Covid grave aumenta risco de doença mental depois da alta hospitalar
Pacientes que tiveram Covid-19 moderada ou grave apresentam alta prevalência de transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, além de perdas cognitivas relacionadas a memória e atenção, meses depois da alta hospitalar. Isso é o que mostra um estudo conduzido pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, publicado no periódico General Hospital Psychiatry.
O artigo apresenta resultados preliminares do acompanhamento de 425 pacientes que foram avaliados entre seis e nove meses após a internação. Todos foram pacientes internados no Hospital das Clínicas da USP entre os meses de março e setembro de 2020. Aqueles que precisaram de tratamento na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foram considerados graves e os demais, moderados. Para o estudo, foram submetidos a entrevista psiquiátrica e testes cognitivos.
Os achados apontam uma prevalência de transtorno mental comum de 32,2% neste grupo de pacientes pós-covid - um percentual maior do que o observado na população geral brasileira (21,1%).
A ação direta do vírus no Sistema Nervoso Central, além da própria inflamação e das alterações de coagulação causadas pela doença, estaria por trás desses danos a longo prazo - a famosa covid longa. "Muito possivelmente o vírus provoca uma afecção direta no Sistema Nervoso Central", diz Rodolfo Furlan Damiano, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein e um dos autores da pesquisa.
Isso porque, apesar de que o próprio estresse pode predispor os pacientes de Covid-19 a transtornos psiquiátricos, não houve correlação entre estes casos e fatores estressantes como a perda de um parente próximo ou prejuízos financeiros, nem com a gravidade ou tempo de internação.
Por ser uma doença nova, ainda não se sabe o alcance e a duração desses prejuízos. "Nas questões psiquiátricas, como depressão e ansiedade, temos observado uma boa resposta com os medicamentos usuais", observa Damiano. Em relação à fadiga e aos sintomas cognitivos, como perda de memória, pouco se sabe ainda. Mas os médicos já têm algumas pistas: "Há os pacientes que se recuperam totalmente. Mas naqueles que já têm doenças degenerativas, como o Alzheimer, a Covid pode acelerar sua progressão", observa. Os resultados do estudo ressaltam a importância da vacinação, para reduzir os danos causados pela doença. "Sabe-se que o impacto da Covid é muito menor nos casos leves", complementa Damiano.
Aumento global da depressão no mundo
O impacto da Covid-19 na saúde mental é um fenômeno mundial: só no primeiro ano da pandemia houve um aumento global de 25% nos casos de depressão e ansiedade, segundo um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além da doença em si, condições como o isolamento social, perdas financeiras, medo e luto estão por trás desse crescimento.
Esse cenário traz o desafio de diagnosticar e tratar esses pacientes. "Um grande estudo recente, publicado na revista Lancet, mostra que, em países de baixa renda, apenas 27% dos pacientes portadores de depressão têm acesso a serviços de saúde mental, enquanto apenas 6% desses pacientes têm acesso ao tratamento farmacológico e psicoterápico adequado, por exemplo", diz o psiquiatra Luiz Zoldan, também do Hospital Israelita Albert Einstein. "Além disso são problemas de saúde cercados de estigma e preconceito da sociedade em geral, com isso, a própria pessoa pode demorar a reconhecer que precisa de ajuda", continua ele.
Tanto é assim que esse artigo recém-publicado no renomado periódico Lancet chama a atenção para a necessidade urgente, especialmente em tempos de Covid-19, de saber lidar com o que eles consideram uma das principais causas de sofrimento evitável. E, como essas doenças impactam todos os aspectos da vida da pessoa, desde relações pessoais até a capacidade produtiva, o quanto antes forem diagnosticadas e devidamente tratadas, melhor.
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