Mãe foi sozinha aos EUA para tratar filha que nasceu com pernas invertidas
A paulista Dayane Gomes, 30, cuida da filha Isabella, de dois anos e meio, sozinha nos Estados Unidos. Sofrendo com uma doença rara, que provoca alterações nos ossos, a menina já passou por três cirurgias e agora aguarda a última. Sem poder trabalhar e vivendo uma rotina intensa entre consultas e hospitais, a mãe conta que seu maior sonho é ver a filha andar normalmente. Abaixo, conheça a história das duas:
"Sempre quis ter um bebê. Porém, minha médica me disse que não poderia ter filhos porque tinha um problema no útero e nos ovários. Mas descobri que estava grávida em 2018, um ano depois que parei o anticoncepcional.
Durante o ultrassom morfológico, percebemos algumas coisas diferentes. Descobrimos que minha filha tinha uma bolinha de água na nuca e parecia ter uma hiperflexibilidade. Muitas pessoas disseram para eu interromper a gestação, mas não quis.
Passado o tempo, precisei fazer uma cesárea de emergência e ela nasceu com 35 semanas. Isabella ficou na UTI e tive que esperar para vê-la. Dei à luz às 10h e só pude vê-la às 10h do outro dia.
Quando subi, foi um susto. Eu a vi com as perninhas invertidas e a médica veio conversar comigo. Ela nasceu ainda com as vértebras do pescoço deslocadas, dois joelhos invertidos e deslocados e também com o quadril deslocado.
Não pensei que pudesse ser a síndrome de Larsen e achei que era outra doença. A especialista disse para eu não abandoná-la —já que muitas mães fazem isso— e que a geneticista viria conversar comigo. A médica disse que ela tinha todos os traços e características da síndrome e que precisava realizar diversos exames. Esse procedimento custaria uns R$ 15 mil.
Fomos para casa e, por causa do convênio, conseguimos um home care e fisioterapeutas. Ela precisou colocar sonda na barriguinha porque a síndrome provoca hipotonia e os músculos ficam muito fracos. Por causa disso, ela não conseguia sugar, engolir e corria o risco de os alimentos irem para o pulmão. O aparelho precisou ser colocado para evitar engasgos e pneumonia.
Os médicos me disseram que a síndrome não impacta em nada no desenvolvimento dela, mas acredito que ela tem um pouco de atraso sim. Acho que está começando a se desenvolver mais agora.
Em busca de um tratamento melhor
Assim que descobri a síndrome, comecei a pesquisar e ir atrás de diversos grupos de mães que tinham outros filhos com a mesma doença. Aqui no Brasil não existem tantos médicos que aceitam operar e dizem que essa cirurgia é arriscada. Em médicos que realizavam, o resultado não costumava ser tão bom e a pessoa ainda ficava mancando ou com sequelas.
Uma mãe, que também tinha filhos com Larsen, me contou sobre um tratamento e um médico excelente na Flórida, nos Estados Unidos. Lá, o especialista realizaria o tipo de cirurgia indicada e a Isabella teria um atendimento melhor. Sem falar inglês, comecei a pesquisar, ir atrás de todas documentações, pedir cartas ao hospital e dei entrada no visto americano.
Iniciei uma vaquinha desde quando a minha filha estava internada e continuei arrecadando recursos para a viagem com a campanha. Comecei a fazer rifas também para conseguir o máximo possível de dinheiro. Arrecadei o dinheiro e consegui embarcar. Fomos só nós duas.
Chegada aos Estados Unidos
Cheguei com a minha filha em West Palm Beach (Flórida) no dia 11 de maio de 2021 e já comecei a procurar médicos que aceitassem o seguro saúde que cobrisse neurologista, pneumologista e outras especialidades. Só o seguro que contratei custava US$ 13 mil.
Como meu inglês é 'quebrado', no começo tive a ajuda da comunidade brasileira, e algumas moradoras me ajudavam nas consultas fazendo a tradução.
Ao chegar no local, fui atrás do ortopedista que tinham me indicado, já que estava em contato com ele desde o Brasil. Estando aqui, descobri que ela também tinha problema na coluna. Aí já começou o choque. Não tinha como operar a perna, sem antes mexer na coluna, pois ela precisa de sustentação nesta região.
A primeira cirurgia de coluna foi realizada em junho do ano passado. Em setembro do mesmo ano, ela operou os joelhos e, em fevereiro deste ano, realizou a cirurgia do lado direito do quadril. A última cirurgia durou oito horas, mas o médico disse que ela vai conseguir voltar a andar normalmente, correr e fazer tudo o que uma criança faz.
As outras cirurgias não foram tão pesadas e ela é muito resistente à dor e ao remédio. Até cheguei a me perguntar se fiz a escolha certa, já que ela vai passar por tudo isso. Mas ela é muito ativa, mesmo de gesso, corre, se arrasta pela casa inteira quando pode. Agora, falta só mais uma cirurgia do lado esquerdo do quadril.
Dias difíceis
Eu vim sozinha para cá e é muito difícil. Cuidar dela demanda muito tempo e não tem como socializar. Falo com a minha mãe pelo telefone e só dessa forma consigo ter ajuda psicológica e emocional.
Está sendo um desafio muito grande e um cansaço também. Como não posso trabalhar, priorizo toda atenção para ela e não tenho condições de cuidar de mim. Tenho depressão e síndrome do pânico há muito tempo, mas não tenho recursos para cuidar de mim aqui. Uso remédio para dor nas costas e só consigo dormir desta forma.
Toda vez que estou muito mal, penso que vou ver minha filha andando a cavalo no futuro, nadando e correndo. Quem é mãe só pensa na felicidade do filho. Ela andando, vou ter meu sonho realizado."
Síndrome de Larsen: o que é
Considerada rara, a doença é genética e provoca alterações nos ossos e articulações. De acordo com a Rare Diseases ORG, a condição afeta um a cada cem mil nascimentos no mundo. No Brasil, segundo especialistas, ainda não há dados oficiais sobre a síndrome.
A doença tem como principal consequência o deslocamento e luxações em articulações grandes como quadril, joelho, ombros e coluna. Algumas crianças podem ter fenda palatina, conhecida também como lábio leporino. Segundo a especialista ouvida por VivaBem, 1/5 delas tem esse problema.
Os bebês ainda podem nascer com características faciais bem específicas, sendo as mais comuns testa grande, base do nariz achatada e olhos afastados. A perda auditiva também é comum, que é causada justamente pela má formação dos ossos dos ouvidos.
Alguns indivíduos podem desenvolver problemas respiratórios, que se caracterizam por apneia recorrente ou fechamento parcial das vias aéreas. Embora sofram com diversas limitações motoras, a parte cognitiva não é afetada.
Assim como ocorreu com Dayane, as primeiras manifestações podem ser percebidas ainda na barriga da mãe.
O diagnóstico pode ser feito por radiografias ou testes genéticos no feto ou no embrião. No entanto, esse tipo de exame deve ser solicitado pelo médico ou especialista para que não haja nenhum dano à gestante e ao bebê.
Não existe nenhuma cura para a doença e a terapia mais indicada para dar qualidade de vida ao paciente é por meio de cirurgias ortopédicas, que corrigem desvios e alterações de coluna ou outras partes nos membros.
Com um procedimento cirúrgico bem sucedido, o paciente consegue ter uma vida normal, com poucas ou quase nenhuma sequela.
Fontes: Salmo Raskin, presidente do Departamento Científico de Genética da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e Renata Tenório, médica geneticista do Instituto de Neurologia e Cardiologia de Curitiba e mestre em medicina interna e ciências médicas.
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