Ingerir alimentos azedos ou amargos tira a vontade de comer doces?
Seria bom, mas não conte com a ingestão de alimentos com outros sabores para tirar a vontade de comer doce. O que alimentos azedos e amargos fazem, na verdade, é mudar a percepção do paladar e talvez diminuir a sensação de necessidade pelo açúcar.
"Não tem nenhum estudo científico bem feito que mostre, por exemplo, que você tomar um café amargo depois da refeição vai tirar a sua vontade de consumir doce. Não de forma concreta. No máximo, podemos falar que há uma nova percepção, não vontade", diz André Gustavo de Oliveira, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB (Instituto de Ciências Biológicas) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Segundo ele, evidências científicas mostram apenas que, se você comeu algum doce, ingerir algo amargo depois vai alterar o sabor que fica na boca. Isso porque a percepção do gosto ocorre por meio de células diferentes (veja a explicação mais abaixo). "E nós não sabemos se uma inibe a outra", explica Oliveira.
A nutricionista e terapeuta nutricional, mestre em nutrição pela USP (Universidade de São Paulo) Suelen Jorge também relata que sabores azedos ou amargos não tiram a vontade de comer doce, mas defende eles podem ajudar a diminuir a sensação. "Principalmente se você tiver essa vontade por hábito e se o seu paladar está acostumado com esse doce", diz.
'A gente perde a palatabilidade para o doce quando estamos satisfeitos'
Ao chegar ao intestino, o alimento induz a produção e secreção de hormônios. Um deles é a leptina. hormônio da saciedade produzido pelas células de gordura e que tem como principais funções controlar o apetite, reduzir a ingestão de alimentos e regular o gasto energético.
"A leptina informa ao cérebro que estamos saciados, mas ela também atua na língua, diminuindo a sensibilidade das células que percebem o doce. Ou seja, a gente perde a palatabilidade para o doce quando estamos satisfeitos", diz Oliveira. Então a gente não inibe a vontade de comer doce por causa do amargo, mas sim pelo fato de estarmos satisfeitos", completa.
Essa é uma das hipóteses que explicam, em parte, a ideia de perder a vontade por um docinho após a ingestão de alimentos amargos e azedos. E tem mais: quando comemos devagar, fazendo uma mastigação adequada, o organismo tem mais tempo para induzir a produção da leptina. Por isso, naturalmente, a língua vai se tornando menos sensível ao doce. "Assim, não teremos tanta atração/vontade por um doce, simplesmente porque está mais difícil sentir qualquer sabor dentro da boca", justifica Oliveira.
Em uma série de experimentos unificados em um artigo publicado no The Journal of Physiology, os autores confirmaram que a leptina é capaz de reduzir a sensibilidade e resposta do circuito gustativo para o açúcar. Em outras palavras, a saciedade reduz a percepção do doce.
Como sentimos o sabor de algo?
O gosto dos alimentos é percebido, principalmente, através da língua, que conta com estruturas chamadas de botões gustativos, responsáveis por fornecer a gustação, isto é, a percepção do gosto. Nessa região, há diferentes tipos de células: as do tipo 1 têm a missão de perceber o salgado; as do tipo 2 podem percebem o doce, amargo e umami; as do tipo 3 percebem o gosto azedo; as do tipo 4 os especialistas ainda não sabem exatamente para que servem, embora suspeitem que deem origem as outras células.
"Só que quando a célula percebe o doce, ela não percebe o amargo e o umami, ou vice-versa, porque a célula só sente um sabor", diz Oliveira, professor da UFMG. Ele explica que a célula é a mesma, mas com receptores diferentes para as moléculas do alimento, que se unem e enviam sinais para o cérebro, que identifica o sabor.
A questão de usar alimentos amargos para reduzir o consumo de doces funcionaria porque esses sabores aumentam o período de saciedade. "Nós temos a sensação de que estamos satisfeitos por mais tempo, então diminuímos o consumo de comida entre as refeições", explica Oliveira, lembrando que isso não tem a ver com a vontade, mas sim com a saciedade.
Por que preferimos certos sabores
Os doces são fontes de carboidratos, nutrientes responsáveis por conferir, em especial, energia ao corpo. "Esse benefício energético do carboidrato se reverte numa ativação do sistema de recompensa, refletindo em várias áreas do sistema nervoso central que modulam a vontade e o prazer em comer determinados alimentos", diz Oliveira, acrescentando que o doce é atrativo porque significa energia.
Vale ressaltar que a preferência por doces é inata, e trazemos desde a infância. Para a nutricionista Suelen Jorge, trata-se, inclusive, de um instinto de sobrevivência, já que esses alimentos são ricos em nutrientes que nos mantêm de pé.
Em contrapartida, os sabores amargo e azedo são, a princípio, aversivos. No caso do amargo, por exemplo, é normal que as pessoas evitem, porque, em um primeiro momento, associa-se a ele um risco de esse alimento conter alguma toxina ou substância que não faz bem para o organismo.
"Mas podemos aprender a ingerir o amargo, como acontece com o café sem açúcar ou com a cerveja, que normalmente as pessoas não gostam quando experimentam", comenta o professor da UFMG. Com o gosto azedo acontece reação semelhante, pois são alimentos mais ácidos. Mas isso é muito individual. Uns se acostumam com sabores amargos e/ou azedos com mais facilidade, enquanto outros preferem manter distância.
"Isso acontece porque o número de células gustativas que sentem os sabores varia de pessoa para pessoa. E os botões gustativos sofrem alteração no número e no tipo ao longo da vida", diz Oliveira.
Quero diminuir o consumo de doces, mas como?
Para a nutricionista Suelen Jorge, o ideal é começar fazendo uma espécie de limpeza do paladar, ingerindo alimentos mais amargos e azedos para ir "limpando" as papilas gustativas.
"A gente precisa colocar o paladar em contato com esses sabores justamente para ter uma percepção melhor, porque se ficarmos centrados no doce, a tendência é querer cada vez mais, porque já não conseguimos perceber muito bem as pequenas nuances desse doce", comenta a nutricionista.
A especialista diz que, em sua atuação clínica, ela sugere aos pacientes que fiquem por, no mínimo, 10 dias sem doce. Isso porque os estudos mostram que para investir em uma mudança de hábito, o corpo precisa de um tempo para sentir e conseguir se habituar ao novo comportamento.
"Se a pessoa conseguir tirar o doce de uma vez, essa percepção vai ficar muito mais clara, mas se for um sofrimento muito grande, dependendo do perfil, vale ir reduzindo aos poucos os alimentos doces e aumentando a ingestão dos amargos", indica Jorge.
Entre algumas opções válidas para esse processo de "reprogramação do paladar", vale investir em chocolate amargo, iogurte natural, maracujá, café sem açúcar, almeirão, entre outros. Mas, de novo, respeite o seu tempo e não espere milagre. A mudança é gradativa.
Fontes: André Gustavo de Oliveira, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB (Instituto de Ciências Biológicas) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Liana Braga, professora do curso de nutrição da unidade Pitágoras São Luís e especialista em nutrição clínica; Suelen Jorge, nutricionista e terapeuta nutricional, mestre em nutrição pela USP (Universidade de São Paulo) e docente da ETEC.
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