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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Fiquei uma semana dentro do quarto': quando a TPM é um transtorno mental

Getty Images
Imagem: Getty Images

Gabriela Monteiro

Colaboração para o VivaBem

02/04/2022 04h00

A tensão pré-menstrual é tema popular: todo mundo sabe que alguns dias antes de menstruar pode-se enfrentar alterações importantes no humor, na disposição e até no físico, com inchaços e dores. O tema, que infelizmente é levado pouco a sério e serve de inspiração para inúmeras piadas, pode se tornar ainda mais complexo se essa TPM se enquadrar em um transtorno mental, chamado de transtorno disfórico pré-menstrual, ou TDPM.

A condição está na última versão do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos, também conhecido como a "bíblia" da psiquiatria e que lista as principais doenças relacionadas à mente. Quem tem o transtorno sofre de pelo menos cinco desses sintomas: humor deprimido, irritabilidade, ansiedade, depressão, dificuldade de atenção, perda de prazer, isolamento social, fadiga, sensação de estar sobrecarregada ou fora de controle, perda de apetite, sensibilidade nas mamas, dores articulares ou ganho de peso.

Para psiquiatra David Pinheiro, psiquiatra no IMIP (Instituto de Medicina Integral) e docente na Faculdade Pernambucana de Saúde, para o diagnóstico, esses sintomas devem acontecer na maioria dos ciclos menstruais. Além disso, observa-se de forma mais detalhada os dois próximos ciclos e se na semana antes do início da menstruação os sintomas começam a aparecer de forma mais intensas. "É muito importante essa relação temporal, na qual se observa de forma clara o surgimento das queixas antes do ciclo e seu desaparecimento claro após o ciclo", diz.

Apesar de ser menos comum, ele afeta 3 a 8% das pessoas que menstruam. "Cerca de 80% têm sintomas pré-menstruais. Felizmente, a maioria tem sintomas leves, que muitas vezes com mudanças de estilo de vida já podem se abrandar. Uma parte, aproximadamente 30%, têm sintomas moderados. Agora, o transtorno disfórico é menos comum", explica Joel Rennó Júnior, diretor do programa Saúde Mental da Mulher do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Entre as causas dessa "TPM piorada" estão fatores ambientais (como estresse, histórico de trauma) e genética. Segundo Júnior, há possivelmente um poliformismo do gene transportador de serotonina (responsável pelo bem-estar), sobretudo quando isso se associa a traços de personalidades relacionados ao neuroticismo.

O fato é que muitas pessoas podem sofrer disso e nem imaginam, ou foram diagnosticadas erroneamente. A seguir, veja o relato de três mulheres que descobriram ter o transtorno.

Cris Andrade, 26 anos, Mutuípe (BA)

Cris Andrade - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Quando eu descobri, ainda estava na faculdade. Desde a adolescência eu tinha um período pré-menstrual bastante intenso, mas na faculdade isso ficou cada vez mais forte. Em 2019 comecei a ler sobre o tema e vi que uma psicóloga indicava escrever todo mês em uma agenda durante o período pré-menstrual. Fiz isso e percebi que realmente era um momento em que minhas emoções ficavam muito conturbadas.

O primeiro sintoma era sempre uma irritabilidade muito forte. Com o passar dos anos, passei a ficar também muito triste. Não sentia vontade de socializar, tudo me estressava, coisas pequenas me tiravam do eixo, isso atrapalha muito a rotina. O mais grave para mim foi em uma semana específica que eu fiquei sem conseguir sair do meu quarto, fazia uma refeição por dia, sentia vontade de sumir, desaparecer, morrer. Quando passa, parece que você não era aquela pessoa.

Meu primeiro tratamento começou com terapia e academia, ambas me ajudaram e aliviaram muito os sintomas. Nesses últimos seis ou sete meses, o TDPM não deu tantos sinais. Minha psicóloga mandou eu procurar um ginecologista, já passei por três profissionais, as duas primeiras não deram muita atenção quando eu falei sobre o tema e a terceira indicou ficar seis meses tomando anticoncepcional emendando a cartela —porque se eu não menstruasse, não teria esses sintomas—, mas não quis usar esse método.

As pessoas realmente não levam a sério, nem mesmo as profissionais que fui. A questão da falta de apoio e achar que é frescura vem realmente dessa cultura de minimizar o que as pessoas com útero sentem. Então relativizam a menstruação, a TPM normal e ainda mais o TDPM, que não é uma coisa do conhecimento geral. Eu conheci porque realmente chegou um momento da minha vida eu vi que não era normal me sentir tão irritada assim durante os dias pré-menstruais, tão deprimida e não querer fazer as coisas que eram obrigação. Não é nem um simples não querer, é você não ter realmente forças, o seu cérebro não funciona para você conseguir cumprir essas obrigações que durante o restante do mês você faz tranquilamente."

