'Pacientes invisíveis': parentes cuidadores também precisam de atenção
Não é novidade que familiares que assumem o papel de cuidadores de seus entes queridos, especialmente idosos com algum tipo de demência, enfrentam desgastes físicos, estresse crônico, ansiedade e quadros de depressão.
Esses parentes muitas vezes não possuem qualquer preparo emocional, físico e técnico para lidar com as atividades.
Não é incomum que se ofendam com as mudanças de comportamento observadas, que entrem em conflito com seus valores, deixem de lado sua rotina de autocuidado, convívio social, aumentem suas preocupações com as questões financeiras e que sintam até vergonha de perceberem sua exaustão.
A neuropsicóloga Laiss Bertola, pesquisadora do ReNaDe (Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP), aponta que os cuidadores são, muitas vezes, "pacientes invisíveis", pois há um foco maior no idoso e muito menor para quem cuida dele, sendo que a qualidade de vida de ambos depende muito de como essa interação acontece.
Quem cuida de quem cuida?
A experiência foi vivenciada pela empresária Thais Vieira, 30, quando dividiu com sua mãe os cuidados da avó Yolanda Vieira de Moraes, que tinha 72 anos quando morreu, em 2019.
Em seu relato ela recorda que viu sua mãe abdicar dos compromissos que lhe eram rotina e juntas enfrentaram diversos dilemas, pois cuidar de um familiar exige pulso firme para algumas coisas e o coração fica dividido entre a razão e a emoção.
Rosana Alves, psicóloga, neurocientista e diretora do Instituto Neurogenesis, defende que para esses cuidadores participar de grupos de apoio é importante. A família de Marcelo Esteves, 48, também relembra como sofreu durante os sete anos que passou cuidando do pai João Esteves de Azevedo, até sua morte, aos 86 anos.
A saúde do idoso estava deteriorada após enfrentar um câncer de próstata, três AVCs (acidente vascular cerebral), uma amputação de perna e todo o impacto físico, psicológico, emocional, social e financeiro que isso causou. Marcelo lembra que revezou os cuidados com os 11 irmãos e que, apesar de numerosos, nada os preparou para ver seu pai adoecer cada vez mais.
Pandemia agravou saúde mental de cuidadores
Além das dificuldades enfrentadas diante da função de cuidadores, os familiares tiveram mais uma preocupação em sua lista: garantir a própria segurança e manter a assistência ao ente querido em um cenário de profundas mudanças e incertezas na pandemia.
Um destes exemplos é o de Maria Martina, 63, que em meio à pandemia recebeu a notícia de que sua mãe Antônia Martina, 90, estava com câncer e também traços significativos de demência. A notícia fez sentido, pois já havia um tempo que Maria convivia com alterações comportamentais de sua mãe, como agressividade, confusão de pensamentos, agitação, teimosia, entre outros.
Na tentativa de se refugiar em suas lembranças, tentou buscar imagens familiares em que havia felicidade, mas a realidade era dura e sentia como se a mãe não estivesse mais lá. A tentativa de passar pela pandemia e equilibrar os cuidados ainda é um desafio para esta família.
Estudo propõe estratégia de autocuidado
Mas se depender de um grupo de cientistas americanos do Centro de Estudos de Saúde e Envelhecimento do Hospital Geral de Massachusetts (EUA), que estão testando uma nova abordagem terapêutica para os familiares cuidadores, baseada em meditação e imaginação guiada, essa relação pode melhorar.
Segundo o estudo, divulgado na revista Psychotherapy and Psychosomatics, a iniciativa tem o objetivo de contribuir para o fortalecimento emocional dos cuidadores, construir habilidades de empatia e compreensão da mente dos seus familiares. Espera-se que, a partir disso, possam realizar suas tarefas com estratégia e menor impacto sobre a própria saúde.
Assim nasceu a chamada Terapia de Mentalização de Imagens, que não apenas minimizou os sintomas negativos associados à função do cuidado dos participantes, mas aumentou seu nível de bem-estar. A transformação também pôde ser observada nos exames de neuroimagens, que indicaram alterações benéficas em áreas do cérebro responsáveis pelo controle cognitivo e regulação emocional.
Kayo Barboza, psiquiatra e instrutor de mindfulness da Holiste Psiquiatria (BA), explica que a técnica utilizada no estudo promoveu —através de imagens que remetiam a pensamentos de autocompaixão, bem-estar, autoconsciência e outros traços positivos— a capacidade de estimular e desenvolver novas conexões na região cerebral responsável pela produção desses comportamentos, como o córtex pré-frontal dorsolateral.
A explicação do funcionamento cerebral segue com a neuropsicóloga Laiss Bertola, que esclarece que o cérebro busca sempre "economizar" energia estabelecendo um arsenal de comportamentos automáticos que nos dá a capacidade de agir sem pensar muito.
As práticas de atenção plena, como a utilizada no estudo, buscam fazer com que tenhamos a oportunidade de observar essas escolhas de comportamentos e agir sobre elas.
O estudo foi conduzido durante quatro semanas, com 46 cuidadores que foram divididos em dois grupos: um com 24 pessoas que se submeteram ao novo método e o outro com 22 membros que participaram apenas de grupos de apoio tradicionais.
Exames de neuroimagem e questionários colaboraram para comparar as performances e mensurar os resultados, que se mostraram superiores no grupo que realizou a nova terapia.
O que pode ser feito para melhorar a saúde dos cuidadores familiares
Um dos maiores desafios para quem ocupa a posição de cuidador é compreender que também precisa de cuidados. Uma reflexão compartilhada pelo psiquiatra Kaio Barboza é a de que o cuidador, seja ele profissional ou não, jamais pode perder de vista que também é um ser humano, que enfrenta seus desafios e precisa de cuidados.
Segundo ele, é necessário o investimento em estratégias, como buscar uma estrutura de apoio, desenvolver atividades que deem prazer, boa alimentação, prática de atividade física, acompanhamento psicoterápico, entre outros.
Apenas dessa forma conseguirão oferecer um cuidado humanizado, com qualidade e responsabilidade para exercer seu papel de forma saudável para si e para o outro.
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