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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Por 12 anos, fui tratado como cardiopata, mas depois descobri doença rara'

Leonardo descobriu amiloidose hereditária por transtirretina - Arquivo pessoal
Leonardo descobriu amiloidose hereditária por transtirretina Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Vidal

De VivaBem, em São Paulo

03/04/2022 04h00

Ter o diagnóstico de uma doença rara não é fácil. Geralmente, os pacientes levam anos até descobrir o quadro de saúde. Apesar do nome, cerca de 13 milhões de pessoas têm doenças raras no Brasil —sendo que, entre elas, 75% são crianças—, o que mostra que essas condições não são incomuns.

E entre esses problemas de saúde, há uma longa lista. Uma delas é a amiloidose hereditária por transtirretina —também conhecida pela sigla hATTR. Genética e de rápida progressão, a doença pode acometer diversas regiões do corpo, mas principalmente os nervos periféricos e o coração. Elas causam sintomas incapacitantes e, por vezes, doloridos. Abaixo, confira o relato de duas pessoas que convivem com esta condição.

'Durante 12 anos, fui tratado como cardiopata'

Leonardo Gomes da Silva Filho, 64, aposentado de Olinda (PE)

Leonardo Gomes da Silva Filho, 64 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Leonardo passou por transplante do coração por causa da doença
Imagem: Arquivo pessoal

"Tive dois infartos do miocárdio e já dei entrada em hospitais por diversos motivos, como angina (dor no peito) e mal-estar. A cada ano que passava, meu quadro complicava mais e mais, mas os médicos não entendiam ao certo o que estava acontecendo.

Em abril de 2017, viajei com minha esposa para Quebec, no Canadá, para ver o nascimento do meu netinho. Foi quando passei muito mal e precisei ser internado. Nos primeiros exames de imagem que fizeram, já suspeitaram de imediato da amiloidose hereditária por transtirretina com acometimento no coração.

Depois disso, fui submetido a duas biópsias para fechar o diagnóstico. E foi quando veio a confirmação da amiloidose. Meu coração já estava bastante comprometido. Tive que voltar de imediato ao Brasil para o transplante do órgão.

Diante desta situação, achei que não daria tempo para achar um doador. Foram dias difíceis. Mas, em 12 de novembro de 2017, minha vida foi restaurada, graças a Deus, à família do doador e à ciência. Estou vivo, com um coração de 31 anos! Leonardo Gomes da Silva Filho

No entanto, minha luta ainda continua para que essa proteína não se acumule de novo no meu coração (entenda mais abaixo). Hoje, tomo uma medicação chamada tafamidis, de 20 miligramas. O ideal seria de 80 miligramas, mas ainda não foi incorporado ao SUS [Sistema Único de Saúde].

Seis irmãos e uma das minhas filhas foram diagnosticados com a doença. Todos eles estão sendo acompanhados pelo Rarus, um serviço de referência para condições raras.

Um dos meus irmãos, por exemplo, está na fila de transplante de rins. Os sete filhos dele também herdaram a doença. Alguns têm sintomas e outros não.

A minha filha que herdou o gene ainda não desenvolveu a doença. Inclusive, meu pai e dois irmãos morreram por problemas do coração. Provavelmente, foi desse problema que descobrimos.

Tenho muita esperança que, um dia, todas as cidades tenham centros de referências para doenças raras para que o diagnóstico seja feito de forma mais precoce."

Dor nas pernas, coluna e dormência nos pés

Laudeci Alves, 63, moradora de Salobro, em Canarana (BA)

Laudeci Alves, 63 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Laudeci conseguiu acesso ao medicamento após entrar na Justiça
Imagem: Arquivo pessoal

"Há dois anos, comecei a caminhar com muitas dores na perna, sentia uma 'puxada' nelas, além de dormência nos pés. E não passava. Resolvi ir ao ortopedista, que pediu vários exames de imagem, como raio-X, e o resultado mostrou tudo dentro da normalidade.

Com isso, repeti os mesmos exames em outro ortopedista, que desconfiou que pudesse ser outra coisa, principalmente pelo meu histórico familiar, que já contava com casos de amiloidose confirmados.

Por isso, ele me encaminhou a um neurologista, que solicitou um exame de DNA. No resultado, conseguiram confirmar a doença, que atinge mais meus nervos periféricos.

Até pouco tempo atrás, fazia tratamento com o tafamidis, que é oferecido no SUS. Mas como meu estágio da doença está mais avançado, precisava de um remédio mais eficaz, o inotersen. No entanto, só consegui acesso a ele entrando na Justiça.

Meu irmão, que também tem diagnóstico da doença, conseguiu da mesma forma. Agora, o remédio é aplicado com uma injeção. Comecei a utilizar faz pouco tempo, ainda não sei se já trouxe efeitos melhores.

