Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Prematuros, gêmeos Miguel e Davi nascem em dias e estados diferentes

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

03/05/2022 04h00

Quando descobriu que estava grávida de gêmeos, Marina Kirzner Malagueta, 34, arquiteta e empresária, planejou todos os detalhes. Viajaria para o Recife, sua cidade natal, para ter os bebês perto de sua família, e se tudo desse certo faria uma cesárea com 38 semanas de gestação. Mas sabe aquelas coisas que acontecem na vida que só Deus explica, diz Marina à nossa reportagem, nada disso aconteceu.

Com 27 semanas de gestação, Marina deu à luz os gêmeos Miguel e Davi, o que poderia ser apenas mais um caso de prematuridade extrema. O curioso nessa história, no entanto, é que Miguel nasceu no dia 28 de janeiro de 2022, às 5h36, em Resende (RJ). Já Davi veio ao mundo em 29 de janeiro de 2022, às 18h10 em São Paulo (SP), ou seja, um dia depois —mais precisamente 36 horas e 34 minutos após o nascimento do irmão.

No dia 26, Marina estava sozinha em sua casa, em Resende, quando a bolsa estourou. Ela pediu uma carona para sua diarista, Rose, e foi para o hospital. Ao chegar lá, fez exames, descobriu que estava com 3 cm de dilatação e que Miguel já estava encaixado, prontinho para nascer: "Fiquei desesperada, tinha muito medo dos meus filhos nascerem tão prematuros e morrerem".

Transferida para a Maternidade Apmir (Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Resende), Marina tomou medicação para tentar inibir o trabalho de parto, pois já tinha contrações a cada 10 minutos. No meio de tudo isso, conseguiu falar com a família e pedir que viessem ficar com ela.

O marido, o engenheiro Thiago Malagueta, 36, estava em Belo Horizonte numa viagem a trabalho. A mãe, a pediatra neonatologista Verônica estava no Recife, onde mora, e a irmã, a médica intensivista Paula estava trabalhando em São Paulo.

E (só) Miguel veio ao mundo...

Gêmeos que nasceram em dias e estados diferentes - Divulgação - Divulgação
Miguel na maternidade de Resende (RJ)
Imagem: Divulgação

Todos rezavam para que os bebês ficassem por pelo menos mais uma semana na barriga de Marina, mas com 27 semanas e 4 dias, Miguel nasceu de parto normal e a placenta dele ficou retida no útero de Marina. "Miguel nasceu roxo, pesando 1,100 kg, muito magrinho. Logo foi intubado e levado para a UTI neonatal", lembra a arquiteta, que se preparava para receber Davi, mas que para sua surpresa, não chegou no tempo que ela imaginava.

"Após o nascimento de Miguel, esperamos na sala de parto por aproximadamente 1 hora, mas Marina parou de ter contrações. Podemos dizer que houve uma pausa na evolução das contrações, ou seja, um período de latência no trabalho de parto", conta Camila Fernandes, ginecologista e obstetra que fez o parto da empresária na maternidade Apmir, no Rio.

Ainda segundo a médica, que é concursada da Prefeitura Municipal de Resende, atua no ambulatório de ginecologia e faz parte da equipe de cirurgia ginecológica do SUS, não existe um tempo definido para o nascimento do segundo gemelar após o nascimento do primeiro.

"Em geral, e na maioria dos casos, acontece espontaneamente alguns minutos ou horas depois. No caso da Marina, esse intervalo foi prolongado e atípico, mas existem relatos de situações semelhantes na literatura", diz.

Com um filho na UTI e o outro na barriga, o quadro de Marina era estável e um ultrassom mostrou que Davi estava bem. "Tomei um banho e fui ver o Miguel. A cena foi chocante. Ao vê-lo tão pequeno e frágil, minha vontade era que Davi permanecesse dentro de mim o máximo de tempo possível para ganhar peso e continuar se desenvolvendo."

A saga da ida para São Paulo

Gêmeos que nasceram em dias e estados diferentes - Divulgação - Divulgação
Marina na ambulância em direção à São Paulo
Imagem: Divulgação

Embora Marina e Miguel estivessem sendo atendidos na Apmir, a empresária e a família se sentiriam mais seguros se Davi nascesse num hospital com mais estrutura e recursos, onde os gêmeos teriam uma assistência especializada em prematuridade extrema.

"Era um risco, mas sabia que era o melhor que podia fazer pelos meus filhos. Começamos uma corrida contra o tempo ligando para as principais maternidades de São Paulo para ver quem aceitava o meu caso, mas recebemos três negativas. Foi um caos. Minha mãe ligou para uma prima perguntando se a obstetra dela não aceitaria fazer o meu parto. Ela aceitou e ligou para o diretor do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, da Rede D'Or São Luiz, que conseguiu as três vagas", lembra Marina.

