Terapia gênica pode ser a cura da anemia falciforme
Mais comum na população negra, a anemia falciforme é uma doença genética crônica, causada por uma mutação genética, extremamente debilitante, sem tratamento específico e, por enquanto, sem cura. Mas há esperança para os portadores dessa doença: com os avanços da biotecnologia, pesquisadores do mundo todo estão debruçados em torno da terapia gênica para tentar corrigir esse problema e pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein também estão em busca dessa cura.
O projeto "Terapia Inovadora para Anemia Falciforme" está sendo conduzido pelo hospital em parceria com o Ministério da Saúde e com o Hospital das Clínicas de São Paulo. Segundo a hematologista Karina Tozatto Maio, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo no Einstein, nos pacientes com anemia falciforme ocorre uma mutação em um dos genes responsáveis por formar as proteínas conhecidas como hemoglobinas (que são a principal forma de transportar oxigênio para os tecidos), que se situam dentro dos glóbulos vermelhos do sangue. Por causa dessa mutação, que leva à formação de uma hemoglobina anormal, os glóbulos vermelhos, que deveriam ter o formato bicôncavo, assumem uma forma parecida com a de uma foice - daí a origem do nome anemia falciforme.
Por causa da presença desta hemoglobina anormal, essas células "grudam" na parede dos vasos, dificultando a circulação sanguínea e provocando crises intensas de dor. Além disso, a presença dessa hemoglobina anormal faz com que o próprio organismo destrua essas células vermelhas e, consequentemente, isso pode causar uma anemia nesse paciente. Em muitos casos, é preciso atendimento hospitalar para controle da dor e da anemia.
"Também há uma série de outras complicações relacionadas à obstrução dos vasos sanguíneos, como maior risco de AVC (acidente vascular cerebral), complicações pulmonares, tromboses, maior risco de infartos em órgãos como ossos e pulmões, problemas nos rins", alertou a hematologista Karina.
Tratamentos atuais
De acordo com Karina, o tratamento feito com o medicamento hidroxiureia mudou a história da doença falciforme. "Ele é muito utilizado, tem muitas vantagens e é muito bom para os pacientes. Mas ele não cura a doença e não é tão eficaz para algumas complicações", pondera a médica.
Além disso, existem alguns pacientes que precisam receber transfusões de sangue periodicamente por toda a vida por causa do tipo de complicação que eles têm - como no caso dos pacientes que tiveram AVC, por exemplo.
Outra intervenção disponível é o transplante alogênico (com doador) de células tronco, que é um tratamento curativo para a doença, mas existe muita dificuldade em encontrar um doador que seja compatível, o que restringe seu uso. "É uma alternativa bem estabelecida, mas essa falta de um doador compatível é um grande problema", disse.
A base da terapia gênica
Como nem todos os pacientes com anemia falciforme conseguirão um doador para o transplante alogênico, por ele ser mais complexo e ter mais risco de complicações, e por se tratar de uma doença genética com uma base "simples" porque envolve a mesma mutação em todos os pacientes, vários grupos estão buscando desenvolver a terapia gênica para esses pacientes. "Já houve cerca de 40 pacientes incluídos em protocolos de pesquisa em países como França, Alemanha e nos Estados Unidos", disse a médica.
Segundo Karina, o transplante autólogo - que usa as células do próprio paciente - é a base para os estudos de terapia gênica no tratamento da anemia falciforme. Nesses casos, as células-tronco do paciente são coletadas, levadas para o laboratório onde são feitas as modificações genéticas dessas células, e depois de modificadas elas são reinseridas na circulação do paciente. De volta ao corpo, essas células vão repovoar a medula e passar a produzir as hemoglobinas novas e normais, em vez das alteradas.
Segundo Karina, existem várias estratégias possíveis para a terapia gênica: uma delas é adicionar uma cópia de um gene saudável ao DNA do paciente ou simplesmente silenciar um gene defeituoso. No Einstein, os pesquisadores vão usar uma técnica para corrigir essa mutação no DNA. De forma simples, a hematologista Karina explica: "No DNA temos aquelas letrinhas que representam as bases. A gente pretende tirar a letrinha que está errada e voltar a letrinha certa."
O projeto da terapia gênica para anemia falciforme no Einstein começou a funcionar em 2019 e, por enquanto, ainda está na fase de pesquisa pré-clínica (em laboratório) para avaliar a segurança do procedimento. "São diversas etapas, estamos manipulando uma célula muito sensível, que é a célula-tronco da medula óssea, e essa célula retirada do paciente vai voltar para ele, então essa manipulação tem que ser feita da forma mais estéril, rigorosa e segura possível", explicou Karina, ao ressaltar que o processo é demorado e atrasou um pouco por causa da pandemia.
No futuro, a terapia gênica será a cura para todos os pacientes? "A doença falciforme tem uma heterogeneidade clínica muito importante e nem todos os pacientes manifestam a doença da mesma forma. Alguns pacientes tem diversas complicações e outros têm doença menos grave. No futuro, os tratamentos devem se complementar e a tendência será olhar para o paciente e, a partir do perfil de complicação, decidir o que é mais viável fazer. Claro que a gente gostaria de ter uma terapia curativa amplamente disponível para todos e com baixíssimo risco. Mas, por enquanto, esse não é um futuro muito próximo", ressaltou Karina. Por ser ainda uma pesquisa pré-clínica, os pesquisadores do Einstein ainda não estão recrutando pacientes para o protocolo.
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