Selfies aumentam busca por plástica: 'Quero me encaixar nos padrões'
O crescente aumento na procura de procedimentos estéticos pela "geração selfie", formada por pessoas que cresceram integradas a computadores, smartphones e redes sociais, pode estar ligado a distorções nas imagens provocadas pelos ângulos em que as fotos são tiradas. É o que indica um estudo publicado no dia 22 de abril no periódico Journal of the American Society of Plastic Surgeons.
Segundo dados da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), a procura por plásticas é perceptível, principalmente, entre os mais jovens. A entidade registrou um aumento de 141% no número de cirurgias plásticas entre adolescentes de 13 a 18 anos nos últimos anos, coincidindo com o crescimento no Brasil de plataformas como Facebook e Instagram.
Para investigar como as selfies podem alterar os traços de uma pessoa, os pesquisadores norte-americanos fotografaram individualmente 30 voluntários. Duas imagens foram captadas a 30,4 e 45,7 centímetros de distância, respectivamente, com um celular, para simular selfies tiradas com um braço dobrado ou reto.
Uma terceira imagem foi captada a uma distância de 1,5 metro com uma câmera digital single-lens reflex (DSLR), que é o equipamento geralmente utilizado em clínicas de cirurgia plástica. Todas as imagens foram obtidas na mesma sessão, sob condições de iluminação padrão.
Os resultados através da comparação entre as imagens foram significativos. O comprimento nasal foi, em média, 6,4% maior em selfies com distância de 30,4 centímetros em comparação com a fotografia clínica e 4,3% maior em selfies de 45,7 centímetros de distância em comparação com a fotografia clínica.
Os pesquisadores notaram também uma diminuição de 12% no comprimento do queixo em selfies a 30,4 centímetros de distância, levando a um aumento substancial de 17% na proporção do comprimento do nariz ao queixo. As selfies também fizeram com que a base do nariz parecesse mais larga em relação à largura do rosto. Com a foto clínica, essa proporção diminuiu em 10.8%, comparada à selfie.
A razão que levou a nutricionista paulistana Ana Maria Andrade, 41, a buscar o aconselhamento de um cirurgião plástico para a filha, Joyce, 16, foi justamente o descontentamento com as selfies. "Ela estava infeliz com o nariz, dizia que parecia uma batata. Ela passava muito tempo tirando fotos dela mesma com o celular, depois jogava no computador e analisava", contou. "Quando percebi que ela começou a ficar pra baixo, sem querer ir a festas e coisas assim, eu resolvi levá-la ao consultório de um cirurgião plástico", diz.
Ana diz que Joyce mostrou ao médico, em seu celular, as selfies que, segundo a adolescente, revelavam como seu nariz era "feio". "O médico olhou para as imagens, depois deu uma boa olhada no rosto dela e sorriu. Ele explicou para ela que o nariz dela estava parecendo uma "batata" porque ela tinha tirado fotos muito próximas do rosto. E que era normal a lente distorcer alguns traços. Depois mediu o nariz dela com uma ferramenta e explicou que estava dentro dos padrões. Ela desistiu da cirurgia, pelo menos por enquanto. Eu saí aliviada do consultório".
'Procurava me adaptar para agradar o máximo de pessoas'
O desafio de conseguir a selfie perfeita não é uma obsessão apenas de adolescentes. Com 373 mil seguidores no Instagram, o digital influencer carioca Wallace Robyn, 29, iniciou sua jornada de modificações faciais em busca do autorretrato ideal aos 25, quando decidiu fazer um preenchimento da mandíbula.
"A nossa vida é baseada em selfies e stories e isso faz com que passemos mais tempo nos olhando e querendo nos sentir mais confiantes para cada foto ou vídeo", contou Robyn ao VivaBem. "Isso começou quando eu editava as fotos no Photoshop para dar mais destaque no contorno do rosto. Depois, conversando com uma especialista em harmonização facial, combinamos algo que fosse dar mais destaque e ao mesmo tempo parecesse mais natural".
O influencer diz que, a partir daí, já investiu entre R$ 40 mil e R$ 50 mil em procedimentos estéticos, incluindo uma bichectomia para diminuir as bochechas; uma frontoplastia com avanço capilar para diminuir o tamanho da testa; e inserção de lentes de contato odontológicas para alongar os dentes.