Larissa Soares, 23 anos, Governador Valadares (MG)

"Eu tinha uns 15 ou 16 anos quando percebi que ficava muito afetada na TPM, tanto de inchaço, de ter sutiãs específicos para esse período, quanto emocionalmente. Fui para um ginecologista e fiz contagem hormonal na TPM, no período menstrual e numa fase mais tranquila do ciclo. Foi aí que ela viu que eu tinha um desbalanceamento muito grande na fase pré-menstrual e me explicou o que era o transtorno.

Eu fico muito deprimida, de ficar deitada na cama tendo pensamentos horríveis, uma autoestima muito baixa. Meu peito dói muito, sinto muita dor na barriga não fico à vontade para sair de casa. Quando eu era mais nova, era todo mês. Hoje, mais velha, não é sempre que vem.

Minha médica chegou a me passar um remédio muito usado na menopausa para controlar o hormônio, mas eu não me adaptei. Depois, ela me prescreveu um antidepressivo e também achei que não valia tomar. Hoje não tomo remédio e já me acostumei com o transtorno, já que não é sempre que vem e, quando vem, eu já entendo o que está acontecendo. Também faço terapia —que eu não fazia naquela época— e procuro sempre fazer exercícios físicos. Se eu sinto que a disforia está chegando, já vou correr, vou fazer alguma coisa para me tirar desse pensamento. Preconceito na família eu não tive, porque tenho duas primas que também têm, elas tomam antidepressivo durante as crises."

Gabriela da Silva Cadamuro, 27 anos, Maringá (PR)

Gabriela da Silva Cadamuro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Meu marido que descobriu que eu tinha o transtorno. Durante a pandemia, fui morar com ele e com os pais dele e ele começou a perceber. Eu sempre tive depressão, só que ele notou que durante meu período menstrual minhas crises aumentavam. Eu já cheguei a ter crise de pânico durante a TPM e contei para minha psicóloga, que suspeitou ser TDPM. Também procurei um psiquiatra e um ginecologista, para começar a tratar. O primeiro remédio não deu certo, mas o segundo está funcionando, não me faz mal e controla minhas crises.

Como eu já tinha histórico de depressão e ansiedade, meus sintomas não vieram de uma hora para outra. O que se tornava mais grave eram as crises suicidas, de querer me matar, ter crises de pânico, entrar em depressão profunda e não querer sair da cama ou levantar. Me incomodava muito a questão de estar bem em um dia e, só de saber que a TPM estava vindo, meu psicológico já mudava totalmente. Isso implicava na minha saúde e na saúde das pessoas que me cercavam.

Com relação ao preconceito, isso é todo dia. A partir do momento que você tem depressão, independentemente se é com relação ao transtorno ou diagnóstico de depressão e ansiedade separados, você sofre um tipo de preconceito. Pensam "ela não quer sair da cama porque tá com preguiça", mas não é assim que funciona.

Meu marido faleceu há cinco meses, então meu TDPM acabou se agravando, assim como a minha depressão. Mas tenho uma família muito compreensiva e amigos que entendem. Mas mais do que ter uma rede de apoio, é preciso reconhecer que você precisa de ajuda. Por mais que o transtorno tenha sido descoberto pelo meu marido, fui eu que dei o primeiro passo de buscar psiquiatra, ajuda ginecológica e terapêutica. O passo é nosso."

Há tratamento?

Por ser considerado um subtipo de depressão, é preciso um tratamento multidisciplinar entre psicólogo, ginecologista, psiquiatra e, às vezes, até endocrinologista.

"Trata-se de um transtorno de humor e para isso o tratamento de primeira linha é psiquiátrico. O problema é convencer quem tem TDPM que é uma doença. As pessoas acham que procurar um psiquiatra é procurar um médico de louco, tem a psicofobia. E muitas vezes as mulheres podem ir no ginecologista, que vai dar um anticoncepcional —que não é o tratamento de primeira linha— e que vai aliviar um pouco, mas não vai solucionar de fato", explica Joel Rennó.

Para a ciência, os tratamentos considerados de primeira linha são os antidepressivos serotoninérgicos, que regulam a serotonina. "A dosagem dos antidepressivos é geralmente menor do que a padrão que se utiliza na depressão. Além disso, quando há um quadro de depressão, os medicamentos vão começar a agir só em duas a três semanas. No caso do TDPM, o início de ação é rápido, dois ou três dias, é isso que permite que ele seja tomado só durante o segundo período do ciclo", diz o médico.

Fontes: David Pinheiro, psiquiatra no IMIP (Instituto de Medicina Integral) e docente na Faculdade Pernambucana de Saúde; Joel Rennó Júnior, diretor do programa Saúde Mental da Mulher do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria); Lourdes Cavalcante, psiquiatra preceptora da residência em psiquiatria do Hospital Ulysses Pernambucano e psiquiatra em Caps (Centro de Atenção Psicossocial).