Além do paladar: como os sentidos interferem na nossa alimentação?
Você já ouviu que alguém "comeu com os olhos" ou que "ficou com fome só de ouvir falar"? Apesar de parecerem apenas expressões, frases como essas fazem todo o sentido. Isso porque se alimentar também explora sentidos que vão além do paladar.
"Comer também é social, afetivo, emocional, cultural. Por isso, a vontade é despertada de várias formas diferentes: ao ver um alimento na prateleira do mercado, ao sentir o cheiro de um bolo que está assando, ao ver outras pessoas se alimentando, ou até ao colocar a mão na massa e cozinhar", diz Julie Soihet, nutricionista do Programa de Transtornos Alimentares do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo). "Nossos sentidos com certeza fazem parte da nossa escolha alimentar."
Os alimentos apresentam uma série de características e substâncias que estimulam os receptores presentes nos órgãos dos sentidos, que são os olhos, nariz, boca, ouvido e pele, segundo Viviane Lansky, nutricionista e professora da disciplina de análise sensorial do curso de nutrição da UFPE (Universidade Federal do Pernambuco). "Esses receptores transmitem um sinal ao nosso cérebro, que nos faz perceber a sensação e, assim, sermos capazes de emitir uma resposta. O processo é chamado de percepção sensorial", diz.
Nesse sentido, um estudo publicado no dia 18 de maio no periódico científico Food Quality and Preference analisou algumas funções da língua, gengiva e do palato (céu da boca). Ao final do trabalho, os especialistas concluíram que todas essas partes têm a capacidade de perceber texturas.
Segundo Lansky, esse é mais um estudo que evidencia que a percepção sensorial dos alimentos é integrada, e não depende apenas da função de um órgão do sentido. "A gente sempre coloca a boca como o principal órgão do paladar, como se ela só servisse para perceber estímulos relacionados a ele, mas não é assim, ela também recebe estímulos relacionados à textura. Essas partes são semelhantes às pontas dos dedos, onde temos bastante sensibilidade", pontua Lansky.
Visão é muito importante para a alimentação
Além do paladar, a visão é o principal sentido quando o assunto é alimentação. Isso porque as suas características relacionadas à aparência, como cor, brilho, rugosidade, transparência, translucidez, entre outras, permitem emitir um juízo de valor antes mesmo de provar.
"Em um supermercado, por exemplo, os alimentos são posicionados de forma estratégica para que, através do olhar, possamos sentir vontade de comê-los e, portanto, comprá-los", comenta Soihet.
Passando pela visão, o olfato, que aponta o cheiro dos alimentos, é outro sentido muito presente no processo de alimentação. "O odor dos alimentos geralmente é a segunda característica que procuramos perceber através do olfato, que é o órgão do sentido mais sensível e que possui maior poder de discriminação que o sentido do gosto, sendo capaz, inclusive, de evocar memórias", ressalta a professora da UFPE.
Não menos importante, a audição percebe a crocância de um biscoito, por exemplo, ou a efervescência de bebidas gaseificadas. Em geral, esse sentido também é utilizado mesmo antes mesmo do consumo.
Isso tudo tem a ver com a aceitação dos alimentos. Mesmo assim, vale lembrar que qualquer hábito sempre é passível de mudança, pois comer envolve muito mais do que a percepção sensorial em si, ele tem a ver também com aprendizado, experiências, repetição, constância.
Como usar os sentidos a nosso favor?
Conhecer a interação dos sentidos com os alimentos é um primeiro passo, já que muitas pessoas consideram importante apenas o paladar e deixam de lado as demais características sensoriais, que podem, inclusive, ajudá-los a consumir mais variedade.
Um ótimo exercício é entrar em contato com um alimento, ou uma refeição, usando os órgãos dos sentidos nesta ordem: visão, olfato, tato, audição e paladar, procurando identificar as características presentes, indica Lansky. "Aos poucos, o interesse vai aumentando e a experiência vai ser bem enriquecedora", acrescenta.
Em outras palavras: mão na massa! Entrar em contato com os alimentos durante o preparo, falar sobre ele, imaginar como ficará quando estiver pronto e sentir o cheiro subindo enquanto o prepara mexe com todos os sentidos.
Vale também investir em uma mesa posta. Lembre-se que nós também "comemos com os olhos" e capriche na decoração. Tais atitudes simples são capazes de encher os olhos e ajudá-lo a comer com mais prazer.
Fora isso, provar novos alimentos, ir à feira ou ao mercado envolvem ainda mais os sentidos e ampliam o repertório alimentar consumidos no dia a dia, fazendo com que o paladar se adapte e tenha novas experiências.
"Começar a consumir mais frutas e legumes é uma boa maneira de estimular todos os órgãos dos sentidos, especialmente o tato, pelas diferentes texturas que esses alimentos apresentam", sugere Lansky.
Fontes: Henrique Marques, coordenador do curso de gastronomia do Centro Universitário do Distrito Federal; Julie Soihet, nutricionista do Programa de Transtornos Alimentares do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo); Viviane Lansky, nutricionista e professora de nutrição da UFPE (Universidade Federal do Pernambuco).
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