Ator Alain Delon optou por suicídio assistido na Suíça; entenda a prática
O ator Alain Delon, 86, anunciou há alguns dias que optou por morrer por meio de um suicídio assistido. Em sua conta no Instagram (que foi desativada), publicou uma mensagem dizendo que havia tomado a decisão há muito tempo. "Minha vida foi muito bonita, mas também muito difícil. Nunca gostei de envelhecer, todas as dores e provações que tenho que enfrentar cotidianamente me deixam imóvel diante de tudo", escreveu.
O ator vai passar pelo procedimento na Suíça, onde mora e o suicídio assistido não é crime desde os anos 1940. Não foi divulgado nenhum diagnóstico de doença terminal ou incurável de Delon, mas em 2019 ele sofreu dois AVCs, que podem ter sequelas que reduzem a qualidade de vida.
A Suíça é o único país do mundo onde o suicídio assistido pode ser praticado por quem não tem um diagnóstico terminal ou incurável e também por estrangeiros. "O sistema suíço é único no mundo, mas existe um procedimento burocrático, critérios legais", explica Luciana Dadalto, advogada especialista em direito médico e da saúde e doutora em ciências da saúde pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
No suicídio assistido, um médico prescreve uma substância letal, que é administrada pelo próprio paciente. Mas, para ter acesso ao procedimento, é feita uma análise de documentos, como prontuário do paciente e laudos. Se a pessoa for estrangeira, ela precisa de uma espécie de atestado tanto do médico do seu país quanto de um médico suíço que diga que ela tem um "sofrimento insuportável", seja ele qual for.
Apesar de a prática acontecer há muitos anos, a interpretação do sofrimento insuportável que permite essa escolha é recente. Até pouco tempo, apenas pacientes de doenças terminais em estágio avançado podiam optar pelo procedimento. Hoje, pode ser até um sofrimento psíquico. "Quando Alain Delon nos conta que vai fazer um suicídio assistido, ele diz basicamente que está sofrendo e que esse sofrimento é insuportável e ele prefere a morte", diz a advogada. No país europeu, idosos como o ator têm o direito ao procedimento.
O processo, entretanto, não fácil. "Não é porque ele anunciou que vai fazer isso que logo vai se resolver", explica Maria Júlia Kovacs, professora sênior do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). Quem escolhe esse tipo de procedimento precisa passar por uma avaliação psiquiátrica e uma avaliação médica, além de ser apresentado a outras alternativas, como cuidados paliativos.
Direito de morrer
Por ser legal na Suíça, lá criou-se o que é chamado de "turismo da morte", quando as pessoas viajam ao país para morrer. Existem algumas organizações que dão suporte àqueles que buscam o suicídio assistido e cada uma tem o seu critério para receber o paciente que busca ajuda. Algumas aceitam apenas idosos ou pessoas com doenças terminais.
Essas organizações também são as responsáveis por ligar para a polícia após a morte do paciente. "Os suicídios assistidos são gravados para que a polícia veja. Eles precisam ver o paciente lúcido dizendo que quer morrer para que fique claro que foi uma escolha", diz Dadalto. Outro critério para uma organização aceitar ajudar um paciente é que ele esteja lúcido e não tenha sua decisão influenciada por outras pessoas.
No Brasil, esse debate ainda é muito restrito aos meios acadêmicos, diz a advogada, mas é importante entender que o suicídio assistido é diferente da eutanásia —que também gera polêmica no país—, e que nenhuma das duas práticas faz parte dos cuidados paliativos, que são permitidos por aqui. A diferença entre as práticas é a seguinte:
- Suicídio assistido: quando um paciente escolhe morrer e recebe a prescrição de um medicamento --normalmente por via oral-- que possibilita a morte e que ele mesmo toma.
- Eutanásia: quem administra a morte do paciente é o profissional de saúde com uma substância injetável.
- Distanásia: utilização de toda a tecnologia e tratamentos médicos para o prolongamento da vida.
- Ortotanásia (a base dos cuidados paliativos): visa manter a qualidade de vida do paciente, sem o uso de tratamentos invasivo, até ocorrer a morte natural.
Na maioria dos países, o Brasil incluso, a eutanásia e o suicídio assistido são considerados crimes. Curiosamente, apesar de a Suíça permitir o suicídio assistido, a eutanásia é considerada ilegal. Mas além da Suíça, países como Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Colômbia, Alemanha e alguns estados dos EUA permitem o suicídio assistido, mas apenas em casos de doenças terminais ou incuráveis que gerem sofrimento ao paciente.
"Existe uma questão cultural. Em países menos religiosos e mais laicos, tem uma tendência —não uma regra— a discutir mais autonomia", diz Dadalto, que acompanhou um caso de suicídio assistido de uma pessoa idosa com Parkinson na Suíça em 2019. O debate em torno da prática é similar ao debate que se levanta sobre aborto, segundo a especialista. "Não estamos falando que todos os pacientes têm que morrer, mas que pode haver possibilidade de escolha", explica.
Segundo Kovacs, o que os especialistas observam é que os países onde o procedimento de auxílio à morte deixou de ser criminalizado não apresentaram aumento do número de pedidos por ele. "Não tem aumento expressivo, tem um aumento da discussão e do debate", diz. Ela também afirma que nos países onde essas práticas são permitidas há fortes programas de prevenção ao suicídio e de cuidados paliativos.
Em alguns países, tem caído em desuso a expressão "suicídio assistido", inclusive, e a prática tem sido chamada de "morte medicamente assistida".
Para Dadalto, a maior dificuldade de entender a decisão de Delon está também em uma questão moral: "Em muitos países do Ocidente, existe a ideia de que a vida é um dom divino e que, se a gente recebeu esse presente de uma divindade, não podemos abrir mão dele."
Após os AVCs em 2019, o ator Alain Delon já havia demonstrado seu descontentamento com a ideia de envelhecer. "Envelhecer é uma merda! Você não pode fazer nada sobre isso. Você perde o rosto, perde a visão. Você levanta e, caramba, seu tornozelo dói", declarou na época, pouco antes de ser hospitalizado. Mesmo antes de optar pelo suicídio assistido, ele já havia se declarado a favor da prática. "A partir de uma certa idade, de um certo momento, a pessoa tem o direito de sair tranquilamente, sem passar por hospitais, injeções."
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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