Pacientes infectados por covid podem doar órgãos; entenda o que mudou
Se no começo da pandemia do coronavírus, pouco se sabia sobre a doença, hoje muita coisa mudou. Aos poucos, novas evidências científicas vão surgindo para auxiliar, principalmente, cientistas e profissionais de saúde. Uma delas é a doação de órgãos, que foi extremamente afetada assim que os casos de covid-19 explodiram no Brasil e no mundo.
Muitas dúvidas surgiram na época, sobretudo se pessoas infectadas com covid poderiam ser doadoras de órgãos. O caso envolvendo a morte do senador major Olímpio após complicações da doença aumentaram a discussão sobre o tema —a família declarou, na época, que ele tinha o desejo de ser doador.
No entanto, a orientação era de que pacientes com morte cerebral, infectados pelo vírus, não seriam elegíveis para transplante nenhum. A boa notícia é que isso mudou.
Agora, essa possibilidade existe (exceto em casos de transplante de pulmão) em determinadas situações, com base em estudos já publicados em periódicos. O tema foi debatido durante o 13º Congresso Paulista de Infectologia 2022, realizado entre 23 e 25 deste mês.
De acordo com a infectologista Raquel Stucchi, professora associada da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), são doadores (mortos) que têm teste de RT-PCR positivo e geralmente com quadros leves. São aqueles que os médicos descobrem o resultado quase que "sem querer" —algo que pode ocorrer durante um longo período de internação no hospital. Antes, eles eram descartados da lista.
"Por exemplo, é o doador que teve AVC hemorrágico, ficou em coma, e teve morte encefálica. Ou um paciente que sofreu acidente de carro, ficou internado 6, 7 dias, evolui mal e tem morte encefálica. Aí você faz o RT-PCR e dá positivo. Tem algum quadro pulmonar? Não. Então, vamos dizer que esse é o doador 'ideal', quase que assintomático", explica a médica.
Os órgãos que podem ser doados em situações como essa são fígado, rins, coração, pâncreas e a córnea (tecido).
O pulmão, por exemplo, não entra nesta lista, já que é a porta de entrada do vírus. De acordo com os palestrantes que estavam presentes na mesa, nas vezes em que tentaram transplantar um pulmão infectado, o desfecho foi ruim e, por isso, a prática foi interrompida.
Uma outra possibilidade é o paciente internado, com morte encefálica, que teve covid, mas já se curou da doença. "Ele também é um bom doador", diz Stucchi.
Na palestra, foram apresentados dados de estudos que mostram que esses órgãos, quando transplantados, não são infectados pela covid e, por isso, não passariam o vírus para o paciente. "No começo, essa era nossa maior preocupação, mas depois vimos que não [infecta o paciente que recebe o órgão], principalmente em casos leves", explica.
Um dos artigos citados foi um publicado na revista científica Transplantation, em abril deste ano, que mostra relatórios de 68 transplantes de 58 doadores com infecção prévia por Sars-CoV-2. Eles descobriram que a transmissão não ocorreu em 25 transplantes (não pulmonares) de 15 doadores que tiveram testes de RT-PCR positivos no momento da aquisição.
Mas o artigo reforça o que a médica da Unicamp disse. "Órgãos de doadores infectados com Sars-CoV-2 geralmente funcionam bem por meio de acompanhamento de curto prazo, reconhecendo o doador com a doença, que geralmente foi leve ou assintomática."
O que mudou no Brasil?
Em abril deste ano, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica atualizando as diretrizes para doação de órgãos durante a pandemia, principalmente pelo crescente aumento na lista de espera e impacto na saúde dos pacientes.
"A ausência de casos documentados de transmissão do Sars-CoV-2 em transplantes de órgãos, exceto para o pulmão, trazem a possibilidade de atualização dos critérios de triagem para a doação em determinados casos de infecção detectada, acrescentando alternativas para o aceite de um doador, baseado em uma análise criteriosa do risco-benefício", diz o documento.
Agora, é possível aceitar doadores a partir das seguintes condições:
- Doador com RT-PCR positivo para covid, cujo início dos sintomas tenha ocorrido entre 21 e 90 dias (> 21 e < 90) com resolução dos sintomas (exceto pulmão);
- Doador com RT-PCR persistente para covid cujo início dos sintomas tenha ocorrido há mais de 90 dias (> 90) com resolução dos sintomas (avaliar a doação de pulmão em caso de urgência com priorização em lista);
- Doador sem história clínica com RT-PCR positivo para covid (exceto pulmão).
Uma outra informação ressaltada pelo Ministério da Saúde é que deve ocorrer uma avaliação criteriosa do risco-benefício dos procedimentos de transplantes. De acordo com a infectologista da Unicamp e com a nota técnica, o receptor (pessoa que vai receber o órgão) precisa estar ciente desta informação. A decisão de aceitar ou não é dele.
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