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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Não é só bocejo: riso e choro também são contagiantes; entenda

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Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

12/07/2022 04h00

É automático e ocorre quase sem querer, basta rir, bocejar e até chorar para que outra pessoa tenha a mesma reação. Esses estados de espírito despertados pelas ações repetidas podem ser tanto positivos quanto negativos. Dor, medo, ansiedade, recompensa e inveja estão entre os diversos comportamentos contagiantes e imitados de forma involuntária.

"Em relação ao choro, os primeiros estudos desse tema datam da década de 1980 e foram realizados com recém-nascidos, mostrando que desde muito cedo o ser humano possui essa característica marcante", afirma Leonardo de Sousa Bernardes, neurologista com especialização em neuro-oncologia pela EPM (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Hospital Sírio-Libanês.

E não são apenas os seres humanos que repetem o comportamento do semelhante, alguns animais mamíferos também têm essa característica, segundo Edmundo Luís Rodrigues Pereira, neurologista, neurocirurgião e professor de neurologia da UFPA (Universidade Federal do Pará). "Esse mecanismo representa, antes de mais nada, um recurso primitivo de sobrevivência, uma vez que a empatia e a antipatia são, diretamente, relacionadas ao reconhecimento daquilo que lhe é próprio, inerente ou agradável."

Nas palavras de Bernardes, a empatia é um conceito crucial para esse processo, e pode ser definida como sendo a capacidade de compreender as emoções de terceiros, relacionada à ativação de estruturas neuronais e respostas fisiológicas.

O professor da UFPA cita o clássico experimento em que o pesquisador mostra sua língua e induz um pequeno primata (Rhesus), recém-nascido, a repetir o gesto.

Neurônios espelho

A razão pela qual esses atos são reproduzidos por indivíduos próximos se deve à existência de neurônios capazes de copiar certas atitudes alheias. "Essas células nervosas são conhecidas como neurônios em espelho (mirror neurons, em inglês) e predominam em áreas motoras suplementares (secundárias ou terciárias), relacionadas à movimentação involuntária ou automática, e nas áreas sensoriais (visão, audição e tato), ditas associativas, locais de processamento de estímulos externos ou ambientais", explica Pereira.

Os neurônios espelho foram descritos inicialmente pelo cientista italiano Giacomo Rizzolatti e colaboradores na década de 1990. "É uma descoberta relativamente recente no campo da neurociência, descrita em primatas", pontua Bernardes.

De acordo com Inara Taís de Almeida, neurologista com especialização em neuroimunologia pelo Ambulatório de Doenças Desmielinizantes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os neurônios espelho podem ser importantes para entender as ações de outrem e para aprender novas habilidades por imitação.

"Esses neurônios espelho são estimulados quando é realizada ou observada uma ação iniciada por uma segunda pessoa. Assim, eles espelham a conduta, como se o próprio espectador estivesse agindo", diz Almeida.

Todas as pessoas têm a capacidade de desenvolver esse comportamento, ou seja, imitar o que se vê, ouve ou percebe de alguma maneira, inclusive movimentos corporais complexos, sem tê-lo realizado antes e sem depender da memória, segundo artigo sobre o tema, publicado em 2006.

"Especula-se que os sistemas de neurônios espelho podem simular ações observadas e, assim, contribuir para as habilidades da teoria da mente. Alguns pesquisadores os relacionam às habilidades de linguagem", afirma Almeida.

Circuitos cerebrais

Além do espelhamento, esses processos compreendem outros circuitos cerebrais que se conectam, de forma direta ou indireta, entre si. Bernardes explica que os sinais processados passam por estruturas cerebrais do córtex límbico, chegando à amígdala, que é capaz de interpretar as expressões emotivas e processar respostas frente a essas emoções. Ela envia sinais e ativa o locus cerúleos, que faz parte do sistema noradrenérgico e que possui ligações com o hipotálamo, importante região do cérebro envolvida no processamento de emoções.

Há ainda a participação de uma terceira estrutura. "Estudos com ressonância magnética de encéfalos funcionais evidenciaram que estruturas como o córtex cingulado anterior, o córtex pré-frontal medial e a junção temporoparietal estão presentes no desenvolvimento da empatia, autoconsciência e resposta a emoções de outros —os imitando, por exemplo", diz.

Além da empatia

O vínculo afetivo com a pessoa que gerou a emoção influencia a reação. "Caso haja uma boa relação, como uma amizade, a probabilidade de isso acontecer é muito maior", diz Bernardes.

Segundo ele, além da empatia, o contágio emocional está relacionado também à simpatia, que, embora seja similar, é melhor traduzida como a capacidade de compartilhar um sentimento.

Para o professor da UFPA, os incontáveis heróis, incluindo os jogadores de futebol, além dos personagens de histórias, que costumam inspirar as crianças, são exemplos desse mecanismo de imitação. "Os heróis são indispensáveis para um saudável amadurecimento emocional, psicológico, comportamental e até mesmo corporal."

Entre os exemplos, Pereira cita ainda o cantor e compositor Roberto Carlos, que atrai multidões de fãs, mas também não foram poucos os que fizeram carreira ao imitá-lo no gestual, na voz e na aparência.

Atração por estados negativos

Os estados de espírito afetam os indivíduos por meio do mesmo mecanismo, ou seja, pela ativação das células nervosas em espelho relacionadas à empatia.

"Nesse ponto, é importante frisar que boa parte das pessoas possui certa inclinação —ou atração— por estados negativos. Parece ser mais fácil aderir a um estado de tristeza do que ao de alegria. Provavelmente isso seja resultado das experiências negativas que cada um acumula ao longo da sua existência", observa Pereira.

Já as emoções mais intensas, como a raiva, estão associadas a regiões mais primitivas do cérebro, de acordo com Almeida. "O efeito manada abrange processos mais complexos relacionados à cognição social."

Fontes: Edmundo Luís Rodrigues Pereira, neurologista e neurocirurgião, doutor em ciências médicas e oncologia e professor de neurologia da UFPA (Universidade Federal do Pará); Inara Taís de Almeida, neurologista com especialização em neuroimunologista pelo Ambulatório de Doenças Desmielinizantes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro titular da ABN (Academia Brasileira de Neurologia); Leonardo de Sousa Bernardes, neurologista com especialização em neuro-oncologia pela EPM (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Hospital Sírio-Libanês.