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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Após superar câncer na cervical, mãe nada 1.500 metros no mar junto a filha

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Chris Volpe

Colaboração para VivaBem

28/06/2022 04h00

Após tudo o que passamos, a saída do mar pareceu um renascimento, o início de um novo capítulo a ser escrito. Os aplausos e todo o carinho que minha mãe recebeu depois de completar os 1.500 metros de natação tornaram-se exemplo de superação para muitos ali presentes.

Mas ela já havia demonstrado toda a sua força e determinação muito antes daquele dia 10 de abril de 2022 e é preciso voltar a 2017 para entender melhor o quanto significou cada braçada que Rosimeiri Volpe deu para terminar a 1ª etapa do Campeonato Santista de Águas Abertas.

"Agora sim, 51 anos, uma boa ideia vem aí!"

Foi assim que começamos 2017: lembrando que minha mãe completaria seu 51º aniversário em novembro daquele ano. Tudo caminhava bem, ela tinha um emprego em uma escola particular, a filha estava formada em jornalismo, morando e trabalhando em São Paulo, e família era unida do seu jeitinho. Até que, em pouco tempo, tudo mudou —ou, como costumamos falar, pausou.

Uma sensação de formigamento no braço direito surgiu sem explicações e desencadeou um desconforto que impedia minha mãe até mesmo de trocar as marchas do carro. Teimosa como foi a vida inteira, ela seguiu por meses dirigindo para o trabalho usando apenas um braço, em um trajeto de cerca de uma hora de Santos, onde mora, até a Praia Grande, as duas cidades no litoral paulista.

Aquela sensação foi o princípio para desconfortos maiores. Uma nova dor surgiu nas costas, até que ela travou. "Deve ser estresse", pensamos. Rosimeiri achou que o problema poderia ser decorrente de algum mal jeito que deu durante suas práticas de ioga, já que estava se especializando na prática, mas o desconforto não passava.

Buscamos diversos médicos, mas foi uma acupunturista que a olhou diferente e indicou com firmeza: "Faça uma ressonância agora mesmo, tem algo estranho aí." Dali em diante, nossa vida virou de cabeça para baixo. Exame feito. Resultado entregue. Era um ependimoma, tumor na coluna cervical.

Pelo que me contam, minha mãe sempre foi destemida, como é até hoje. Tem um olhar que penetra na alma e é incisiva em suas falas. Ela não leva desaforo para casa. Intensa em tudo. A Rosimeiri é daquelas pessoas que costumamos dizer que têm personalidade forte

Ela me criou como mãe e pai e, formada em pedagogia, exerceu sua profissão até a descoberta do câncer. Apesar de estarmos acostumados a ver casos e mais casos da doença, a gente nunca sabe o que vai acontecer quando o problema afeta nossa família.

Conhecemos pessoas que se recuperaram, pessoas que sofreram muito e perderam a vida, mas sempre são notícias que chegam e passam. Só que, dessa vez, não passaria. O câncer estava dentro de nossa casa.

Rosimeiri Volpe - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Foi duro e demorou até entendermos o diagnóstico. O tumor era maligno e minha mãe precisaria fazer uma cirurgia para retirar o máximo que pudesse dele. Na sequência, os médicos avaliariam a possibilidade de uma radioterapia ou quimioterapia.

Como somos do litoral, subimos a serra até a capital, em busca do melhor tratamento. Depois de muita luta, conseguimos uma vaga no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), que oferece atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Lá, minha mãe contou com uma ótima estrutura, excelentes médicos e um tratamento humanizado.

O processo durou quase um ano. Entre muitas idas e vindas ao hospital, devido às crises provocadas pelos fortíssimos remédios, minha mãe, que até então estava otimista, entrou em uma depressão profunda. Foi muito difícil conduzi-la até o fim do tratamento. Mesmo assim, ela conseguiu, foi operada, se recuperou e iniciou a radioterapia, que durou cerca de 2 meses.

Retorno para casa: o recomeço

Rosimeiri Volpe - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

E agora? A doença veio, foi tratada e controlada. Como seguir depois de tudo? A família foi levando, dia após dia, sempre tentando conciliar os compromissos para nunca deixar minha mãe sozinha. Aconteceram muitas coisas até nos depararmos com uma pandemia jamais esperada.

Eu tive de sair de São Paulo e retornei para a casa da minha família, em Santos. Como válvula de escape para a loucura que o mundo enfrentava, mergulhei no esporte, que sempre fez parte da minha vida, mas se potencializou nesse momento. Para ocupar todo o tempo possível, escolhi o triatlo.

Nadar, pedalar e correr me cansava, mas também me dava a energia necessária para manter a mente saudável. Ao me ver praticar tantos esportes, minha mãe se interessou pela natação. Eu treinava há alguns meses em um clube da cidade, com o professor Thiago Faria, que é bem marrento, mas cheio de sabedoria e carinho nas palavras. Então, convidei minha mãe para fazer uma aula com ele —e comigo.

