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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Muita dor e sem diagnóstico: ele chegou a pensar em amputar braços e pernas

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

12/06/2022 04h00Atualizada em 13/06/2022 10h51

Com dores diárias e sem conseguir dormir direito, Samuel Oliveira, 44, demorou cinco anos para descobrir que tem uma doença inflamatória crônica chamada espondilite anquilosante, que causa dores na coluna vertebral e sempre piora à noite. Durante uma crise, ele atentou contra a própria vida para acabar com as dores, mas conseguiu superar e hoje é engajado em conscientizar sobre a doença e ajudar outros pacientes. A seguir, ele conta sua história:

"Os primeiros sintomas apareceram quando comecei a sentir fortes dores na coluna, à noite, na hora de dormir. Na época, tinha 23 anos, trabalhava como agente de saúde e achava que era por conta dos equipamentos pesados que carregava na mochila.

Aos 24, me mudei da Bahia para São Paulo em busca de novas oportunidades profissionais, queria arranjar um trabalho com menos esforço físico imaginando que isso poderia aliviar as dores. Consegui um emprego de auxiliar de serviços gerais em uma academia, depois fui trabalhar como porteiro e comecei a faculdade de educação física.

Nessa fase, as dores voltaram, mas dessa vez elas eram no tornozelo direito. Fui ao hospital achando que era uma torção, mas o médico disse que era tendinite, me passou remédio e me mandou para casa.

A partir daí, as dores não pararam mais e apareceram em lugares diferentes, no joelho esquerdo, nos dedos das mãos, dos pés, no quadril —essas regiões ficavam quentes, sensíveis e inchadas.

Passei com clínicos gerais e ortopedistas especialistas em pé e tornozelo, mas eles diziam sempre a mesma coisa, que era tendinite, tenossinovite, e que a dor era por causa da sobrecarga de outras articulações. Eles indicavam fisioterapia, gesso e medicamentos, mas nada ajudava.

Samuel Oliveira tem espondilite anquilosante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

As dores eram diárias, intensas e passaram a afetar o meu dia a dia e a minha mobilidade. Tive que usar muletas porque não conseguia mais andar sem apoio. Isso me impossibilitou de fazer as aulas práticas da faculdade de educação física e gerou bullying dos colegas que me chamavam de 'quebradinho' e 'aleijadinho'.

Ao longo do tempo, tive quatro grandes crises. Numa delas, não dormia direito com dor, acordava várias vezes na madrugada e só levantava em caso de extrema necessidade, para ir ao banheiro ou pegar comida. Cheguei a pensar em pedir para um dos médicos amputar meus braços e pernas.

Em uma noite, em um ato de desespero, atentei contra a minha própria vida. Tudo o que eu queria era não ter que acordar no dia seguinte, mas acordei e fui para o pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde fui medicado.

Após contar meu histórico de dores, o plantonista que me atendeu disse que o meu caso era reumatológico. Fui encaminhado para um outro hospital onde iniciei uma investigação, fiz alguns exames específicos e fui diagnosticado com espondiloartropatia soronegativa, um grupo de doenças que atinge a coluna vertebral e as articulações.

Com um diagnóstico inconclusivo e sem saber exatamente qual doença desse grupo eu tinha, fiz um novo tratamento, que não teve muita eficácia.

Quatro meses depois, o reumatologista pediu novos exames e, aos 28 anos, descobri que tenho espondilite anquilosante, doença caracterizada por causar inflamação em determinadas estruturas da coluna e também em articulações, podendo gerar dor em outras partes do corpo.

Samuel Oliveira tem espondilite anquilosante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A primeira pergunta que fiz ao médico foi: 'Sou estudante de educação física, vou conseguir exercer a minha profissão?'. Ele apenas respondeu que Beethoven era surdo e músico.

Precisava saber isso porque o futuro da minha carreira estava em jogo, meu objetivo era me formar, voltar para a Bahia e abrir a primeira academia da minha cidade. Fiquei pensativo com a resposta do médico, fui para casa e procurei tudo que podia sobre a doença, mas achei muito pouco, uma cartilha da Sociedade Brasileira de Reumatologia e um grupo no Orkut de pacientes com a doença.

À medida que comecei a ler artigos estrangeiros e a entender mais sobre a condição, criei um site com o objetivo de transmitir informações, contar como lido com a doença e trocar experiências com outros pacientes.

Atualmente, participo de encontros e de iniciativas em prol da conscientização sobre a espondilite anquilosante.
Com o passar dos anos, fui me adaptando com as mudanças que a doença me trouxe. Me formei em educação física, mas as portas de emprego nunca se abriram para mim. Sou voluntário, escrevo para o blog e administro as redes sociais do grupo de pacientes reumáticos de Ribeirão Preto (SP), mas gostaria de uma oportunidade para trabalhar como professor de natação --pratico esse esporte todos os dias e faço hidroginástica duas vezes por semana.

Devido ao diagnóstico e tratamento correto tardios, fiquei com algumas sequelas e limitações. Não consigo mais fazer exercícios usando os braços e as pernas, não consigo dirigir, tenho o pé direito caído (não levanto mais a ponta), ando mancando, os punhos estão comprometidos e sinto dores na coluna lombo sacral. Hoje em dia, faço tratamento com medicamentos biológicos para controlar a doença.

Samuel Oliveira tem espondilite anquilosante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Após tantos anos vivendo com a espondilite anquilosante, uma coisa que aprendi é que aceitar a doença não é se entregar, mas é reconhecer que ela existe e buscar enfrentá-la da melhor forma possível."

Saiba mais sobre a espondilite anquilosante

A espondilite anquilosante é uma doença inflamatória crônica que acomete indivíduos jovens, de 20 a 40 anos, em sua maioria homens. Ela é multifatorial, tem um componente genético associado a exposições ambientais que podem servir de gatilho para o sistema imunológico, como infecções, alterações na flora microbiana intestinal e tabagismo.

O principal sintoma é a dor na coluna vertebral com predomínio na região lombar. Muitas vezes, o desconforto pode ser visto como consequência das atividades do dia a dia, no entanto, a dor da espondilite anquilosante tem uma característica marcante: ela é diária, piora à noite —podendo despertar o indivíduo do sono— ou pela manhã, causando uma sensação de rigidez matinal.

Os sintomas costumam melhorar ao longo do dia conforme a pessoa sai do estado de repouso e se movimenta. Outros sintomas são dor e/ou inchaço em articulações dos membros inferiores e tendinites recorrentes.

O diagnóstico é realizado a partir da identificação de um conjunto de sinais e sintomas da dor lombar crônica combinados com exames de imagem, como radiografia e/ou ressonância magnética, e também testes laboratoriais.

A dor e o inchaço nas articulações indicam uma pista mais evidente para que o paciente seja encaminhado para o reumatologista, o especialista mais familiarizado com a doença —a jornada até ele costuma ser longa e desafiadora.

De início, a dor lombar provocada pela doença pode ser confundida com má postura, contraturas e estiramentos musculares, por isso é comum que as pessoas busquem por ortopedistas e/ou clínicos.

É importante que o paciente dê atenção às suas dores e busque ajuda médica ao perceber que os sintomas estão "fora do normal". Quanto mais cedo o diagnóstico correto, melhor será o resultado do tratamento.

O tratamento da espondilite anquilosante consiste no uso de anti-inflamatórios, medicamentos convencionais para modulação do sistema imune e utilização de medicamentos imunobiológicos que bloqueiam especificamente determinadas proteínas da cascata inflamatória e conseguem controlar a doença.

A realização de exercícios físicos regularmente e o abandono do tabagismo também são práticas recomendadas pelo reumatologista, especialista mais indicado para diagnosticar e acompanhar o paciente com espondilite anquilosante.

Além da dor, pode haver limitação física por alterações nas articulações e ligamentos que resultam na diminuição da amplitude de movimentos, a anquilose. A ameaça de perder a independência física e motora pode gerar impacto negativo na saúde mental da pessoa, com transtornos de ansiedade e depressão.

Cerca de metade dos pacientes podem apresentar manifestações inflamatórias que não ficam restritas ao aparelho musculoesquelético, como, por exemplo, a uveíte (inflamação no olho), psoríase (inflamação da pele com característica descamativa e avermelhada) e colite (inflamação do intestino).

A espondilite anquilosante não tem cura, mas tem controle, permitindo que a pessoa tenha uma vida normal. A utilização correta dos medicamentos combinada a uma dieta balanceada e a prática regular de exercícios físicos, que visem alongamento e fortalecimento para a manutenção da boa capacidade de movimentos, contribuem para uma melhor qualidade de vida.

Para promover a conscientização da sociedade sobre a doença, a Janssen, empresa farmacêutica da Johnson&Johnson, lançou esse ano a campanha "Combata a Dor: enfrente a Espondilite Anquilosante e conquiste mais movimento", da qual Samuel é um dos parceiros.

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Fonte: Cristiano Campanholo, reumatologista da Santa Casa de São Paulo.