Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Intercâmbio, mudança de país: como cuidar do emocional ao ir morar fora?

Leonardo não se adaptou à troca de país, ocorrida em 2012 - Arquivo pessoal
Leonardo não se adaptou à troca de país, ocorrida em 2012 Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

09/06/2022 04h00

Assim como pássaros, humanos também têm capacidade migratória. Estamos presentes em geleiras, desertos e até no espaço. Porém, por mais que exista uma vontade, desejo de partir, não são todos que se adaptam ou enfrentam bem situações adversas no novo lugar. A reação dolorosa frente aos problemas ocasionados pela mudança, quando não superada, gera uma condição chamada "síndrome do imigrante", ou "de Ulisses".

Figura mitológica grega, o herói Ulisses teria sofrido dessa síndrome, inspirada em seu nome, durante sua longa odisseia de volta para casa. Enfrentou dúvidas, solidão e tristezas, sintomas emocionais compartilhados por quem vai morar em outro lugar, como o jornalista Leonardo Marques, de 37 anos. Em 2012, ele, que é baiano, de Salvador, e cresceu frequentando praia em dias de sol, decidiu fazer um intercâmbio para um lugar completamente oposto, nublado e frio, Dublin, na Irlanda.

"Foi uma experiência de vida e tanto. Eu fui para passar seis meses e me aprofundar no inglês, porém, nesse processo, enfrentei muitos desafios, que inclusive me fizeram adiantar o retorno para o Brasil", diz. Leonardo conta que morando fora não se acostumou somente aos dias cinzentos, comuns mesmo no verão e na primavera, como à falta dos amigos. Por conta disso e do preconceito por ser imigrante, a ponto de ser apedrejado na rua, crê ter tido uma depressão.

O jornalista Leonardo Marques, na Irlanda - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Leonardo Marques, na Irlanda
Imagem: Arquivo pessoal

Quando mudar de casa não faz bem

Depressão, estresse pós-traumático, transtorno de adaptação são algumas patologias de fundo psicoemocional ainda confundidas com a síndrome do imigrante, relativamente nova, pois tem sido estudada apenas dos anos 2000 para cá. Mas ela não é propriamente dita uma doença mental, mas uma resposta à somatória de impactos sucessivos a que estrangeiros estão sujeitos e cujos sintomas prevalecentes são os mesmos que Leonardo experimentou:

  • Isolamento, em razão da falta de um lugar ou alguém que possa acolher e dar suporte nos momentos de dificuldade;
  • Frustração ou decepção consigo mesmo por esperar o que não aconteceu;
  • Angústia sobre o futuro;
  • Tristeza, que pode vir acompanhada de tensão, neuroses, percepção de não pertencimento e invalidez.

"Pensamentos e emoções ainda afetam o corpo com alterações funcionais, que não tratadas podem evoluir para doenças psicossomáticas", explica Wimer Bottura, psiquiatra e presidente da ABMP (Associação Brasileira de Medicina Psicossomática). Nesse caso, são provocadas ou agravadas por sofrimento psíquico involuntário: insônia, fadiga, falta de concentração e apetite, lapsos de memória, dores de cabeça, gastrite e alterações repentinas de humor.

Voltar ou ficar e enfrentar?

Como era previsto o retorno de Leonardo para o Brasil ao final do curso de línguas, ele pôde voltar. "Retornei assim que encerrei as aulas, dois meses antes do planejado, e isso porque eu já havia feito anos antes acompanhamento terapêutico, o que ajudou a me manter firme por um tempo, mas não sei o que faria se eu tivesse ficado", diz o jornalista, reconhecendo que nem todo mundo que vai morar em outro país pode fazer o mesmo, seja por estar a trabalho, seja por algum outro impeditivo.

Leonardo em Salvador (BA), onde nasceu - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Leonardo em Salvador (BA), onde nasceu
Imagem: Arquivo pessoal

Ao se reconhecer nessa situação, Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e doutor em neurociência do comportamento, aponta como alternativa recorrer a psicoterapia cognitivo-comportamental online, com profissionais do país de origem e buscar apoio em redes, comunidades de imigrantes. "Por compartilharem da mesma língua e cultura, fica mais fácil se comunicar e ser compreendido".

Outra psicóloga, Leide Batista, formada pela Faculdade Castro Alves e com passagem pelo Hospital da Cidade, em Salvador (BA), complementa que se o problema não tiver relação com a troca de país, mas com questões internas mal resolvidas, não muda muito querer regressar. "As coisas podem estar dando muito certo, mas com problemas emocionais prévios, o que inclui rejeições, carências, pendências. Não importa o lugar, o brilho da novidade é perdido".

Nem tudo o tempo resolve

Pegar um avião para o exterior com documentos legalizados, família inteira, trabalho arranjado, bolsa de estudos minimiza e muito a possibilidade de desenvolver a síndrome do imigrante, mas, de novo, não há certezas. Agora, para quem é obrigado a sair de sua terra, fugindo de guerras, calamidades, extrema pobreza, é necessário ajuda mesmo antes de chegar ao destino, com atenção especial às crianças, e sem fingir que nada está ocorrendo.

"É fundamental perceber a própria dor. Do contrário, ignorar isso e deixar na conta do tempo facilita o risco de a pessoa desenvolver um transtorno, o que é muito mais sério", explica Rafael Oliveira, psiquiatra e professor do Instituto Ipemed, da Afya Educacional. Fora outras complicações, como acrescenta Leonardo: "Conheci pessoas que decidiram ficar de vez e a todo custo pela Europa, mas pelas muitas lutas caíram no alcoolismo e na dependência química".

Daí a necessidade de apoio e escuta, principalmente estando numa circunstância extrema, de sobrevivência, arrependimento. Para quem tem a oportunidade de se planejar, é fundamental que haja antes bastante pesquisa, comunicação clara, sem maximização tanto de problemas como de expectativas. É preciso falar da realidade, de novas descobertas, mas também de prejuízos, eventos desagradáveis, e não tolher sentimentos e emoções, nossas verdadeiras bússolas.