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Pesquisa compara rótulos nutricionais e novo formato auxilia na escolha

A rotulagem nutricional frontal começará em outubro e será obrigatória nos alimentos embalados na ausência do consumidor, que tiverem adicionados açúcares, gorduras saturadas ou sódio em quantidades iguais ou superiores aos limites definidos pela Anvisa - Fotomontagem feita por Jornal da USP com imagens de Freepik, Flickr e Reprodução/Anvisa
A rotulagem nutricional frontal começará em outubro e será obrigatória nos alimentos embalados na ausência do consumidor, que tiverem adicionados açúcares, gorduras saturadas ou sódio em quantidades iguais ou superiores aos limites definidos pela Anvisa Imagem: Fotomontagem feita por Jornal da USP com imagens de Freepik, Flickr e Reprodução/Anvisa

Bianca Camatta (texto) e Guilherme Castro (arte)

Do Jornal da USP

05/06/2022 11h15

No próximo mês de outubro, os brasileiros irão encontrar um novo tipo de rótulo nutricional em alguns produtos alimentícios: uma lupa que indica se o alimento tem alto teor de sódio, açúcar ou gorduras saturadas. Trata-se do rótulo nutricional de frente de embalagem ou Front-of-package (FoP). Em 2020, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a lupa como desenho de rótulo de FoP.

Um estudo conduzido pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP (Universidade de São Paulo) e pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) comparou o comportamento e percepções do consumidor frente ao design proposto pela Anvisa e ao rótulo com o triângulo de advertência, modelo desenvolvido pelo Idec em parceria com designers de informação da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Nos testes, o design da Anvisa apresentou um desempenho ligeiramente melhor em diminuir as intenções de compra dos consumidores. Na maioria dos outros critérios, porém, o triângulo de advertência performou melhor --por exemplo, em ajudar o consumidor a identificar o mais saudável entre dois produtos. "Queríamos gerar evidências e realmente ver como se comportava a proposta da Anvisa, em comparação com o triângulo de advertência", explica ao Jornal da USP a pesquisadora Neha Khandpur, do Departamento de Nutrição da FSP, ressaltando a necessidade de estudos futuros para resultados mais conclusivos. "Poderia haver uma opção melhor para a Anvisa escolher. Mas, como vimos alguns aspectos positivos do novo rótulo em nosso estudo, estamos cautelosamente otimistas", complementa.

Khandpur, que é integrante do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), é a autora principal do artigo A comparative assessment of two different front-of-package nutrition label designs: A randomized experiment in Brazil. Publicado na revista PLOS ONE, com coautoria de Laís Amaral Mais, pesquisadora em alimentos do Idec, e Ana Paula Bortoletto Martins, pós-doutoranda na FSP.

Front-of-package (FoP)

O Front-of-package (FoP) é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) pois dá destaque às principais informações nutricionais de um produto, trazendo-as para a parte frontal da embalagem. A visibilidade dada a essas informações ajuda o consumidor a identificar ingredientes que podem interferir na escolha da compra.

Para que o rótulo possa auxiliar na escolha dos consumidores, é importante que o FoP cumpra alguns requisitos, como seguir o tamanho mínimo, ser posicionado de maneira padronizada nas embalagens e usar critérios rigorosos para determinar quando os nutrientes exibidos estão em excesso.

A rotulagem nutricional frontal será obrigatória nos alimentos embalados na ausência do consumidor que tiverem adicionados açúcares, gorduras saturadas ou sódio em quantidades iguais ou superiores aos limites definidos pela Anvisa.

Avaliação

Cerca de 1.300 pessoas, de 101 cidades brasileiras, participaram do estudo randomizado controlado realizado em outubro de 2019 — ano em que o rótulo foi proposto —, com entrevistadores treinados e de forma presencial. "Esse é um desenho de estudo muito poderoso que isola e demonstra o efeito causal do FoP, sua utilidade, o quão bem ele é compreendido pelos consumidores e como influencia as intenções de compra", esclarece Neha Khandpur.