Robyn afirma que recebia muitos comentários negativos em seus posts por conta de sua aparência anterior e garante que eles mexiam com sua autoestima. "No começo, todos os comentários eu tomava como verdade, então procurava me adaptar a todos que comentavam sobre a minha aparência para mudar e agradar o máximo das pessoas".
'Quero me encaixar nos padrões'
Com 216 mil seguidores no Instagram, a empresária e digital influencer carioca Monalisa Moura, 34, conta que iniciou o trabalho de harmonização facial há dois anos e meio, após se cansar de ver tantos "defeitos'' no rosto. "Meu rosto sempre foi muito redondo, tinha muitas olheiras, marcas de expressão, minha boca era projetada para a frente", conta. "A beleza tem um padrão. Além de ser uma satisfação pessoal, eu quero me encaixar nos padrões".
Tendo gasto até o momento cerca de R$ 10 mil em procedimentos estéticos, Monalisa diz que, antes das mudanças, chegava a tirar entre 10 e 20 selfies sequenciais para conseguir escolher uma única imagem que realmente a agradasse. "Hoje não tenho mais esse problema. É só pegar o ângulo certo e uma luz boa que está tudo bem".
Para a influencer, a opinião dos outros é importante na determinação de sua aparência. "A gente vive em sociedade. Se não importasse a opinião de ninguém, a gente andaria na rua como anda dentro de casa. As pessoas me chamavam muito de 'cara de maçã', 'Fofão''. Para quem trabalha com a imagem isso é horrível".
Filtros e engajamento nas redes
Érico Brasil, cirurgião plástico formado pela Universidade Federal do Ceará e membro da SBCP, acredita que o avanço da tecnologia e das lentes fotográficas dos smartphones faz com que as pessoas reparem mais em seus próprios defeitos e, para se sentirem melhor, recorram à cirurgia plástica.
"A maioria dos pacientes que me procuram hoje aqui na minha clínica para fazer uma cirurgia plástica de nariz relata desconforto ao tirar selfies ou fotos com amigos ou família e, por isso, querem fazer uma rinoplastia. A maioria relata que usa filtros nas redes sociais para disfarçar o aspecto do nariz", conta o médico, que atua em Fortaleza (CE) e notou um aumento no número de jovens que procura sua clínica.
"Recebi uma paciente uma vez que gostaria de ter os olhos bem puxados para cima, como uma personagem de desenho japonês. A paciente tinha 19 anos. Descartei fazer o procedimento", diz Brasil, avisando que há limites de atuação da cirurgia plástica. "Devemos atuar para produzir resultados naturais, de forma a entregar o melhor resultado possível para cada tipo de paciente dependendo do formato do rosto, característica física".
Atendendo em consultórios na capital paulista e em Salvador (BA), a dermatologista formada pela FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciência em Salvador) Bárbara Carneiro também tem recebido um número cada vez maior de pacientes jovens insatisfeitos com as selfies. Alguns inclusive já a procuraram para realizar procedimentos estéticos com o intuito de adaptar seus traços aos filtros das redes sociais.
"Na minha experiência, a geração que busca a perfeição dos procedimentos se encontra entre os 18 e 25 anos. Acredito que isso aconteça porque a beleza gera mais engajamento nas redes. Muitas vezes tive que usar do bom senso para explicar quanto ao excesso e a deformidade da desarmonização facial, e que o que é bonito em X pode não ficar bonito em Y".
Problema de aceitação
Para a psicóloga forense paulista Deise Cristina Gomes, formada pela Universidade Braz Cubas e especialista em microexpressões faciais, a cultura da selfie, aliada ao uso indiscriminado de filtros nas imagens, intensificou o escrutínio das pessoas, principalmente as mais jovens, com a própria imagem. "Diante disso, os jovens passaram a se preocupar demasiadamente com sua aparência e, muitas vezes, querer mudá-la. Por puro capricho. Quando chega nesse ponto, onde não há preocupação com a saúde e somente com estética, passa a ser um problema de não aceitação de si mesmo", afirma.
De acordo com a profissional, a cultura da selfie força o indivíduo a aparentar estar sempre bem, a "vender" uma imagem de perfeição. "As pessoas fazem isso para serem "aceitas" em um grupo, em um meio. Isso tem feito com que muitos jovens se frustrem. Alguns, sem estrutura emocional, chegam a ter depressão e, com o agravamento do quadro, chegam até à automutilação", afirmou.
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