado, pode melhorar a autoimagem e resultar em uma atitude mais positiva diante da vida.
Essa lista deve ser elaborada aos poucos. À medida que a pessoa vai percebendo que é dotada de virtudes e capacidades, naturalmente passa a aceitar a si própria.
Construa uma rede de apoio
Não são poucas as pessoas que somente na idade adulta se dão conta de quanto os familiares são tóxicos. Romper laços ou buscar o diálogo como forma de ressignificar os relacionamentos é uma decisão que compete a cada um.
Nessas circunstâncias, o convívio com os amigos pode ser uma boa estratégia para superar as assombrações do passado. Família não pode ser escolhida, mas o círculo de amizades, sim.
Não perpetue o sofrimento com os filhos
É muito comum que as pessoas criem seus filhos espelhados em seus pais. A repetição é inconsciente. Uma vez que você tomou consciência desse ciclo nocivo, pode quebrar o padrão e buscar novos modelos mais saudáveis e afetuosos para aplicar na própria família.
A preocupação em não dar continuidade a práticas que considera sofridas na educação dos filhos já é, por si, uma maneira de ressignificar seu passado e, assim, escrever uma nova história, de acordo com seus valores, escolhas e crenças.
Tente perdoar quem lhe feriu
Quem perdoa deixa de sentir ressentimento, raiva ou qualquer outro sentimento que faça mal. O ato de perdoar proporciona regeneração e transformação, pois consiste em um processo interno no qual a pessoa se desvincula emocionalmente de quem a magoou.
Outra fonte consultada: Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em sexualidade pelo InPaSex (Instituto Paulista de Sexualidade).
*Com informações da reportagem publicada em 26/10/2020.
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