Os participantes foram divididos em dois grupos. O primeiro foi apresentado a produtos contendo o rótulo da advertência, e o outro, à lupa da Anvisa. Os participantes de ambos os grupos foram questionados sobre os efeitos desses rótulos, por exemplo, qual era importância da informação comunicada pela embalagem, a utilidade do rótulo no direcionamento de escolhas mais saudáveis e o quão preocupados eles ficariam se crianças da família consumissem alimentos e bebidas com esses rótulos.

Rótulos - Arquivo pessoal/Neha Khandpur - Arquivo pessoal/Neha Khandpur
O rótulo triangular e o retangular foram exemplos de imagens usadas no estudo
Imagem: Arquivo pessoal/Neha Khandpur

Eles também foram apresentados a diferentes embalagens de produtos e questionados sobre quais ingredientes estavam em excesso. Em outro momento também tiveram de escolher o produto mais saudável entre um mesmo tipo de alimento, porém de marcas diferentes.

Analisando as respostas dos participantes, foi possível concluir que ambos os designs tinham efeitos semelhantes na comunicação de informações de nutrientes, 57% do rótulo triangular contra 54% do recomendado pela Anvisa.

"O estudo mostrou que os consumidores consideraram o triângulo FoP uma ferramenta útil que comunicava informações importantes e o modelo mais fácil de compreender em comparação com o FoP da Anvisa", aponta Khandpur. Essa preferência da forma triangular está relacionada ao fato de já ser um símbolo comum em placas de trânsito e avisos de "cuidado" ou "atenção". Por outro lado, o FoP da Anvisa teve um desempenho melhor no incentivo às intenções de compra dos consumidores.

O estudo mostrou também que o preto e o branco contrastante dos avisos, a localização do rótulo na embalagem e o tamanho grande são características presentes nos dois tipos de designs que se mostraram importantes na captura da atenção do consumidor. Neha Khandpur acrescenta que essa inconsistência dos resultados, ou seja, a falta de estabilidade na performance dos designs, ainda não pode ser explicada com o estudo atual.

"Foi um dos primeiros estudos a comparar esses dois modelos. E também demonstrou alguma utilidade do desenho da Anvisa para a população brasileira", comenta Khandpur sobre a importância da publicação do artigo. Segundo ela, a Anvisa revisou mais uma vez o seu design após a versão ser avaliada no estudo, ainda que não tenha dado um retorno direto às pesquisadoras. As orientações finais sobre o uso dessa rotulagem podem ser acessadas neste link.

Política Nacional de Alimentação e Nutrição

A aprovação da lupa como rótulo em 2020 é parte da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, regulamentada pela Anvisa, que busca reduzir os índices de sobrepeso, diabete e doenças degenerativas associadas a hábitos alimentares. Essas doenças já são um problema no cenário brasileiro. Em 2021, por exemplo, mais da metade da população do país estava com sobrepeso. Com a nova rotulagem que foi definida pela Anvisa e que deverá ser utilizada como padrão pelas empresas alimentícias, será mais fácil para o consumidor compreender o que compõe os produtos, comparar os alimentos e, assim, fazer uma escolha mais saudável.

Esse rótulo, que começará a ser usado em outubro deste ano, gera controvérsias desde sua aprovação. Na ocasião, o Idec considerou o modelo insuficiente e propôs a adoção do modelo de triângulos, desenvolvido em parceria com designers de informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O modelo de triângulos, além de estar ligado à ideia de advertência, apareceria repetidamente, caso mais de um ingrediente estivesse em excesso (açúcar, sódio e gordura saturada). Diferentemente do que ocorrerá no modelo aprovado pela Anvisa, no qual a lupa aparecerá apenas uma vez, independentemente de quantos desses três ingredientes estão em excesso.

Os rótulos frontais em outros países

Em 2016, o Chile foi o primeiro país a adotar um modelo de rotulagem frontal. O país utiliza o símbolo de um octógono em preto e branco, que também remete à ideia de advertência do triângulo proposto pela UFPR, que, inclusive, foi baseado no modelo utilizado no Chile. Estudo publicado pela revista The Lancet já mostrou uma redução significativa no consumo de produtos com o alerta chileno. Outros países da América Latina, como o Uruguai, o Peru e o México, também utilizam o modelo do octógono.