Perdoar alguém não é tarefa fácil, mas traz muitos benefícios à saúde
Perdoar quem nos fez mal nem sempre é uma tarefa fácil. Mas esse ato pode ser benéfico para a saúde de várias maneiras.
Guardar mágoa tira a paz, gera estresse, afeta a qualidade do sono e pode, de fato, adoecer. "O fato de nutrir sentimentos negativos, como ansiedade e raiva, deixa o organismo cada vez mais suscetível ao desencadeamento de doenças, como depressão, alterações na pressão arterial, problemas cardíacos", afirma Júlio Rique Neto, professor de psicologia da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e pesquisador do tema.
Um estudo conduzido por Charlotte Van Oyen Witvliet, professora do departamento de psicologia do Hope College, em Michigan, nos Estados Unidos, mostra como o sofrimento e o perdão têm influência direta no nosso organismo.
Ela pediu a voluntários que se recordassem de alguma ofensa grave ou um grande prejuízo que alguém lhes tivesse causado no passado. Nesse momento, foram detectados pressão sanguínea, batimentos cardíacos e tensão muscular semelhantes às que acontecem quando se sente raiva.
Em contrapartida, quando se imaginavam perdoando e compreendendo os motivos que levaram o outro a agir de maneira a magoá-los, utilizando para isso a empatia e compaixão, os corpos dos voluntários responderam fisiologicamente, voltando ao estado normal.
Para a psicóloga Adriana Santiago, diretora do NUAPP (Núcleo de Aplicação e Pesquisa da Psicologia Positiva) e autora do livro "O Poder Terapêutico do Perdão", quem perdoa vive mais e melhor "porque deixa de arrastar as correntes dos ressentimentos e, por isso, consegue aplicar sua força vital em questões que auxiliam o florescimento pessoal".
Ela avalia que quem não consegue pedir perdão também atrapalha a sua própria evolução, visto que possui dificuldades de admitir os erros e, geralmente, terceiriza a responsabilidade por suas falhas. E há também aquelas pessoas que consideram humilhação e têm medo do outro não aceitar. "É preciso entender que podemos pedir perdão sem esperar que o outro perdoe. Só o fato de pedir já nos liberta para uma vida mais plena", ressalta.
Processo que leva tempo
René Dentz, filósofo, psicanalista e professor PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), ressalta que o ato de perdoar pressupõe tempo. Segundo ele, o processo do perdão (vale destacar que é um processo, não um ato isolado) depende muito de qual nível traumático o gesto de afetação alcançou na pessoa ferida. "Assim, para alguns perdoar é mais difícil. Alguns gestos podem ter acessado e resgatado elementos que estavam adormecidos na personalidade do indivíduo que foi vítima", diz.
Além disso, reconhecer que erramos e que fomos vítimas de uma injustiça são momentos difíceis. "Por parte de quem erra, após o reconhecimento do erro, a moral motiva a pessoa a buscar a reparação pelas razões corretas. Portanto, parte da dificuldade é aceitar que precisamos agir a partir do erro, mas perdemos o controle da situação", afirma Júlio Rique Neto.
"Erramos. A partir de então a vítima ganha o controle por direito moral, passa a ter seu tempo de reflexão, de aceitação da vitimização, de aceitação das consequências, que em alguns casos podem ser permanentes, e da decisão de se comprometer ou não em um processo de recuperação dos sentimentos positivos, que foram afetados pela dor da injustiça", diz o professor.
Por isso, ele acredita que não existe facilidade e perdão imediato para quem quer perdoar ou pedir perdão pelas razões corretas. O especialista chama a atenção para casos em que o perdão é oferecido imaturamente, o que pode manter a pessoa ofendida vulnerável em posição de risco. "É preciso termos o tempo para perdoar, o tempo para viver, reconhecer e controlar a raiva, que é um indicador benéfico e necessário ao nosso senso de dignidade e justiça. Logo, não aconselho que se deva perdoar apressadamente", enfatiza.
E, afinal, o que constitui um bom pedido de desculpas? Para Neto, ele deve ser "genuíno, oferecido com arrependimento, sinceridade e respeito ao tempo do outro de aceitar ou não", diz.
Perdoar é diferente de reconciliar
Segundo Adriana Santiago, perdão e reconciliação não necessariamente se misturam. Tanto é que muitas vezes as pessoas se reconciliam, mas não perdoam.
Ela conta muitos casos que presencia no consultório de mulheres que não perdoam traições dos seus parceiros e cometem pequenas vinganças, como lavar o vaso sanitário com a escova de dentes dele, e de filhos que, magoados com uma infância nefasta, maltratam a parentalidade no final da vida e arrastam as correntes do ressentimento com quadros depressivos e ansiosos.
"Perdoar e reconciliar são coisas muito diferentes. Posso perdoar uma pessoa e nunca mais querer ficar perto dela. Isso é legítimo. E nos dá uma certa tranquilidade, pois o grande medo de muita gente que tem dificuldade de perdoar é ter que conviver com o ser humano que lhe fez mal. Não precisa, perdão não é isso", enfatiza.
O perdão é um esforço de mão única. Ele pode ser um passo no caminho para a reconciliação, mas você não precisa percorrer o caminho completo, se preferir não fazê-lo.
Como perdoar alguém que não está arrependido
Em seu livro "Why Won't You Apologize?: Healing Big Betrayals and Everyday Hurts" (Por que você não vai se desculpar?: Curando grandes traições e feridas cotidianas, em tradução livre), a psicóloga Harriet Lerner afirma que quanto pior a ofensa, mais difícil pode ser obter um pedido de desculpas da pessoa que o prejudicou.
"Sua vergonha leva à negação e ao autoengano que anula sua capacidade de se orientar para a realidade", diz. Além disso, há outras razões pelas quais você pode não conseguir o pedido de desculpas que merece. Talvez a outra pessoa não esteja ciente do mal que fez, ou desapareceu, impossibilitando o contato, ou morreu. Diante dessa situação, é possível perdoar alguém que não está tão arrependido, ou com quem você não pode realmente se envolver?
Adriana Santiago traz um elemento da sua própria história de vida para elucidar que mesmo em momentos difíceis o perdão é o melhor remédio. Ela perdoou o ex-marido, que incendiou a casa onde moravam.
"O perdão só se refere à escolha do sujeito agredido. Perdoá-lo não significa que quero voltar a viver com ele ou que ele me pediu perdão. Não foi isso que aconteceu. Nunca mais o vi! Mas parei de ressentir, pois percebi que apesar de péssima pessoa, ele estava na melhor versão de si mesmo. Ele não conseguia ser melhor. Então, compreendi suas razões torpes e segui em frente reconstruindo a minha vida", afirma.
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