Algumas alopecias atingem mais mulheres negras: 'Tentavam me ridicularizar'
Após sofrer um aborto aos oito meses de gestação há 25 anos, a coordenadora pedagógica Erika Cristina dos Santos, 47, perdeu subitamente uma grande quantidade de cabelo. "Eu estava com depressão, sem sair de casa. Tinha cabelo comprido e um dia fui tomar banho e veio metade dele inteiro na minha mão", conta. Erika se assustou e demorou a buscar ajuda. Foi diagnosticada com alopecia areata universal, um tipo raro da doença que causa perda de todos os pelos do corpo.
Esse tipo da doença é raro, mas muitas mulheres enfrentam outras formas de alopecia. Há dois anos, uma amiga da atendente Bianca Silva, 38, a alertou depois de notar falhas em seu cabelo. "Ela fez hidratação e viu buracos do tamanho de uma moeda de R$ 1. Bateu aquele desespero, eu procurei um dermatologista e ele me diagnosticou", lembra.
Bianca tem alopecia areata, condição autoimune causada por processo inflamatório, sem causa definida. A doença é o mesma da atriz Jada Pinkett Smith, casada com o também ator Will Smith, e que foi alvo de um comentário do comediante Chris Rock durante o Oscar 2022, no domingo (27).
Jada já havia comentado sobre a condição no passado. "Eu estava no chuveiro e percebi as mãos cheias de cabelo. Fiquei me perguntando: 'Meu Deus, estou ficando careca?'. Foi um daqueles momentos na minha vida em que eu estava literalmente tremendo de medo", contou em 2018.
Alguns tipos de alopecia podem ser mais comuns em mulheres negras, explica a dermatologista Katleen Conceição, especialista da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia). Entre elas, a alopecia areata e a de tração, por exemplo. Nesta última, podem influenciar o uso de penteados, como tranças e rabos de cavalo apertados, que forçam a raiz do cabelo. "Nestes casos, pode haver dano irreversível quando o folículo é danificado", diz Conceição.
Os relatos de Erika e Bianca, ouvidas por VivaBem, compartilham o receio inicial com o diagnóstico, os impactos na autoestima e o preconceito que enfrentaram, muitas vezes fruto do desconhecimento das pessoas.
'Não aceito, mas aprendi a conviver'
Quando descobriu a alopecia, Erika tinha 22 anos. "Foi no auge da juventude, achei que o mundo ia acabar, mas não acabou. Não aceito, mas aprendi a conviver, porque não tenho opção", afirma. Ela chegou a tratar com medicamentos, mas as reações adversas foram pesadas.
Apesar disso, o pior, na verdade, foi o preconceito. "O mais difícil é que, dependendo da idade, nós esperamos aceitação das pessoas. Me apontavam, cochichavam, foi a pior parte. Tentavam me ridicularizar. O ser humano é muito cruel. Ele julga, tira as próprias conclusões", conta.
Isso a fez evitar expor o assunto. Segundo ela, não é todo mundo que está preparado, "que tem humanismo" para tratar com naturalidade a informação.
A discrição, inclusive, fez com que ela contasse para a filha sobre a condição apenas quando a menina tinha oito anos. "Quando criança, ela não percebia e, conforme cresceu, foi me questionando. Um dia fomos para a praia e eu contei que eu não tinha cabelo."
Para Erika, que hoje convive melhor com a doença, a reação das pessoas vem do desconhecimento de quem não entende que a alopecia é uma condição autoimune, que pode acometer homens, mulheres e crianças, independentemente da idade.
'Não se brinca com a doença dos outros'
A atendente Bianca Silva já era fã do ator Will Smith, mas diz que virou ainda mais depois de sua reação em defesa à esposa —mesmo ponderando um pouco a atitude. "Violência gera violência, já vivemos em um mundo violento, mas foi necessário naquele momento. Não se brinca com a condição de uma pessoa, só quem sofre com alopecia sabe o que é. Eu sou negra, mas quando minha doença está atacada, ela cria manchas brancas no meu couro cabeludo."
Bianca desconhecia a alopecia antes de receber o diagnóstico. No começo, assustou-se, sobretudo após procurar informações e imagens na internet. Junto a isso, o alto custo do tratamento a deixou sem saber o que fazer. "Eu ficava chorosa, mas tentava me equilibrar. Descobri que quanto mais ficava estressada, pior ficaria a minha situação. Foi quando eu falava para as pessoas que não ia me meter nas situações porque não poderia me estressar", conta.
A recomendação virou regra entre familiares e amigos. Para evitar a tensão e ansiedade, pedia para que eles deixassem de compartilhar situações estressantes para ela. Afinal, a doença começou após a separação bastante conturbada com o ex-marido. O atual, diz, foi avisado desde o início sobre a doença e a ajuda a lidar com ela.
"O mundo está sabendo o que é alopecia, que causa mal-estar, depressão, incômodo, vergonha e pode levar à morte. Não é brincadeira e nós merecemos ser respeitadas", afirma Bianca.
Quando buscar ajuda?
Toda pessoa perde, em média, 100 fios de cabelo por dia, mas a taxa pode aumentar, dependendo dos hábitos de cada uma. No entanto, quando os fios caem além desse padrão, isso é considerado queda e, portanto, alopecia, explica a dermatologista Hadassa Barros, formada pela EBMSP (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública) e integrante da Skin of Color Society.
"Casos de queda de cabelo, o quanto antes tratar é melhor. A pessoa vai deixando, porque tem muito cabelo e quando vem ao consultório, chega desesperada. Para muitas mulheres, o cabelo é realmente a coroa, e algumas têm vergonha de ir ao médico por causa da alopecia, mas isso tem que ser desmistificado", diz.
Os tratamentos variam de acordo com o tipo da doença e em alguns casos o cabelo retoma o crescimento de maneira espontânea. Em geral, há indicação de medicamentos, que podem ser orais, injetáveis ou de uso tópico, e terapias em consultório para estimulação da área.
No entanto, quando a inflamação é crônica, há danos no bulbo capilar que destroem a estrutura e impedem o crescimento do pelo permanentemente (quadro conhecido como alopecia cicatricial). "No bulbo estão as células de crescimento dos fios, por isso que, se existe uma lesão ou trama, não há crescimento", explica Barros. Transplantes podem ser indicados, mas se não existir área doadora para retirada dos fios, a opção é usar perucas e próteses capilares.
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