Tem pensamentos perturbadores e repentinos? Saiba o que são e como lidar
São chamados de pensamentos intrusivos aqueles que vêm à mente de imprevisto e causam enorme angústia. Você pode estar em meio a um teatro lotado, quando, do nada, se imagina levantando da poltrona e xingando todos, sem nenhum motivo aparente. Ou então notar um cachorrinho fofo passeando e imediatamente ser tomado por imagens dele agonizando. Há quem ainda seja atribulado por ideias inaceitáveis envolvendo sexo, delitos, escatologias.
"Pessoas que experimentam pensamentos assim, envolvendo atos estranhos, abominações, ficam com medo de que eles assumam o controle de suas decisões, ou temem que signifiquem algo terrível sobre elas, como uma falha de caráter, talvez até um aviso de que algo muito ruim está prestes a acontecer", explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).
O médico acredita que milhões de indivíduos pelo mundo passam, passaram ou passarão, em algum momento, por situações dessas. Ocasionalmente e de forma breve, elas são encaradas como normais, pois o cérebro, bombardeado por informações de todos os lados, está sujeito a produzir pensamentos inúteis. Se você não der atenção a eles, se dissipam, o que acontece na maioria das vezes. Porém, alguns sujeitos agem de forma contrária, assim eles se instalam.
O oposto do que se sente
Quando pensamentos intrusivos se tornam frequentes, é porque, em geral, por trás deles há gatilhos como ansiedade, insegurança, compulsividade, sugestionabilidade, impulsividade, sentimento de culpa. Portanto, o sofrimento do sujeito não está diretamente —e apenas— atrelado ao conteúdo ruim que prende sua atenção, mas a uma falta de domínio sobre os próprios impulsos e que, se não trabalhados, não lhe permitem mudar o foco para outra coisa.
Mas apesar de existir essa relação, não significa que ideias indesejáveis reflitam desejos íntimos. "Existem muitos mitos a respeito desses pensamentos, como inconscientemente querer realizá-los, ou estar alinhado com eles, o que não é verdade. O oposto é que é verdadeiro: os pensamentos vêm, sem que sejam desejados, ou façam parte do contexto da realidade. Prova é que há um desacordo, uma luta contra eles", afirma Scocca.
Pessoas que amam a vida, por exemplo, podem estar contemplando um pôr do sol incrível quando de súbito pensam em morte, em ficar cego, durante aquele momento. Já quem é religioso, durante um culto, uma oração, em renegar a própria fé, profanar algo sagrado. São ideias sabotadoras, sem sentido algum, e que causam apreensão, estresse, vergonha, podendo envolver ainda dúvidas repetitivas sobre relacionamentos, decisões, autoidentidade, afazeres.
Transtornos podem estar envolvidos
O esforço que alguém atormentado por um pensamento intrusivo faz para combatê-lo e obter um alívio passageiro é que o retroalimenta, uma característica do TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Com essa condição patológica, há uma necessidade, às vezes desesperadora, de se livrar de algo que gruda na mente, advindo de uma preocupação irracional. Essa obsessão então leva a comportamentos repetitivos e que podem ser dos mais variados possíveis.
"Como excessivamente limpar objetos, estalar os dedos, rezar e se benzer, fazer telefonemas, ou até mesmo checar várias vezes algo que executou, como se trancou direito as portas. Tudo isso na tentativa —em vão— de amenizar os pensamentos obsessivos. Muitas vezes, os sintomas se tornam tão intensos que a pessoa evita até mesmo sair de casa e se isola", informa Juliana Casqueiro, psiquiatra no Hospital São Rafael, da Rede D'Or, em Salvador (BA).
Além do TOC, também podem explicar a origem dos pensamentos intrusivos: neuroses, transtorno do estresse pós-traumático, de ansiedade generalizada, depressão, em que o pensamento predominante é de fracasso, inferiorização, suicídio. Mas pode ocorrer de se ter quadros muito mais brandos, no início, e com as repetições dos "rituais" para amenizá-los e os consequentes desconfortos psíquicos gerados, os sintomas, de forma gradual, se intensificarem.
Como cessar ou lidar com pensamentos
Quem sofre com pensamentos intrusivos pode gastar horas tentando se livrar deles, além de, eventualmente, se machucar, quando crê que para concluir esse objetivo requer cumprir alguma tarefa de risco, ou incessante, como lavar as mãos diversas vezes seguidas. Sem falar que perde tempo, prejudica relações, trabalho, cabendo a quem perceba isso ajudar com acolhimento, escuta e incentivos e encorajamento para se procurar ajuda de profissionais.
"Sem esse apoio, o indivíduo, por mais que sofra, pode ficar paralisado, preso na compulsão obsessiva por dias, às vezes anos seguidos. Daí que o quadro se cristaliza e exige muito mais empenho para ser revertido. Tratamentos em geral (psicoterapia associada a medicamentos) surtem bons resultados, embora existam, sim, algumas limitações", aponta Henrique Bottura, psiquiatra colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Para superar ou aprender a conviver, lidar com reentrâncias mentais muito persistentes se faz necessário ainda aprender e adotar estratégias de enfrentamento que reduzam a sensibilidade a elas. Em conjunto com técnicas terapêuticas específicas, vale investir em meditação, fazer atividade física, ouvir música. O objetivo é deslocar os pensamentos intrusivos para o fundo, reforçando os que sejam positivos e fazer o paciente reconhecer que não refletem vontades ou verdades. A compreensão disso é um ponto fundamental para a possibilidade de melhora.
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