Ela ficou tetraplégica ao cair de balanço: Cadeira de rodas não é vergonha
Sempre que ia para sua casa de veraneio na Praia do Rosa, em Santa Catarina, Sabrina Ferri, 42, se divertia num balanço que imitava uma prancha de surfe no ar, mas em maio de 2008, aos 28 anos, ela sofreu uma queda de uma altura de 7 metros e ficou tetraplégica.
Quatorze anos depois do acidente, a escritora lida bem com sua condição, é engajada na causa e participa anualmente da Wings For Life World Run, uma corrida global beneficente pela cura da lesão medular. Conheça a história dela:
"Há pelo menos dez anos usava o balanço quando ia para minha casa na praia. Ele ficava de frente para o mar, qualquer pessoa poderia usá-lo. Eu era uma das poucas mulheres que o usavam, minhas amigas me perguntavam se não tinha medo, eu dizia que não, porque era gostoso, me divertia.
No dia 24 de maio, estava acompanhada das minhas amigas quando fui andar no balanço como sempre fazia, mas nesse dia, numa fração de segundos, escorreguei e caí no chão de uma altura de aproximadamente 7 metros.
Não tive um arranhão, mas na hora senti uma dor forte na cervical e não consegui movimentar meu corpo. Foi uma sensação estranha porque queria me mexer, mas não conseguia. Como sou formada em educação física, sabia da probabilidade de ter fraturado uma vértebra e ter tido uma lesão na medula.
Chamaram o Corpo de Bombeiros, fui levada para um hospital local, posteriormente fui transferida para Florianópolis e depois para Porto Alegre. Essa demora me deixou muito angustiada, pois acreditava que quanto mais rápido me operassem, mais chance teria de recuperar os movimentos.
Na minha cabeça só vinha a imagem do ator Christopher Reeve, o Super-Homem, que ficou tetraplégico ao cair de um cavalo.
Chegando em Porto Alegre, fui direto para a sala de cirurgia, fizeram um procedimento chamado artrodese para fixar minha vértebra. Minhas lesões foram na altura C4/C5 —perdi os movimentos dos ombros para baixo. O cirurgião disse que o procedimento foi bem-sucedido, mas que não poderia dizer o que ia acontecer e que precisaríamos observar como meu corpo ia responder.
No começo, vivi um período de luto, não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo, mas não podia negar. Dependendo da gravidade da lesão medular, ela pode ser uma das condições traumáticas mais incapacitantes. No meu caso, ela tirou de mim o que mais dava importância na vida: minha independência e autonomia.
Alguns dias após a cirurgia, fui transferida para o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, em Brasília, onde fiquei por quase dois meses. Nesse período inicial, sentia uma tristeza profunda ao me olhar no espelho e não me reconhecia naquela imagem.
A primeira coisa que aprendi lá foi como me enxergar no meu novo corpo e na minha nova condição. O segundo ponto foi tentar entender que sempre teria alguém para fazer as coisas em mim e por mim: dar banho e trocar de roupa, por exemplo.
Na minha cabeça, porém, meu único pensamento era fazer o máximo de fisioterapia que aguentasse para depender o mínimo de alguém. Fazia fisioterapia todos os dias, por 3, 4 horas, era uma rotina pesada. Um tempo depois de sair do Sarah, fui para um renomado centro de reabilitação na Itália, onde fiquei por três meses.
Lá encontrei diversos pacientes com níveis de lesão semelhantes à minha. Entre eles, lembro de um menino tetraplégico, cuja mãe costumava falar com a minha e certa vez entrei na conversa para ajudar na tradução. Ela contou do quadro depressivo, típico de pós-lesão que ele estava enfrentando, pois o garoto não tinha vontade de fazer nada com o argumento de não que não iria voltar a andar.
A mãe desse jovem falou uma frase que ficou ecoando na minha cabeça: 'Se fosse só o não voltar a andar'. Na hora pensei: 'Como assim? Voltar a andar é tudo'. Depois fui entendendo que essa era só uma parte da complexa realidade que é viver com as consequências de uma lesão medular.
A lesão medular é cruel, ela surge num piscar de olhos, trazendo uma série de problemas que afetam nosso organismo. Como sequela da condição, além da perda motora, também tive perda sensorial e de temperatura.
Meu plano de saúde dá cobertura para três técnicas de enfermagem que se revezam nos cuidados comigo. O grande diferencial da relação com essas funcionárias, que se tornam companheiras, é que através delas eu desenvolvo minha autonomia, elas são o que tenho mais próximo da minha independência.
