Rol taxativo da ANS: pacientes temem perder acesso a tratamento em curso
Gustavo Lucas Mendes, 4, está no espectro autista. O menino apresentou os primeiros traços aos 11 meses. A partir daí, segundo a mãe dele, Domênica Lucas Mendes, 33, coordenadora de recursos humanos de Santo André (SP), várias intervenções foram iniciadas com o objetivo de dar qualidade de vida ao pequeno e à família.
Por meio de parceria entre uma clínica especializada e o plano de saúde, Gustavo frequenta a terapia ABA (abreviação para Applied Behavior Analysis), atualmente considerada a melhor alternativa para dificuldades comportamentais.
Além disso, o garoto tem sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e musicoterapia, intervenções que, juntas, chegariam a custar R$ 40 mil por mês, caso o plano de saúde se recusasse a pagar. No entanto, a mãe do menino teme que todas essas terapias possam ser suspensas, o que poderia cessar a evolução de Gustavo, ou até regredi-la.
A preocupação surgiu após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que mudou o entendimento sobre a lista de tratamentos cobertos por planos de saúde, o rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Em votação que ocorreu na quarta-feira (8), o STJ formou maioria sobre o entendimento de que o rol deve ser taxativo, o que desobriga os convênios a custearem tratamentos que estejam fora da lista.
"Já faz um ano e quatro meses que Gustavo está em tratamento em uma clínica parceira do convênio da gente. E com essa palhaçada do rol taxativo, temo porque provavelmente vamos perder todos os direitos garantidos. As terapias o desenvolveram e deram qualidade de vida para a gente. Até então, a gente não tinha", desabafou Domênica.
"É uma condição silenciosa. As pessoas não conseguem identificar um autista ou entender ainda o que é um autista nesse ambiente em que a gente vive. E as terapias basicamente dão qualidade de vida para a pessoa ser quem ela é. E conseguir com as possíveis limitações que existam. Estou preocupada porque no particular é um tratamento muito caro. Em uma condição na qual o salário mínimo é de pouco mais de R$ 1.000 é humanamente impossível uma pessoa conseguir pagar particular", acrescentou.
Vinicius Zwarg, advogado especializado em relações de consumo, lembra que, atualmente, a ANS atualiza o rol a cada seis meses, o que antes era feito a cada dois anos. O jurista aconselha o consumidor a verificar se o tratamento em curso não está na hipótese de exceção definida pelo STJ.
"Não estando nas hipóteses de exceção, o consumidor corre o risco de ter sua decisão revertida, a depender do atual estágio de seu processo —o que pode acarretar a necessidade de tratamento pelo SUS e/ou às suas expensas", explica o advogado.
Zwarg avalia que a decisão configura um importante precedente em favor do entendimento de que os planos de saúde não são mais obrigados a cobrir procedimento fora dos listados pela ANS, embora tenha exceções. A tendência natural, aponta o advogado, é de que esse entendimento seja mantido pelo Poder Judiciário —o processo deve tramitar agora para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo o Instituto Conduzir, o rol é taxativo, mas aceitará, a depender das particularidades do caso concreto, exceções. Dessa forma, o beneficiário ainda poderá ter acesso ao acompanhamento prescrito pelo médico, mas dependerá do crivo judicial.
Sobre atendimento aos autistas, o instituto ressalta que, "com relação à Intervenção Comportamental ABA, os ministros proferiram entendimento de que é cabível e eficaz no acompanhamento de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista)".
A entidade alerta que os embargos de divergência apresentados foram rejeitados, o que, em princípio, representa uma vitória para todos aqueles que necessitam do acompanhamento ABA. Para os pacientes, serão necessárias novas consultas a advogados e ações judiciais, além de angústia e ansiedade.
Apreensão na oncologia
A mudança no entendimento também caiu como uma bomba sobre pacientes com câncer. De acordo com a AME (Associação da Medula Óssea), a alteração deixa muitos procedimentos, até mesmo alguns mais básicos, de tratamento contra o câncer fora dessa lista.
Alguns dos procedimentos que estão de fora são: painel viral, nível sérico de vorico, nível sérico de bussulfano, TMO autólogo para amiloidose, TMO para LLA em 1 remissão, TMO auto para LNH T na 1 linha, TMO para doenças mieloproloferativas, incluindo mielofibrose, ganciclovir para herpes 6 e nível sérico das drogas.
"O rol da ANS é básico e não contempla muitos tratamentos, como medicamentos aprovados recentemente, alguns tipos de quimioterapia oral e de radioterapia, e cirurgias com técnicas de robótica, por exemplo. Como o rol é taxativo, os planos ficam isentos da obrigação de bancar esses tratamentos", destaca a associação em nota.
O professor Alyson Godoy, 35, de Paulista (PE), está entre as pessoas preocupadas com o resultado da decisão. O educador conta que seu pai, o aposentado Milson Godoy, 60, foi diagnosticado com câncer de estômago e deve iniciar o tratamento em breve.
"Quimioterapia e radioterapia, a princípio. Ele vai começar os procedimentos ainda, mas já estamos apreensivos. Não tenho certeza se a mudança vai prejudicar de alguma forma, mas ficamos com medo. A gente já tem que conviver com os preços altíssimos dos planos e seus reajustes estratosféricos. E agora essa incerteza se meu pai terá o tratamento adequado", diz.
O possível impacto sobre os pacientes com câncer levou sete sociedades médicas de oncologia a se manifestarem. "O maior agravante é que, além da demora na incorporação de novos medicamentos e procedimentos relacionadas à cirurgia e à radioterapia, o rol taxativo é motivo de preocupação também por resultar em maior obstáculo para que os pacientes, mesmo com evidência científica e laudo médico em mãos, consigam obter procedimentos requeridos na Justiça", destaca o comunicado.
Planos de saúde
De acordo com a Abrange (Associação Brasileira de Planos de Saúde), o rol da ANS delimita os tratamentos e procedimentos a serem cobertos, o que permite definir o preço dos planos. O órgão argumenta que é assim em todos os países em que esse tipo de serviço existe.
"Em nenhum lugar do mundo há cobertura ilimitada de todos os tratamentos ou procedimentos. E isso ocorre inclusive no próprio SUS, em que a incorporação de novos tratamentos, procedimentos e tecnologias é analisada e aprovada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde)", ressalta, em nota.
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