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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


No Brasil, pessoas com depressão resistente usam cetamina; como ela age?

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Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

10/06/2022 04h00

Entre os diagnosticados com depressão, há quem sofra com um tipo que é de difícil tratamento: a depressão resistente. Nela, o paciente costuma fazer dois tipos de tratamentos distintos corretamente e não melhora.

O fisioterapeuta Cláudio Andrade de Oliveira, 46, por exemplo, foi diagnosticado com ela durante a pandemia. Ele já tomava duas medicações de manhã e uma à noite. Mas quando a covid-19 se espalhou pelo mundo, seu quadro se agravou e o médico fez o diagnóstico.

Cláudio sofre com transtornos mentais desde a adolescência. Aos 18 já tomava ansiolítico e ele chegou a ter fortes crises depressivas quando morou nos Estados Unidos, em 2004, época em que não podia pagar por um tratamento particular.

Em 2009, voltou ao Brasil e retornou ao tratamento, mas na pandemia sua saúde mental se agravou: ele só ficava deitado e já não conseguia trabalhar. "O psiquiatra aumentou o máximo que pode as medicações e, às vezes, mudava, mas nada resolvia, eu seguia com depressão extrema", relata.

Cláudio sofre de depressão desde a adolescência - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cláudio sofre de depressão desde a adolescência
Imagem: Arquivo pessoal

As coisas só começaram a melhorar em janeiro deste ano, depois que experimentou um tratamento com cetamina, que está surtindo efeito. "Até hoje eu não senti mais aquela angústia e ansiedade extrema, eu sinto as preocupações normais do dia a dia que todo mundo tem", conta.

Hoje, ele segue sendo acompanhado pelo especialista, mas foi liberado do tratamento que fez no início do ano. "Atualmente eu tive alta, após ter feito seis infusões com cetamina", conta.

O que é a cetamina?

A cetamina é um anestésico hospitalar usado em diversos países, incluindo o Brasil, com a finalidade de sedação, mas ela também é uma nova alternativa para o tratamento de depressão resistente. No Brasil, foi aprovada em novembro de 2020 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como medicamento para esse tipo de transtorno mental.

Para este fim, segundo a Agência, deve ser administrada exclusivamente em um hospital ou em uma clínica especializada e na presença de um profissional da saúde. Seu uso está sendo de forma intravenosa ou como spray nasal, mas ela ainda não está disponível no SUS.

Apesar dos resultados de estudos feitos com a cetamina serem animadores, é preciso ter cuidado com as prescrições, segundo Alexander Moreira de Almeida, professor associado de psiquiatria da UFJF (Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora) e coordenador do PTA (Programa de Transtornos Ansiosos) da mesma instituição.

"É uma medicação que foi lançada recentemente e que parece ter um início de efeito mais rápido, mas ainda não se sabe sobre a eficácia e a segurança no uso a longo prazo", alerta Almeida. "Tem havido uma forte campanha de propaganda para promover esta medicação, mas é necessário cautela", afirma.

Ao ser administrada, a substância entra no cérebro, dispara um processo de religação de neurônios e sai do organismo em aproximadamente 20 horas. Dessa forma, as células passam a "conversar" melhor umas com as outras, havendo uma melhor conexão. Com isso, as áreas afetadas pela doença voltam a funcionar melhor e os pacientes percebem uma melhora dos sintomas de depressão.

Entretanto, há efeitos colaterais. "Os efeitos adversos da cetamina acontecem durante a infusão e são potencialmente graves e até fatais, por isso a necessidade de um médico anestesista acompanhando o procedimento e estar dentro de um hospital com monitorização completa —cardioscopio, oxímetro e pressão arterial medidas a cada 10 minutos", diz Tiago Gil, médico anestesista, fundador do Centro de Cetamina, membro ativo da ASKP3, American Society of Ketamine Physicians, Psychotherapists & Practitioners, e pesquisador voluntário do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Entre os efeitos colaterais mais recorrentes estão:

  • Aumento da pressão arterial;
  • Aumento da frequência cardíaca;
  • Anestesia geral com parada respiratória;
  • Náusea e vômitos;
  • Dissociação (um estado alterado de percepção do mundo ao seu redor).

