Dor na língua nem sempre é afta: descubra causas e quando procurar ajuda
A dor na língua é um incômodo difícil de ignorar. Não é para menos, já que o órgão muscular está diretamente relacionado à deglutição, ao paladar e à fala. Na maioria das vezes, o desconforto é passageiro e impulsionado por causas comuns —como as aftas. Mas é preciso ficar alerta: em alguns casos, a dor pode estar por trás de condições mais sérias.
A duração do desconforto ajuda a diferenciar uma coisa da outra. Enquanto problemas mais simples costumam desaparecer em, no máximo, 15 dias, a dor pode persistir sem nenhuma melhora por mais de duas semanas em situações mais graves. Se isso acontecer, é recomendável buscar ajuda profissional o mais breve possível.
Por isso, é importante incentivar o autoexame da nossa boca. Basta ficar na frente do espelho em um lugar iluminado e abrir a boca. Dá para puxar a bochecha de um lado e depois do outro para enxergar melhor, checar a gengiva, os dentes, o céu da boca, e observar a língua para ver se não há nada de estranho. Caroços, feridas e sangramentos são exemplos de sinais de alerta.
VivaBem escutou especialistas para listar as possíveis causas por trás de incômodos na língua e os tratamentos disponíveis para cada um deles. Vale ressaltar que somente um profissional pode diagnosticar doenças, indicar tratamentos e receitar remédios.
1. Trauma
Quem nunca mordeu a língua sem querer que atire a primeira pedra. Não à toa, essa é considerada uma das causas mais comuns por trás de lesões no órgão.
E a mucosa oral não está sujeita somente a traumas físicos. Também é comum que provoquemos traumas térmicos à língua quando ingerimos bebidas ou sopas muito quentes; ou até traumas químicos, o que acontece ao deglutir substâncias químicas acidentalmente.
Seja qual for o caso, a dor do trauma não desaparece imediatamente e a língua pode ficar dolorida até que a lesão cicatrize —compressas de água gelada ajudam a reduzir o incômodo. É importante ficar atento à higienização do local para evitar infecções.
2. Aftas
Extremamente dolorosas, essas lesões em forma de úlcera rasa geralmente começam com um pontinho incômodo na boca, que não tarda a evoluir para uma lesão branca, com bordas vermelhas. Não é por acaso que as aftas nos deixam com os "nervos à flor da pele": ao "destruir" o epitélio superficial da mucosa oral, elas expõem o ambiente às camadas mais profundas, onde estão as terminações nervosas.
Não há exatamente uma causa para as aftas, mas fatores como a ingestão de alimentos mais ácidos —frutas cítricas, por exemplo—, estresse físico ou emocional, baixa resistência imunológica, hereditariedade e oscilações hormonais podem contribuir para o seu aparecimento. Mais frequente entre crianças, elas normalmente desaparecem espontaneamente dentro de 10 a 15 dias.
Prática comum, não é recomendável colocar bicarbonato de sódio diretamente na afta, pois a substância alcalina pode piorar a irritação —ao invés disso, é mais seguro bochechar água com um pouco de bicarbonato, sem engoli-lo. O tratamento ideal, no entanto, é baseado em pomadas, anti-inflamatórios ou gel analgésicos.
3. Síndrome da boca ardente
A cena é um mistério até para os especialistas: o paciente reclama de queimação na língua mas, à primeira vista, não há nada de errado com sua mucosa oral. De origem desconhecida, a síndrome da boca ardente causa dor, mas confunde por não provocar lesões.
Seu diagnóstico, portanto, não é dos mais fáceis. Existem vários protocolos e guias mundiais com uma série de testes para fazer no paciente para excluir outras causas e chegar nesse diagnóstico, porque ainda não há um biomarcador específico, um exame que denuncie de cara a presença da síndrome. Então, fazemos o diagnóstico por exclusão.
Mais comum em mulheres, especialmente as que estão na pós-menopausa —mas não restrita a elas—, a condição é chamada de síndrome porque é acompanha de outros sintomas para além da ardência bucal, como boca seca, alterações na saliva e mudanças na percepção de paladar.
Já que sua causa ainda é um mistério para a ciência, não há um tratamento específico para a síndrome. Mas, em muitos casos têm relação com distúrbios psicológicos, como ansiedade, insônia e hipocondria. Os caminhos terapêuticos, portanto, variam: podem ir desde a indicação de um tratamento psicológico até a reposição de vitaminas, dependendo dos resultados da bateria de exames.
4. Papilite lingual transitória
Caracterizada por protuberâncias vermelhas ou brancas na língua, a papilite lingual transitória é uma inflamação que afeta as papilas, ou seja, as pequenas estruturas que nos permitem sentir o gosto de todos os alimentos. O principal grupo de papilas afetado pela condição é o das fungiformes —pequenas saliências redondas que todos temos no dorso da língua.
Não há uma causa específica para a papilite, mas a inflamação pode estar relacionada com dietas que incluem muitos alimentos ácidos ou picantes, alergias alimentares, traumas causados por mordidas ou até mesmo um dente áspero, que esteja machucando a língua.
A condição pode causar dor, sensação de queimação, inchaço ou formigamento. Mas, como o nome sugere, sua duração é curta: desaparece em algumas horas ou em poucos dias. Durante esse período, é recomendável evitar alimentos que irritam a mucosa oral —se o problema for algum dente, o dentista também poderá indicar o ajuste de bordas cortantes.
5. Deficiência nutricional
Não é apenas sabedoria popular afirmar que a língua é um reflexo do que ocorre no nosso corpo. A anemia, por exemplo, é um dos problemas sistêmicos que podem se manifestar através dela: ardência e sensação de queimação na hora de comer são alguns dos sinais. O outro é a perda das papilas gustativas, o que deixa a língua "lisa" —fenômeno popularmente conhecido como "língua careca".
É necessário fazer exames de sangue para confirmar se os sintomas estão atrelados a uma deficiência de ferro ou vitamina B12, por exemplo. O tratamento envolve adotar uma dieta bem equilibrada e, em alguns casos, receber injeções vitamínicas.
6. Língua geográfica
Tecnicamente conhecida como glossite migratória benigna ou eritema migratório, a chamada "língua geográfica" é um transtorno benigno que leva ao aparecimento de lesões avermelhadas ou cinzento-esbranquiçadas na língua, formando áreas irregulares —elas lembram o formato de um mapa, daí a origem de seu nome popular.
A condição é migratória porque pode aparecer em determinada parte da língua num dia, desaparecer e, depois de alguns meses, surgir em outro lugar. Embora sua causa ainda seja desconhecida, problemas como psoríase, dermatite, alergias, distúrbios hormonais e genética estão relacionados à língua geográfica, segundo a Academia Americana de Medicina Oral.
Além disso, estresse, ansiedade e alto consumo de alimentos ácidos são fatores que, em pessoas que apresentam a condição, podem desencadear o aparecimento ou maior intensidade das lesões —que, no geral, não causam dor.
Ocasionalmente, a condição pode causar uma sensação de queimação ou ardência na mucosa oral. Nesses casos, poderão ser prescritos anestésicos tópicos, por exemplo.
A identificação da língua geográfica, geralmente, é feita na infância.
7. Língua fissurada
Assim como a língua geográfica, a língua fissurada não é uma doença e costuma estar presente desde os primeiros anos de vida. A condição é caracterizada pela presença de sulcos ou fissuras no dorso da língua.
Embora geralmente não cause incômodo, algumas pessoas com a condição podem se queixar de dor, principalmente na ausência de higienização. Isso porque alguns sulcos, por serem mais profundos, favorecem a retenção de restos alimentares. Sem limpeza, o acúmulo pode levar à colonização de microrganismos, causando infecções.
O recomendado é o uso de escovas macias ou raspadores linguais para a limpeza do órgão —e não somente para quem apresenta fissuras na mucosa.
É preciso lembrar também de escovar a língua. A limpeza deve ser feita sem creme dental, somente com a escova umedecida ou com um raspador. É fundamental tirar a saburra lingual, aquela camadinha que vai se formando ao longo do dia e pode causar problemas.
8. Candidíase oral
Placas esbranquiçadas na língua, lábios, céu da boca e parte interna das bochechas podem sugerir a presença do fungo Candida albicans, o causador da candidíase oral. A baixa imunidade é um dos principais "gatilhos" para a infecção, popularmente conhecida como "sapinho".
A doença é tratada com cremes antifúngicos de uso local ou, em alguns casos, remédios por via oral.
9. Quimioterapia ou radioterapia
Principais tratamentos de combate ao câncer, a quimioterapia e a radioterapia também podem causar efeitos colaterais no corpo —inclusive na boca. O tratamento oncológico pode, por exemplo, provocar feridas na língua. Dependendo da intensidade, essas lesões levam até à interrupção do tratamento, porque o paciente, já debilitado, não consegue mais se alimentar.
10. Câncer de língua
Mas a língua, por si só, também pode ser um lugar para o desenvolvimento de câncer. As laterais do órgão —ou as bordas— correspondem à região da cavidade oral mais atingida entre os casos de câncer de boca.
Um dos sintomas desse tipo de tumor é o aparecimento de lesões, que são diferentes das aftas, por exemplo. A afta é extremamente dolorida, já o câncer de língua, no estágio inicial, o paciente pode até se queixar de ardência ou desconforto, mas não vai ser aquela dor tão aguda quanto uma afta.
Além disso, é preciso ficar atento à duração da ferida: se ela não cicatrizar em 15 dias, deve-se procurar ajuda profissional. Ao contrário da afta, o tumor irá crescer e, possivelmente, apresentar sangramentos. Manchas ou placas esbranquiçadas na língua e rouquidão persistente também são sinais de alerta.
Em casos mais avançados, os sintomas incluem dificuldade de mastigação e de engolir, problemas na fala, sensação de que há algo preso na garganta e dificuldade para movimentar a língua, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer).
O ideal, no entanto, é não chegar a esse ponto —como todo câncer, quanto antes for feito o diagnóstico, maiores serão as chances de cura. O câncer de língua inicial tem chance de cura acima de 90%. Mas esse número cai para cerca de 40% nos casos de câncer avançado.
O tratamento envolve cirurgias e terapias complementares, como químio ou radioterapia, ou às vezes uma combinação entre eles. Não fumar e limitar o consumo de bebida alcoólica são as formas mais eficazes de se prevenir contra o câncer de língua —fumantes e pessoas que ingerem álcool, por sua vez, são os principais alvos do tumor.
Fontes: Ana Paula Negreiro Nunes Alves, dentista; Camila de Barros Gallo, professora doutora de estomatologia clínica da FOUSP (Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo); Fábio de Abreu Alves, diretor do Serviço de Estomatologia do Hospital A.C.Camargo Cancer Center (SP)
*Com informações da matéria de abril de 2022
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