Sempre na lista dos mais vendidos, livros de autoajuda funcionam mesmo?
É difícil precisar quando os seres humanos começaram a consumir o que hoje se conhece por autoajuda, um método de aprimoramento pessoal para solucionar problemas emocionais e superar dificuldades. No Egito Antigo, por exemplo, havia o "sebayt", gênero cujas obras eram escritas com o intuito de transmitir os saberes dos faraós a seus sucessores. Mas, oficialmente, a primeira publicação com o título "autoajuda" surgiu apenas em 1859 e foi escrita na Escócia.
Hoje, na lista de livros mais vendidos no Brasil e no mundo estão os de autoajuda, seguidos pelos de finanças pessoais. O segredo para fazerem tanto sucesso? Um mix de variedade, preços relativamente acessíveis e promessas de múltiplos benefícios. Experiências, superações e estratégias pessoais contidas neles são empregadas para alguém se encorajar, se conhecer melhor, contornar infortúnios, saber lidar com os outros, ampliar habilidades.
Mas o que pensam a respeito especialistas em saúde mental? Livros desse gênero ajudam ou atrapalham indivíduos que estão em busca de escrever sua própria trajetória de forma mais compreensiva, saudável e adequada à realidade em que vivem? Eles poderiam substituir, eventualmente, acompanhamento médico e psicoterapia?
Seja para valorizar mais autoestima e criatividade, seja para contornar dramas familiares e mágoas do passado, ou até concorrer a uma disputada vaga de liderança, livros de autoajuda devem ser encarados apenas como meios de se obter informação, cultura e entretenimento, o que cabe a todos os livros. Sem intervenção de profissionais, não tratam a raiz de nenhum problema, explica Danielle Figueiredo, psicóloga no Hospital São Rafael, da Rede D'Or, em Salvador (BA).
Portanto, esses livros não substituem o trabalho feito por psiquiatras e psicólogos, que são habilitados, respectivamente, em diagnosticar pacientes, prescrever medicamentos, se necessário, e, na psicoterapia, ajudar a analisar e compreender o que sentem e vivenciam para que solucionem muitas situações que sozinhos não conseguem. "Dão suporte individualizado, pois cada sujeito é único e porta uma subjetividade singular, complexa, intensa", diz Figueiredo.
Mas é injusto concluir que autoajuda não tenha pontos positivos. Ela propõe reflexões, serve, embora passageiramente, para se satisfazer e elevar o humor e pode ser útil para iniciantes em leituras, sobretudo de temas direcionados a comportamentos humanos. Assim, há chance de se despertar um interesse verdadeiro pelo assunto, compreender um pouco melhor alguns termos, e até levar a investigações ou mesmo motivar uma iniciativa de se procurar ajuda.
Por que as pessoas gostam de livros de autoajuda?
Autoajuda não fala somente de autores, mas também de leitores. Quem se interessa por esse tipo de conteúdo faz isso por hobby ou, como já citado, para se aprofundar sobre aspectos emocionais e psicológicos antes de querer partir para uma consulta, terapia, ou graduação nessa área. Outros se contentam com os livros, por não terem alguém que possa lhes ouvir e orientar, ou porque são muito reservados ou se frustraram com tratamentos que já fizeram.
"Não ter condições financeiras para contratar um especialista em saúde mental ainda é uma possibilidade", aponta Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e doutor em neurociência do comportamento. Embora continue que seja possível obter assistência e cuidados gratuitos em instituições, como CVV (Centro de Valorização da Vida), CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), ONGs e universidades públicas.
Outra hipótese é de que certos leitores de autoajuda, geralmente de gerações mais jovens e acostumadas com o imediatismo, priorizam "soluções fáceis". Algumas apresentadas nos livros realmente são, mas nem todas, e não significa que colocá-las em prática seja algo igualmente simples. Depende da proposta e muito de perfil individual e vida que se leva, pois problemas e níveis de instrução e inteligência emocional afetam a forma como se extrai e aplica o que se lê.
Boas escolhas evitam prejuízos
Pessoas que induzem outras a erros —e decepções—, que não cumprem o que ensinam, ou só visam dinheiro fácil existem em todos os meios, e na indústria de livros de autoajuda não seria diferente. Por isso, para não ser vítima de charlatães, o primeiro passo é compreender que nenhuma mudança é um processo fácil, que ocorre repentinamente e depende unicamente de você, pontua Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador (BA).
"Fuja de quem promete soluções instantâneas e milagrosas, sem persistência e paciência. Elas não existem e podem até se multiplicar em ansiedade e compulsão por manuais do tipo", afirma Batista, acrescentando que alguns escritores ainda pregam que tudo se resolve com exagero de positivismo, foco em poder e ascensão social, e fazem misturas controversas de teorias com temas pseudocientíficos, religiosos, filosóficos, com distorções interpretativas.
Posto tudo isso, recomenda-se checar de antemão vários fatores, como autor, que requer um vasto currículo com relação ao tema tratado, além de sinopse, índice, escrita, se é didática ou exige experiência prévia para ser compreendida, além de avaliações de leitores e número de tiragem. Se o livro é uma tradução, se esse processo foi bem feito, revisado. À primeira vista, parece simples pegar o que ler na prateleira, mas é preciso atenção a uma série de detalhes. E se estiver sofrendo, procure ajuda especializada.
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