De acordo com o médico anestesista, todos os sintomas desaparecem em até 24h após a infusão.

A médica Amanda Rocha*, 37, que também sofre de depressão resistente, teve uma resposta boa ao tratamento com a substância. "É um marco na minha vida, porque eu melhorei e quase não tenho efeito colateral, somente dissociação, náuseas e tontura, mas que passam rapidamente", diz.

Ela recebeu o diagnóstico há cerca de 20 anos e, inicialmente, era um quadro leve, então ela tratava apenas com um antidepressivo. Durante dois anos ela respondeu ao tratamento, mas depois ele parou de funcionar.

A medicação foi ajustada e outras foram acrescentadas, mas a doença oscilava. Amanda também fez sessões de eletroconvulsoterapia, mas nunca melhorava significativamente. "Eu nunca conseguia retirar os remédios", diz.

Contudo, em 2020, ela também descobriu a cetamina e, dessa vez, teve bons resultados. "Eu fiz seis sessões com aplicação na veia, mas como é um medicamento relativamente novo, nem mesmo os profissionais da saúde têm muito conhecimento e ficam receosos em encaminhar o paciente para esse tipo de tratamento", diz Rocha.

Hoje ela diz que está bem melhor, mas segue fazendo sessões esporadicamente.

Depressão resistente é diagnosticada após duas tentativas frustrantes de tratamento - iStock - iStock
Depressão resistente é diagnosticada após duas tentativas frustrantes de tratamento
Imagem: iStock

Há outros tratamentos para a depressão resistente?

A depressão resistente é apresentada por um paciente que mesmo após ter sido tratado com duas classes diferentes de antidepressivos, em doses e duração de tratamento adequados, não melhora da doença.

"A probabilidade de resposta da terceira medicação utilizada cai muito. Isso ficou evidente em um estudo feito no Reino Unido, em que foram avaliados a qualidade das respostas ao antidepressivo na sua primeira, segunda, terceira e quarta dose", diz Tiago Gil.

A psiquiatra Raissa de Alexandria, do HULW-UFPB (Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba), vinculada à Rede Ebserh, explica que a depressão resistente é um dos quadros mais graves da doença. "São quadros arrastados que vão se cronificando e podem chegar a sintomas mais graves, como a idealização suicida. Mas isso também pode acontecer mesmo num quadro não refratário", pondera.

Segundo a especialista, entre 10% a 15% dos pacientes que têm depressão acabam tendo uma depressão refratária ao tratamento.

Para uma depressão resistente, além dos medicamentos convencionais atrelados à terapia, é possível tratar o quadro com estimulação magnética transcraniana, que também é utilizada para o tratamento de várias outras patologias psiquiátricas.

A eletroconvulsoterapia é outra opção para a patologia e, segundo os especialistas, é uma ferramenta muito importante que pode salvar vidas.

Também é importante a psicoterapia. "Há estudos que mostram que se o paciente fizer a psicoterapia cognitiva-comportamental, além do uso de antidepressivos, ele pode melhorar", diz Alexander Moreira de Almeida.

Há ainda outras medicações, além dos antidepressivos, que podem, em conjunto, potencializar o tratamento.

Seja qual for o tratamento, é preciso que o paciente siga ao pé da letra as orientações. "É essencial que o paciente tenha uma adesão adequada ao tratamento. Muitas vezes ele esquece de tomar a medicação alguns dias, não toma de forma regular ou faz uso de outras substâncias como álcool ou drogas que podem afetar o funcionamento da medicação", alerta Alexandria.

É difícil falar em cura quando se trata de transtornos mentais. Nesses casos, quando o tratamento atinge seus objetivos, o indivíduo volta a ter uma vida normal, como antes de ser acometido pela doença. Mas isso não significa que em algum momento ele não possa ter uma recaída.

Por isso é importante que, mesmo após a suspensão da medicação orientada pelo médico, o paciente pratique atividade física, tenha interação social e tenha um hobby que o faça se sentir bem.

*A pedido da personagem, seu nome foi alterado