Aposentada de SC e mais 26 pessoas da família descobrem doença rara
Após realizar exames de rotina, a aposentada Evilasia Knabben, 59, descobriu ter uma doença rara, chamada amiloidose hereditária, que comprometeu seu coração. Ao receber o diagnóstico, ela incentivou a família a fazer testes genéticos para descobrir quem mais tinha a doença. A descoberta foi surpreendente, das 57 pessoas que fizeram os exames, 26 tiveram resultado positivo —além dela— e supõe-se que outros 25 familiares morreram por causa da amiloidose. Conheça a história:
"Um sobrinho que estudava medicina, hoje já formado, notou que eu estava tomando muito analgésico para dor na coluna, explicou que esse excesso poderia causar problemas nos rins e me orientou a fazer exames de rotina.
Fui a um laboratório particular e fiz. Quando saiu o resultado, foi constatado um nível altíssimo de potássio. Meu sobrinho achou estranho e recomendou que eu procurasse um médico.
Fui ao cardiologista, ele viu o resultado e disse que com certeza tinha sido um erro do laboratório, pediu para eu refazer o exame e aproveitou para solicitar alguns exames cardiológicos, entre eles, um ecocardiograma que apresentou uma alteração.
Comentei com o médico que tinha histórico na família, da parte materna, de parentes com problemas cardíacos, meu avô, minha mãe, tios e primos. A gente não sabia a causa exata, só escutava que eles tinham morrido por causa do coração inchado.
As únicas pessoas que até então sabíamos a causa específica da morte era de um primo de terceiro grau, e da minha irmã, a Elisiana, ambos faleceram em decorrência da amiloidose cardíaca.
Na época, descobrimos o diagnóstico da Elisiana quase que por acaso. Desde os 30 anos, ela sofria com muitas dores nos braços, pernas, mãos, tinha dormência, cãibras e formigamento pelo corpo todo, falta de ar e cansaço. Nenhum médico sabia o que ela tinha.
Com o passar dos anos, ela teve alguns problemas cardíacos e entrou para a fila de transplante. Numa das internações da Elisiana, uma prima de terceiro grau a visitou e contou que a mãe dela, que tinha os mesmos sintomas que minha irmã, tinha sido diagnosticada com amiloidose hereditária e que o maior comprometimento tinha sido no coração.
Comuniquei isso ao médico, ele solicitou alguns exames que confirmaram o diagnóstico de amiloidose, no caso da minha irmã também foi constatado a amiloidose cardíaca. Um mês depois, minha irmã faleceu.
Na época, o médico disse que o ideal era que eu e minhas outras duas irmãs, sobrinhos e familiares próximos fizéssemos o teste genético para ver se tínhamos a doença. Cheguei a pesquisar, mas como era muito caro, em torno de R$ 7.000 cada um, deixei pra lá.
Contei essa história para o meu cardiologista e também disse que vinha tendo os mesmos sintomas que minha irmã: dormência, formigamento, cãibra. Além disso, já tinha feito duas cirurgias para tratar o túnel do carpo.
O médico passou a trabalhar com a hipótese de eu ter a doença e me pediu uma ressonância do coração. Em julho de 2020, recebi o diagnóstico de amiloidose hereditária, o órgão atingido foi o coração (amiloidose cardíaca). Um mês depois, fiz um teste genético que meu cardiologista conseguiu de graça para mim.
Meu filho pesquisou na internet sobre a doença e descobriu que o Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo, tem um Centro de Amiloidose Cardíaca. Entrei em contato, mandei meus exames e no mesmo mês eles agendaram uma consulta para mim.
Como moro em Tubarão (SC), fizemos uma vaquinha na família para arrecadar dinheiro para comprar a passagem para eu ir com meu filho. Entre uma consulta e outra, passei com cardiologista, neurologista, geneticista e eles aproveitaram para fazer o teste genético no meu filho, que deu negativo.
De agosto de 2020 a novembro de 2021, precisei fazer acompanhamento no Dante de 3 em 3 meses. As consultas eram gratuitas, mas precisei fazer muitos exames, alguns consegui pelo posto de saúde, outros tive que fazer no particular. Financeiramente, eu meu marido não estávamos preparados para isso. Sou aposentada e ele é funcionário numa empresa de energia solar.
A família nos ajudou como pôde. Minha comadre, por exemplo, conseguiu trocar algumas milhas por passagens para mim. Mas mesmo assim, eu e meu marido contraímos muitas dívidas e fizemos dois empréstimos no valor total de R$ 20 mil para pagar exames, passagens, hospedagem e até advogado para conseguir a medicação que eu precisava.
O medicamento para tratar a amiloidose é o tafamidis, um remédio de alto custo fornecido pelo SUS. Existem duas doses, a de 20 mg (correspondente a 1 cápsula por dia) e a de 80 mg (correspondente a 4 cápsulas por dia). Durante seis meses fiquei tomando a medicação de 20 mg até entrar na Justiça e conseguir o fornecimento da dose recomendada pelo meu médico, que era de 80 mg.
Em meio a esse processo, iniciei um trabalho de conscientização na minha família pra gente descobrir se havia mais pessoas com a doença —comecei com as minhas outras duas irmãs, que fizeram o teste genético e deu positivo.