Ela chegou tímida, não tinha nem maiô adequado para o esporte. A touca e os óculos eram emprestados. Saiu de lá exausta, depois de fazer cerca de 500 metros caminhando dentro da piscina e dar poucas braçadas —era a primeira vez que praticava algum exercício além de curtas caminhadas.

Mas tive a surpresa de ver Rosimeiri completamente animada com aquilo. Ela fez sua matrícula na aula no mesmo dia e, desde então, somos as parceiras de raia mais animadas do Brasil Futebol Clube.

A evolução dela foi incrível. O esporte trouxe mais disposição para fazer até mesmo as tarefas domésticas. Minha mãe ama cozinhar, experimentar novos pratos saudáveis e começou a se empolgar ainda mais. Ao mesmo tempo em que a metragem da piscina aumentava, percebia seu corpo mudar: começou a emagrecer, a mobilidade dos braços melhorou muito e ela evoluiu, tornando-se uma verdadeira atleta.

O desafio no mar

Após quase um ano do início das aulas, em março de 2022, nosso professor disse que as provas estavam voltando e nos propôs um desafio: participar da 1ª etapa do Campeonato Santista de Águas Abertas, uma competição de 1.500 metros.

Nem eu nem minha mãe acreditamos, mas Thiago estava falando sério. Lá fomos nós, com menos de um mês para nos prepararmos, mas confiantes, pois minha mãe já conseguia completar 1.200 metros na piscina.

No dia da prova, um domingo, ouvimos a buzina e largamos. Uma das sequelas do câncer de minha mãe foi a paralisia de uma das mãos, que ganhou um formato arredondado. Logo, suas braçadas não são iguais a de pessoas sem a deficiência física. Nadamos com calma, seguras de que estávamos prontas. Fomos no ritmo da minha mãe e com apoio de um caiaque, cujo condutor virou nosso amigo durante aquela jornada.

Tínhamos três boias para passar e voltar para a areia. Indo em direção à primeira, percebemos uma correnteza forte, parecia que nunca iríamos alcançá-la. Ali já nos distanciamos dos outros competidores, ficando nas últimas colocações. Mas, como eu dizia para minha mãe, estávamos bem melhores do que os que já haviam desistido ou sequer entrado na água.

Ela seguiu firme, braçada por braçada em seu ritmo, não desanimou. Passada a primeira boia com muito esforço, estávamos cercadas de novos amigos. O pessoal do barco de apoio, que retirava as boias, esperou que completássemos todas antes de retirá-las. Sem pressa, respeitando aquele momento especial que estávamos vivendo.

O percurso até a segunda boia foi mais tranquilo, mas o cansaço já batia na minha mãe. Ainda assim, conseguimos a incentivar para a reta final, que Rosimeiri cruzou com suas últimas forças. Os caiaqueiros organizaram uma chegada linda, formando um corredor para que ela tivesse a escolta necessária até o fim do percurso. Apertei o nado e a esperei no raso, em prantos.

Minha mãe conseguiu. Ela não venceu só os 1.500 metros naquele mar. Ela venceu seus medos, limitações e dúvidas. Ela mostrou que uma doença mais ensina do que tira. Ela parou a competição, foi recebida com música, com aplausos, com alegria. Muitos dali nem conheciam sua história, mas sentiram a energia daquela conquista.

O evento parou para receber a última concluinte do desafio, que foi mais festejada do que o primeiro colocado. Ela venceu. Nós vencemos. O amor venceu. A vida venceu

E esse é só o começo.

Entenda o câncer na cervical

O ependimoma é um tumor que se desenvolve a partir das células do epêndima, presentes nos espaços do cérebro e na medula. Essas células são responsáveis por produzir o líquor e equilibrar a pressão de todo o sistema nervoso central, que corresponde ao cérebro, a parte posterior dentro do crânio e a coluna vertebral.

Os ependimomas costumam ser raros. Considerando os tumores medulares, eles estão presentes em menos de 3% dos casos, mas sua incidência tem sido cada vez maior em adultos de 30 a 40 anos. Não costumam apresentar riscos genéticos para os familiares, mas é sempre necessário avaliar caso a caso.

SINTOMAS

Como são tumores de crescimento lento, o mais comum é que o diagnóstico aconteça quando o paciente sente algum tipo de dor. Mas também é possível sentir alterações de sensibilidade nos braços, pernas, perda da força muscular em diversas regiões e, em alguns casos, incontinência tanto urinária quanto fecal.

TRATAMENTO

A cirurgia costuma ser escolhida como a primeira etapa do tratamento. Quando não é possível realizar a remoção completa do tumor na operação, a radioterapia é indicada como complemento —em alguns casos específicos, a quimioterapia também integra o tratamento.

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE FÍSICA

Fazer exercícios é fundamental para praticamente todos os pacientes oncológicos, mas principalmente para os tumores que geram alguma alteração muscular. Como a pessoa pode ter uma perda de força, a prática de exercícios ajuda para uma reabilitação mais rápida.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) indica e ressalta os benefícios da atividade tanto para o aumento da qualidade de vida e reabilitação, quanto para o incremento da sobrevida global.

Fonte: Camilla Yamada, oncologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo