Estudo aponta por que pacientes com demência sofrem diante de mudanças
Maria del Carmen tinha 72 anos quando foi diagnosticada com Alzheimer. Antes disso, havia meses que a família observava episódios atípicos em seu comportamento comumente ativo, como repetições de perguntas, esquecimento de informações recentes e muita dificuldade de processar mudanças, fosse em tópicos de conversas, fosse se localizar em ambientes diferentes.
A situação não é incomum entre os pacientes com algum tipo de demência. Uma pesquisa recente do Centro de Pesquisa Biomédica de Cambridge, apoiada pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde e Cuidados, do Reino Unido, apontou o motivo por trás dessa dificuldade de processar e lidar com situações inesperadas: danos a células de uma área do cérebro conhecida como "rede de demanda múltipla'', que abriga a inteligência geral.
Para esta investigação, os pesquisadores analisaram registros de 123 pessoas, que receberam correntes elétricas em microcampos do cérebro durante a exibição da série Planeta Terra. Deste total, 48 eram saudáveis e 75 apresentavam diferentes demências e sintomas em áreas distintas do cérebro.
O programa estava sem a trilha sonora, que deu lugar ao toque padronizado de bipes periódicos, além de bipes diferentes e ocasionais. Como resultado, observou-se que as pessoas saudáveis reconheceram facilmente os dois tipos de bipes, mas entre os pacientes com demência a resposta para o segundo bipe foi baixa, indicando dificuldade diante de mudanças. Os danos às células foram confirmados em imagens das reações destes pacientes na estrutura do cérebro.
Para Álvaro Machado Dias, neurocientista, colunista de Tilt e professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), reconhecer um sintoma comum aos variados tipos de demências sugere que os tratamentos podem ser unificados e avaliados à luz dos seus impactos na inteligência fluida, que é algo que nos caracteriza como espécie.
O pensamento é compartilhado por Kleiton de Barros Borges, neurologista e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que acrescenta a importância da descoberta para o melhor entendimento da demência, possibilidades de tratamentos e prevenções mais efetivas, para evitar que ela se instale.
Como as mudanças afetam os pacientes com demência
Segundo Borges, as células danificadas também justificam o agravamento diante de mudanças na rotina, "especialmente se houver isolamento social e maior espaço para solidão, devido à privação de experiências sensoriais que são tão importantes aos pacientes''.
As diferentes lutas diante de mudanças são difíceis e causam angústia para todos os envolvidos. Se por um lado o paciente se sente desorientado, por outro a família e cuidadores precisam munir-se de paciência, para repetir as informações até que o cérebro perceba o que mudou, resultado que nem sempre é alcançado em estágios mais avançados da doença.
Anelise Fonseca, doutora em geriatria e coordenadora do Serviço de Geriatria do Hospital Adventista Silvestre (RJ), explica que a progressão da demência pode levar cerca de 20 anos, sendo: fase inicial de cinco a sete anos; moderada mais cinco anos; avançada também cinco anos; e fase terminal, que perdura por um ou dois anos.
Sandra Sanchez Lorenzo, 56, é filha de Maria del Carmen e conta que um dos primeiros sintomas notados pela família, na fase inicial da doença, foi durante as conversas, quando a mãe parecia perder parte dos diálogos.
Com o passar do tempo e avanço da demência, vivenciaram uma situação mais forte: em uma viagem, del Carmen mostrou-se muito desorientada, sem conseguir processar a localização dos cômodos, armários de utensílios e mantimentos.
A experiência é esclarecida por Ivan Hideyo Okamoto, coordenador do Nudec (Núcleo de Envelhecimento Cerebral) da Unifesp e membro do Instituto do Cérebro, na Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SP), que elucida que mudanças bruscas na rotina do paciente o fazem perder suas referências. Sobretudo em estágio mais avançado, causam muita irritabilidade, instabilidade emocional e, consequentemente, levam à maior introspecção.
Isso também fica evidente no relato de Natasha Rodrigues, 31, que cuidou da avó Olga Mastrangelo, durante oito anos em seu enfrentamento à demência. A matriarca tinha grande apego à família, ao cotidiano e à casa onde morava havia 30 anos.
Durante a progressão da doença, Mastrangelo só aceitava cuidados já estabelecidos anteriormente pela família, fato que fez a neta deixar a cidade onde morava, em Duque de Caxias (RJ), para morar com a avó, na capital carioca.
Evidencia também os profundos impactos imprimidos em pacientes com demência após o período dos cerca de dois anos de enfrentamento à Sars-CoV-2. Segundo Okamoto, "em consultório é possível observar que quem já tinha comprometimento piorou e quem não tinha pode ter começado a apresentar algum grau de alteração de comportamento, como depressão, irritabilidade, ansiedade e quadros de pânico".
Ainda segundo ele, "não é possível quantificar se estas observações resultam do período de isolamento ou da evolução da própria doença".
Aos familiares, os especialistas recomendam estabelecer, o quanto antes, rotinas leves e prazerosas, que levem ao cuidado, socialização e exercício do corpo e da mente, como: horário para cada atividade, incluindo refeições e higiene, atividades com jogos, exposições artísticas, leituras, danças, caminhadas, novas experiências que sejam do agrado do familiar, além de uma boa noite de sono.
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