Criei um grupo da família no WhatsApp e expliquei a situação. Alguns ficaram preocupados e fizeram o teste, outros saíram do grupo e ficaram resistentes.
A descoberta foi algo impressionante que assustou a gente e até os médicos. Até agora, 57 pessoas da minha família fizeram os testes, desses: 27 deram positivo para amiloidose hereditária —incluindo eu—, 26 deram negativo e 4 estão aguardando resultado. Desde então, alguns têm investigado mais a fundo para saber se existe o comprometimento de algum órgão específico e outros já descobriram que também têm comprometimento cardíaco.
Por meio dos testes dos descendentes que deram positivo para a doença, supomos que 25 pessoas na família que morreram por problemas cardíacos possivelmente tenham morrido por conta da amiloidose cardíaca. Acreditamos que a mutação começou há muitas gerações.
Me associei à Associação Brasileira de Paramiloidose, uma instituição sem fins lucrativos cujo objetivo é ajudar, promover debates e fornecer informações sobre a paramiloidose. Desejo que por meio da minha história, a amiloidose seja mais conhecida, mais estudada, as pessoas recebam o diagnóstico precoce, tenham acesso ao tratamento de uma forma mais completa pelo SUS e quem sabe até descubram uma cura que possa alcançar as próximas gerações da minha família e de outras que também convivem com a doença."
Saiba mais sobre a amiloidose
1) O que é amiloidose?
A amiloidose é um grupo de doenças raras causadas pelo depósito de proteínas insolúveis no corpo, isto é, elas se depositam nos órgãos e tecidos. Esses locais são chamados de depósitos de amiloides, que favorecem o aparecimento de fibras nos tecidos e se tornam incapazes de serem eliminadas pelo organismo, diferentemente das proteínas normais produzidas pelo corpo, que são capazes de circular normalmente.
2) Quais são os tipos de amiloidose?
Existem pelo menos 23 proteínas diferentes relacionadas à doença, algumas delas são:
- Amiloidose hereditária, que pode ser herdada e atinge, principalmente, o sistema nervoso e o coração. Os sintomas costumam ocorrer da meia idade à velhice;
- Amiloidose primária: o distúrbio se inicia na medula óssea e afeta os rins, coração, fígado, trato gastrointestinal e nervos;
- Amiloidose relacionada à diálise: é frequente em pacientes que sofrem de insuficiência renal e fizeram diálise por muito tempo. Atinge as articulações e tendões, causando dor e rigidez.
3) O que é a amiloidose cardíaca?
Quando a amiloidose se concentra no coração, essa doença passa a ser chamada de amiloidose cardíaca. Cerca de 50% dos casos de amiloidose envolvem o coração, e em 5% dos casos ele é o único órgão afetado pela doença.
4) Quais os sintomas da amiloidose cardíaca?
Os sintomas e sinais da amiloidose cardíaca são parecidos com os de outras doenças do coração, o que pode se tornar um desafio para médicos que não estão familiarizados com essa doença rara, levando a um diagnóstico tardio e contribuindo para o avanço dela. Os sintomas são: falta de ar, inchaço nos membros inferiores e fadiga, que são semelhantes aos da insuficiência cardíaca, por exemplo.
Os pacientes também podem manifestar sinais e sintomas em outras partes do corpo, como dormência, formigamento e dores intensas nas mãos. Os tipos de amiloidose transtirretina podem causar depósito de proteínas anormais nos tecidos moles, como os nervos. A manifestação mais comum é a síndrome do túnel do carpo, causada pela compressão dos nervos do punho. Ainda pode acarretar deformidade na região do bíceps, causada pela ruptura espontânea de um dos tendões da região.
A pessoa pode sentir dor e cãibra nas pernas que podem ser provocadas pelo estreitamento do espaço central da coluna gerado pelo depósito das proteínas anormais —o estreitamento dessa região pode pressionar a medula espinhal e os nervos.
5) Quais as principais limitações que a amiloidose cardíaca causa?
Cansaço, falta de ar para atividades --desde as corriqueiras até as que demandam mais esforço--, inchaço nas pernas, sensação de palpitação, desmaios, entre outros.
6) Quais os tratamentos da amiloidose cardíaca?
O tratamento da amiloidose cardíaca é traçado pelo cardiologista a depender do tipo de proteína envolvida, da idade e de preferências do próprio paciente.
Geralmente, o tratamento é dividido em duas partes: amenização dos sintomas para melhorar a qualidade de vida, interrupção da produção da proteína que gera a doença ou estabilização das proteínas instáveis. Além disso, pode ser indicado o uso de diuréticos e restrição de sal na dieta para controlar a insuficiência cardíaca, o uso de marcapassos para melhorar o funcionamento do órgão no que diz respeito à condução de impulsos elétricos pelos nervos intracardíacos.
A quimioterapia é indicada com objetivo de reduzir o número de proteínas danosas no caso das doenças hematológicas serem as causas da amiloidose. Em casos específicos, o transplante de coração é recomendado devido à alta taxa de complicação em portadores da doença.
A amiloidose cardíaca não tem cura, mas com o diagnóstico e tratamento corretos, o paciente terá mais qualidade de vida.
Fonte: Márcia Waddington Cruz, médica neurologista, responsável pelo Centro de Estudos em Paramiloidose Antônio Rodrigues de Mello e diretora adjunta da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
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