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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Hipnose é ligada à redução de dor e tabagismo, mas não há curas milagrosas

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Imagem: iStock

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

07/06/2022 04h00

Desde os 6 anos de idade, a consultora imobiliária Cristina Augusto, de 55 anos, sofria com medo de dentista. "Passava mal, muito mesmo, a ponto de sentar na cadeira e fechar a boca ou sair correndo", diz. Em um episódio, mesmo anestesiada, ela não conseguiu concluir o tratamento de canal. "Meu esposo teve que ir junto para segurar a minha mão e o dentista teve que marcar horas extras na agenda, pois eu era considerada uma 'paciente problemática'. Tomei ansiolítico antes da consulta, me preparei mentalmente, mas nada disso funcionou. Sai sem terminar o tratamento, com um curativo temporário", relata.

Com o tempo, o dente do canal quebrou em três partes e a dor veio fortemente. "Comecei a ter ataque de pânico, o meu coração disparava toda hora que pensava que teria de voltar ao dentista, sem chances de escapar dessa vez. Achei que teria que tomar anestesia geral", conta. A situação perdurou até ela conhecer a hipnose. "Durante as sessões, as sensações do meu corpo e da mente começaram a mudar. O pânico foi reduzindo e fui me sentindo uma outra pessoa, muito relaxada. Consegui concluir o tratamento dentário de maneira muito mais tranquila", afirma.

Segundo a APA (Associação Americana de Psicologia), hipnose é "um estado de consciência envolvendo atenção focada e percepção periférica reduzida, caracterizado por uma capacidade aprimorada de resposta à sugestão".

Em termos simples, você já ficou tão focado em um bom filme ou livro que pensa que está no mundo fictício e esquece o que está à volta? É assim que é a hipnose.

"É como usar uma lente de zoom. Você consegue ver detalhes incríveis de uma área muito específica, mas fica menos ciente do contexto ao redor", compara Tiago Garcia, pós-graduado em neurociências e comportamento pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), membro da Sociedade para Hipnose Clínica e Experimental, dos EUA, e autor do livro "Hipnose e Neurociência: Explore o Poder da Sua Mente".

"A mente inconsciente tem um efeito muito mais forte sobre nossas experiências, comportamento e corpo do que imaginamos. A hipnose permite aproveitar o poder de mente para mudar a maneira como pensamos e experimentamos o mundo ao nosso redor", afirma.

Tome a dor como exemplo. "Nossa experiência de dor e emoção são o resultado de uma interação entre regiões mais profundas do cérebro que processam a experiência primária e as regiões frontais superiores, incluindo a rede de controle executivo, ou RCE, que as colocam em perspectiva e regulam a intensidade das sensações. Na hipnose, o córtex pré-frontal dorsolateral —um componente importante da RCE— aumenta a conectividade funcional dessa rede com a ínsula, que faz parte da rede de dor e facilita o controle mente-corpo. Assim, ajuda a alterar e suprimir a percepção da dor", esclarece.

O que estudos dizem

Estudos acadêmicos apontam que a hipnose é uma ótima ferramenta coadjuvante à terapia. Gabriel Medeiros, psicólogo e integrante do Grupo de Estudos de Psicologia da Crença: Hipnose e Estados Alterados de Consciência, da USP (Universidade de São Paulo), afirma que controle de dor, estresse e ansiedade são os campos onde há mais evidências científicas. Ela também pode contribuir em processos de mudança de hábitos, sejam eles emagrecer, aumentar concentração, deixar o tabagismo etc.

Um artigo de revisão, por exemplo, mostrou que a hipnose pode ajudar a reduzir a dor pós-cirúrgica ou relacionada a outros procedimentos médicos em crianças e adolescentes. Outro descobriu que a hipnose pode, em alguns casos, aliviar a dor no trabalho de parto, mas houve limitação metodológica, já que não usaram testes randomizados (quando os voluntários são divididos aleatoriamente nos grupos do estudo).