Tenho muita dificuldade para andar, uso uma bengala, mas nem até a cozinha consigo ir às vezes. Tenho muita dor nas pernas, que ficam inchadas, e sinto muita fraqueza. Também desenvolvi problemas intestinais, fico com diarreia em alguns dias.

Só saio de casa para ir ao médico e, caso precise ir a algum laboratório para fazer exames, alguém me leva de moto. Passo o dia todo deitada mesmo. Se fico muito tempo em pé, cozinhando, por exemplo, ou varrendo o quintal, minhas pernas e meu pé doem demais.

Entre meus 2 irmãos que herdaram a doença, eu sou a que está pior. Meu filho fez o exame de DNA e deu negativo. Ainda bem."

Entenda a doença

Rara e incapacitante, a condição faz parte das amiloidoses, quadro conhecido pelo depósito de proteínas insolúveis em órgãos e tecidos. Como consequência, é formada uma fibra que não consegue ser removida, causando danos ao organismo.

No caso da amiloidose hereditária por transtirretina, conhecida também como polineuropatia amiloidótica familiar (PAF-TTR), a proteína que causa a doença é a TTR (transtirretina), quando gerada com defeito. Com isso, elas se acumulam em tecidos de órgãos, prejudicando o funcionamento e a estrutura deles.

Coração e nervos periféricos são as regiões mais comuns de serem acometidas, mas o distúrbio raro não se limita a isso, segundo o neurologista Wilson Marques Júnior, professor de neurologia da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), da USP (Universidade de São Paulo).

"Além disso, ela também pode comprometer rins, olhos, o sistema nervoso central, as articulações, os músculos e o sistema gastrointestinal", explica o médico.

Se não tratada adequadamente, pode levar a pessoa à morte em até 10 anos após o início dos sintomas. Geralmente, os pacientes demoram cerca de 5,9 anos para receber o diagnóstico. Também trata-se de uma doença genética em que cada filho ou filha tem 50% de risco de herdar o gene da mãe ou do pai, independente de os sintomas se manifestarem.

Quais os principais sintomas?

A depender da região acometida, os sinais da doença podem variar. "No coração, pode causar arritmia cardíaca e miocardiopatia (doença no músculo do coração). Já no sistema nervoso periférico, traz alterações sensitivas no corpo, perda da sensibilidade, dor e fraqueza. Esses são os mais comuns", diz o professor.

Há outros sintomas, como disfunção gastrointestinal, manifestações oculares e comprometimento da função renal.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico pode ser feito por teste genético, biópsia tecidual ou exames específicos em determinado órgão. O tratamento medicamentoso disponível visa desacelerar o acúmulo das proteínas nos tecidos. O remédio disponível no Brasil, via SUS, consegue auxiliar pacientes em estágio inicial da doença, que é o tafamidis, utilizado de forma oral.

Depois dele, existem dois outros medicamentos, que são usados de maneira injetável, segundo Júnior. "O tafamidis é uma droga estabilizadora da molécula [proteína TTR], geralmente utilizado na fase inicial. Mas existem outros dois remédios, com ações diferentes, o patisiran e o inotersen, que são indicados quando o paciente não está com a doença estabilizada", explica. "Mas nenhum dos dois está disponível pelo SUS."

Ambos remédios atuam inibindo a produção da proteína transtirretina, que é quem causa a doença. E para conseguir acesso, os pacientes tendem a obtê-lo por meio da Justiça —o que Laudeci e sua família fizeram.

Além dos remédios, é essencial que os pacientes contem com uma equipe médica multidisciplinar por ser uma doença que afeta diferentes partes do corpo,

Falta de políticas públicas

Nos últimos 20 anos, o Congresso Nacional produziu 6.400 projetos de lei com foco na área da saúde, mas apenas 3,1% destes tiveram como foco doenças raras, segundo levantamento "Radar dos Raros", que traz um panorama sobre a produção parlamentar no contexto das doenças raras nos últimos 20 anos no Brasil.

Neste mesmo período, somente 199 dos projetos de lei da área da saúde possuem referências diretas às doenças raras, apenas 0,12% (8) foram aprovados e 79,9% (159) desses projetos de lei ainda estão em tramitação na Câmara e no Senado.

A pesquisa também revela que a maioria dos projetos de lei foi apresentada a partir de 2011 (83,9%), mais concentrados nos últimos 5 anos, com destaque para o ano de 2019, em que o Parlamento lançou a comissão especial para doenças raras no Senado e na Câmara.

A pesquisa foi feita em nome das organizações de pacientes Febrararas e CDD (Crônicos do Dia a Dia), com o apoio institucional da consultoria do Speyside Group, do jornal Correio Braziliense e da Vertex Farmacêutica.