'Cheguei a desistir de resistir e lutar', diz advogado com 2 doenças raras
Depois de superar uma doença rara na infância, o advogado Henderson Fürst, 33, enfrenta a síndrome da fadiga crônica na idade adulta. Mesmo sem querer ser considerado um exemplo de superação, ele vence vários obstáculos diários e ocupa um cargo de destaque na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Ao olhar as redes sociais de Fürst, que hoje é o presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB, poucos imaginam sua batalha com os problemas relacionados à saúde. Os primeiros sinais de que algo não estava bem surgiram quando ele tinha três anos.
"Comecei a cair muito. No início, meus pais e os médicos acharam que fosse algo normal. Depois, voltei a engatinhar e a segurar os brinquedos com os punhos, pois não tinha mais força nas mãos", recorda.
Ele foi diagnosticado com poliomielite desmielinizante crônica, uma doença neurológica crônica rara que atinge o sistema nervoso e causa fraqueza muscular progressiva, alterações na sensibilidade, além de dormências e formigamentos. Com isso, o corpo vai paralisando das extremidades ao centro e, ao chegar no diafragma, pode causar insuficiência respiratória.
Conforme perde-se os movimentos, os músculos vão atrofiando. "Com o tempo, minhas mãos e pés estavam desconfigurados, torcidos, já não sustentava meu pescoço nem conseguia mastigar direito", conta o advogado.
As buscas se iniciaram com pediatras, depois neuropediatras e reumatopediatras, mas apenas quando se realizou uma eletroneuromiografia foi que encontraram algo diferente: os nervos estavam se "desfazendo".
Conforme a doença foi paralisando o corpo, chegou ao diafragma e ele passou a respirar com dificuldade. "Não existia perspectiva de cura, apenas tratamento para retardar o avanço", lembra. Com o passar dos anos, ele foi perdendo os movimentos e até respirar ficou mais difícil. Neste momento, ele entrou em cuidados paliativos.
"Meus pais lutavam muito atrás de alguma solução, até que um dia disseram à minha mãe que eu só estava vivo por conta da insistência deles, e que era para colocar nas mãos de Deus e deixar que eu descansasse e eles também", relembra.
Quanto mais o tempo passava, mais ele respirava com dificuldade. Não se sabia ao certo quanto tempo iria resistir com essa respiração. Os pais continuaram procurando soluções.
"Ainda assim, a dificuldade respiratória foi aumentando até beirar o momento que meus pais foram orientados a me levar a um suporte de oxigênio. Quando isto aconteceu, meus pais estavam fazendo manobras para auxiliar na respiração quando, subitamente, comecei a sentir minha perna 'crescendo'", recorda.
Essa foi a forma como Fürst conseguiu se expressar à época. Na verdade, o que ele sentia era a retomada da sensibilidade da perna, tal como se estivesse em isquemia e fosse passando e voltando a formigar.
"Naquela mesma noite, disse para eles: 'Pode deixar que agora faço sozinho' e, pela primeira vez em anos, mexi o dedão do pé e, logo depois, toda a perna. Foi um choque a todos os profissionais que acompanhavam meu caso, pois era esperado que teriam notícias pesarosas de mais uma vítima de uma doença rara e sem cura", relata.
Apesar dos médicos terem desenganado o seu caso, Henderson Fürst, ao ser levado para morrer em
casa, começou a fazer exercícios de respiração com seu pai e, aos poucos, retomou os movimentos, sendo considerado pelos médicos um "milagre".
Fadiga crônica
A infância depois disso foi de recuperação do tempo perdido, de infinitas fisioterapias para readquirir movimentos, fortalecimento muscular, equilíbrio e afins. Levou algum tempo até ter plenamente todos os movimentos com a adequada coordenação motora.
Vinte anos se passaram. Ele já não era uma criança em reabilitação e, sim, um jovem editor científico da maior editora jurídica daquele momento. Tinha acabado de entrar no primeiro doutorado, viajava país afora em palestras, aulas e eventos.
Um belo dia, Fürst passou a sentir dificuldades para andar, e logo mal conseguia fechar a mão ou levantar a perna ou o braço. Outra jornada intensa em busca de um diagnóstico. Nenhum exame saía alterado.
Ele precisou repetir um dos exames que mais fazia na infância, a eletroneuromiografia e, para surpresa, os sinais estavam todos "limpos", como se nunca tivesse sofrido uma doença desmielinizante.
Lá se foi mais de um ano pesquisando, quando, finalmente, fechou o diagnóstico em uma doença recém-descrita e com pouca informação: encefalomielite miálgica (ou "síndrome da fadiga crônica").
"Com muito descanso, voltava ao normal, embora bem cansado. Conforme a semana ia evoluindo, o cansaço aumentava a ponto de perder movimentos e precisar ficar acamado por vários dias até me recuperar", descreve.
O advogado conta com sinceridade como foi receber a notícia dessa nova condição: "Qualquer coisa que disser sobre como superei emocionalmente não pode ser contada sem antes ressaltar um período de profunda depressão e desistência de resistir e lutar. Não quero que soe que sou um exemplo de superação, de resiliência, porque não sou. Me entreguei e torci para que Deus tivesse piedade e encurtasse meus dias. Com o tempo, aprendi a encontrar novos sentidos, a fazer um novo plano de voo para a atual condição de existir, com dor, com limitação e tudo mais", relata.
"Não há cura, então a sensação é de viver cansado o tempo todo. É como se fosse sempre acometido por uma gripe muito forte", explica Fürst que se locomove com a ajuda de uma bengala.
Como se não bastasse, ele ainda enfrentou a covid-19 em um momento pré-vacina. "Tomei cuidado para avisar minha família de questões relevantes patrimoniais e existenciais por precaução e também porque, com tanta doença maluca na vida, não se falava disso em casa. Fiquei internado para observação da saturação, que estava muito baixa, mas o quadro evoluiu bem", diz.
Vida profissional
O interesse pela bioética surgiu no primeiro ano da faculdade de direito, quando ele, pela primeira vez, viu essa palavra numa nota de rodapé de livro e, ao pesquisar, entendeu que se tratava de uma área nova que estudava temas complexos, mas que diziam respeito sobre diversas situações que viveu, como cuidados paliativos, tratamento compassivo, experimental e ortotanásia.
"Passei o restante da graduação estudando profundamente o tema, quando fui apresentado a um professor emérito da faculdade de medicina da Unesp que trouxe a bioética ao Brasil, o professor William Saad Hossne. Ele me intimou a seguir os estudos com ele em São Paulo, no primeiro mestrado em bioética que existia aqui. Emendei o mestrado com o doutorado em bioética, seguido do doutorado em direito, dessa vez na PUC-SP. Não fui advogar. Fui recebido pelo mercado editorial jurídico, onde cultivo até hoje minha paixão pelos livros que vem da infância", fala.
Após a conclusão dos doutorados, ele notou que na OAB não existia um grupo dedicado à bioética na forma de uma comissão especial para assessorar o Conselho Federal, embora em alguns estados ela existisse.
Assim, junto com a professora Carina Gouvêa, elaborou um projeto e apresentou à diretoria da OAB nacional, que criou a comissão e os nomeou para dirigi-la. Não havia pandemia ou sinais de que aconteceria algo dessa dimensão. Eis que, então, bioética e direito na pandemia se tornaram pautas cotidianas.
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