Adorava cozinhar, é algo que de alguma forma busco preservar quando vou para cozinha e participo do processo ativamente, escolhendo o cardápio, ensinando a receita. Elas não apenas fazem a comida e me dão na boca como se eu fosse uma criança.
É comum as pessoas confundirem essa situação e dirigirem a elas uma fala que deveria ser dita a mim: 'Ela está com fome, dá uma banana para ela'. Não é assim, se eu estiver com fome, eu mesma vou pedir o que quero comer! Apenas um exemplo das falas capacitistas tão comuns na nossa sociedade.
Uma outra coisa que amava e sinto falta é o esporte, em especial da corrida, que adquiri como hábito na adolescência. No começo, a corrida era só um treino de aquecimento para a capoeira, mas já na fase adulta virou uma terapia para mim. Adorava correr após um dia de estudo ou trabalho, me fazia bem.
Um dia vi um vídeo sobre a Wings For Life World Run, uma corrida beneficente que ocorre simultaneamente em mais de 100 países. Ela tem alguns diferenciais, a pessoa pode correr de onde quiser, não existe meta de km ou linha de chegada. No entanto, o mais incrível para mim é a finalidade do evento, que é arrecadar fundos por meio das inscrições para reverter em pesquisas que buscam a cura de lesões na medula espinhal.
Participei da primeira corrida, na estreia do evento em 2014, e nunca mais parei. Todos os anos mobilizo a família, amigos, conhecidos e desconhecidos para aderirem a causa.
Há oito anos corro usando minhas asas simbólicas e o sentimento é sempre o mesmo: me sinto em êxtase e representada por uma ONG que entende a necessidade das pessoas com lesão medular e que se engajam em fazer a diferença.
Com o tempo fui me adaptando na forma de ver e fazer as coisas. Ser uma pessoa prática e centrada me ajudou a fazer mudanças e a investir em novos projetos: fechei a empresa de cereais que tinha e virei escritora, atualmente estou escrevendo meu primeiro romance, é uma obra ficcional e por enquanto não penso em escrever uma biografia. Também me permito ter uma vida social, viajo, vou a festas e shows.
Ter plena consciência e lucidez da minha condição me ajuda a lidar bem com a tetraplegia. Gostaria muito de voltar a andar, mas sei que isso não vai acontecer. É algo que corrijo quando as pessoas falam: 'Tão bonita e numa cadeira de rodas, você vai voltar a andar'. Sei que não vou e não conto com isso, a cadeira de rodas não é motivo de vergonha e nem de medo para mim.
Hoje faço fisioterapia para frear alguns problemas que podem acontecer, como evitar encurtamentos dos músculos e tendões, manter a postura adequada e não ter uma osteoporose prematura.
Ao lembrar da frase daquela mãe na Itália, de que não é só o não voltar a andar, vejo a importância de iniciativas como as da Wings for Life Run, e também da Cure Girls, um grupo do qual faço parte com outras mulheres da Europa, que discutem e divulgam investimentos em pesquisas de lesões medulares.
Acredito que a medicina, ainda que com passos curtos, mas firmes, trará a longo prazo soluções para que pessoas com lesão medular tenham uma melhor qualidade de vida e vivam de uma forma menos incapacitante e com mais autonomia."
Corrida com propósito
A Wings for Life World Run deste ano, uma corrida de rua global, acontece no dia 8 de maio simultaneamente em mais de 100 países. O evento objetiva arrecadar fundos para pesquisas em prol da cura de lesões medulares. O valor da inscrição é de R$ 49 e 100% é direcionado para a fundação Wings for Life e para essa causa especial.
Todos os corredores do mundo começam exatamente ao mesmo tempo —no Brasil, o início é às 8h (horário de Brasília). A prova é feita através de um aplicativo oficial, e a pessoa pode correr de onde estiver: na rua de casa, num parque, numa outra cidade ou até país.
Não existe meta de km ou linha de chegada. Quem determina a conclusão da prova é um Catcher Car —o carro parte 30 minutos depois da largada. A prova de cada participante chega ao fim quando o carro, que vai gradativamente aumentando a velocidade, alcança a pessoa. O último participante a ser alcançado é o vencedor. No caso de quem participa pelo app, o veículo é virtual e funciona exatamente como o Catcher Car das provas com estrutura física.
A Wings For Life World Run foi lançada em 2014 e nesse período já reuniu mais de 925 mil corredores, amadores e profissionais, de 195 países.
Caso queira participar, o link de inscrição é www.wingsforlifeworldrun.com/pt-br/locations/app.
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