Verônica, mãe de Marina, cogitou levar todo mundo em seu carro e pegar a estrada para São Paulo, mas a ideia era inviável devido ao risco do nascimento de Davi e porque Miguel estava intubado. O transporte por helicóptero também não era recomendado por causa da altitude e trepidações do voo. A avô dos gêmeos conseguiu então duas ambulâncias com UTIs pelo convênio.

A essa altura, já fazia mais de 30 horas que Miguel tinha nascido e o irmão continuava no útero da mãe. De acordo com Karla Giusti Zacharias, ginecologista e obstetra do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, que fez o parto de Davi em São Paulo, o segundo gemelar pode ser mantido na placenta o tempo que for necessário desde que não envolva riscos para a mãe e para o bebê.

Em situações como estas, os maiores riscos são o descolamento da placenta do feto ainda no útero —a do Davi — e infecções. No caso de Marina, a placenta do primeiro gemelar, Miguel, ficou no útero, aumentando ainda mais o risco de infecção.

"Várias medidas, como internação, monitorização com exames de sangue, exame físico e uso de antibiótico, são tomadas para prevenir uma possível infecção e para que não haja complicações para mãe e filho. Sempre gosto de falar que existe o risco e o benefício. Quando o risco é maior do que o benefício, a gente muda a conduta. Ou seja, na hora que existe risco para um dos dois, e que estar fora do útero é melhor do que estar dentro, o parto é realizado", explica Karla Zacharias.

Gêmeos que nasceram em dias e estados diferentes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Já dentro da ambulância junto com o marido, Marina se revezava entre perguntar de Miguel, conversar com Davi pedindo para ele não nascer no caminho e tentar dormir para não sofrer com enjoos e controlar a ansiedade. Na outra ambulância, a avó materna acompanhava Miguel. Ambos os veículos contavam com médicos e enfermeiros para auxiliar.

Maria Augusta Gibelli, diretora médica do São Luiz Itaim, explica que o maior risco para Marina era que Davi nascesse durante o trajeto: "Seria difícil garantir equipe para dar o suporte necessário para ela e, principalmente para o bebê, que sendo prematuro, precisaria de cuidados intensivos nesse começo de vida. Além disso, havia riscos de complicações no pós-parto imediato, como sangramentos".

Após quase 300 km de distância e quatro horas de viagem, Marina chegou na maternidade em São Paulo por volta das 14h já com algumas contrações.

36 horas depois, Davi chegou

"Quando ela entrou em trabalho de parto novamente, a gente viu que existiam alguns sinais de infecção que foram confirmados posteriormente pelo exame da placenta. Por isso, o útero começou a contrair. O organismo entende que se tem uma infecção no útero, ele precisa eliminar o foco dessa infecção que, no caso, seria o bebê, a placenta, a bolsa e a membrana amniótica. O útero contrai para que essa infecção não acometa o sistema inteiro da mãe, levando a uma septicemia, por exemplo. A gente conseguiu eliminar a infecção entrando com antibiótico para a mãe e tirando o foco dessa infecção que é o bebê", explica Zacharias.

Gêmeos que nasceram em dias e estados diferentes - Divulgação - Divulgação
Davi na incudora no Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, da Rede D'Or São Luiz, em SP
Imagem: Divulgação

A placenta de Miguel, que estava retida no útero de Marina, também saiu durante o parto de Davi. O bebê nasceu de forma natural, pesando 1,3 kg, às 18h10, 36 horas e 34 minutos depois do irmão. Davi foi levado para a UTI neonatal, mas não precisou ser intubado.

"Foi um alívio enorme e uma felicidade quando ele nasceu, tinha muita fé e otimismo de que os dois iriam ficar bem", desabafa Marina.

Daniela Matos Fiorenzano, coordenadora da UTI neonatal do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, onde Miguel e Davi ficaram internados por 80 dias, diz que já tinha visto gêmeos nascerem em dias diferentes, por via de partos diferentes, mas nunca em estados diferentes.

"É uma situação totalmente inusitada, mas que felizmente estávamos prontos para atender. Os prematuros precisam de ajuda para respirar, se alimentar, manter a temperatura e às vezes de antibióticos. Com o Miguel e o Davi não foi diferente. Não houve necessidade de nenhum cuidado fora os habituais para a faixa de peso e de idade de nascimento", diz.

Gêmeos que nasceram em dias e estados diferentes - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Os gêmeos receberam alta do hospital no último dia 19 de abril: o fluminense Miguel, pesando 2,490 kg; e o paulista Davi, com 2,760 kg. Hoje com três meses de vida, os bebês estão bem, saudáveis e não tiveram nenhuma sequela.

"Tenho muita gratidão por todos os envolvidos comigo nesse processo. Agradeço o cuidado da minha obstetra no Rio, a equipe de anjos que me acolheu em São Paulo, a minha família que apoiou e encorajou minha decisão e a Deus que me protegeu e me abençoou com a vida dos meus dois filhos. Após essa aventura, tudo o que quero é curtir o Miguel e Davi e ficar um bom tempo longe de hospital", conta Marina, rindo.