Quanto a ser eficaz contra o tabagismo, um estudo randomizado de 2007 analisou 286 fumantes e mostrou que 20% das pessoas que receberam hipnose conseguiram parar, em comparação com 14% das que receberam aconselhamento comportamental padrão.

Há ainda pesquisas relacionando a hipnose à redução de ansiedade, estresse e transtorno do estresse pós-traumático. Mas os estudos foram em pequena escala, em grande parte preliminares e o tema merece mais investigações.

Ainda assim, os Conselhos Federais de Medicina, de psicologia, odontologia, fisioterapia e enfermagem se manifestam a favor da hipnose em seus setores. Desde março de 2018, o Ministério da Saúde aprovou a inclusão da hipnoterapia no atendimento do SUS.

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Hipnose é "um estado de consciência envolvendo atenção focada e percepção periférica reduzida"
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Cuidado com a ideia de cura

"Vale ressaltar que, embora a hipnose possa auxiliar nesses processos, ela não muda nosso metabolismo a ponto de emagrecermos sem mudanças de hábitos, como alguns profissionais parecem aludir com propagandas de 'bariátricas hipnóticas'", diz Medeiros.

Segundo ele, a hipnose não faz aprender habilidades, armazenar altos volumes de conteúdos teóricos ou aumentar nossa capacidade de aprendizado, e muito menos permite curas quase milagrosas, como alguns profissionais insinuam, com relatos de supostas curas até de câncer.

O psicólogo também destaca que ela não é indicada para pessoas psicóticas ou em surto, pois "o alto realismo das experiências vivenciadas durante a hipnose pode dar vazão a mais delírios e/ou alucinações, aumentando a vulnerabilidade já vivenciada por tais pessoas", diz.

Além disso, segundo Tiago Garcia, a hipnose não deve ser utilizada por um hipnoterapeuta para tratar algo que ele desconhece. "Existe um ditado entre clínicos (psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde) e acadêmicos que diz: 'Não trate com hipnose aquilo que você não sabe tratar sem hipnose'. Por alterar a percepção da realidade e ter o poder de alterar sintomas como dor, em alguns casos ela pode mascarar algo mais grave que apenas um médico poderia avaliar", afirma.

Mitos sobre a hipnose

Durante muitos anos a hipnose foi tratada apenas como entretenimento. Quem não se lembra de atrações de programas de televisão com alguém imitando uma galinha, saboreando uma cebola como se fosse uma maçã ou fazendo confissões? Na opinião do especialista, por conta disso muita gente ainda desconhece suas potencialidades.

"Nossa cultura está cheia de advertências sobre a hipnose. Elas vêm da religião, da cultura popular e da indústria de entretenimento, com filmes que a retratam de maneira distorcida, como algo relacionado à manipulação mental, a fim de criar uma atmosfera de suspense e prender a atenção do espectador", diz Garcia.

Ainda que a prática esteja ganhando visibilidade nos últimos anos, são diversos os mitos que a rondam. Valdecy Guimarães, psicólogo, especialista em medicina comportamental pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente da Sociedade Interamericana de Hipnose, listou alguns:

- Você corre o risco de não voltar do transe hipnótico

Durante o transe hipnótico a pessoa não vai a lugar algum, portanto não pode não voltar. No máximo, do chamado sono hipnótico a pessoa pode acabar adentrando no sono fisiológico e, simplesmente, acordar.

- O hipnotizador vai assumir o controle da minha mente

Durante o transe a sua mente inconsciente permanece vigilante. Aliás, a maioria dos transes hipnóticos ocorre com a pessoa hipnotizada se lembrando perfeitamente de tudo o que viu, ouviu e disse durante o processo.

- Vou contar os meus segredos durante o transe hipnótico

Não há essa possibilidade, justamente porque durante todo o tempo uma parte de sua mente permanece vigilante. Esse, aliás, é um fatores que impedem que a hipnose seja utilizada em criminosos para gerar confissões: a mente do indivíduo permanece atenta e gerando autoproteção.

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