Ela descobriu doença renal ao perder bebê e fez um transplante preventivo
Gledsan Caldeira, 42, estava grávida de oito meses quando perdeu seu bebê, possivelmente decorrente de complicações da insuficiência renal crônica que ela até então desconhecia. Após seis anos de tratamento, ela foi submetida a uma cirurgia inédita no oeste do Pará, o transplante renal preemptivo, quando o paciente renal crônico faz o procedimento antes de precisar da hemodiálise e com um doador vivo —o rim foi doado pelo irmão dela: Aglenilson Caldeira, 36.
A cirurgia foi realizada no dia 14 de junho de 2022, pelo SUS (Sistema Único de Saúde), no Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), na cidade de Santarém, na região amazônica. Gledsan conta que ganhou uma nova chance e divide sua história a seguir:
"Em 2015, engravidei do João Ulisses, um filho planejado e muito desejado. No início, a gestação foi tranquila, mas a partir do 5º mês apresentei um quadro de infecção de urina recorrente. Com oito meses, comecei a reter líquido e a ficar muito inchada nas mãos, pernas e pés. Como algumas mães comentaram que era normal isso acontecer na reta final da gestação, fiquei tranquila e aguardando a próxima consulta do pré-natal no posto de saúde, que seria em 15 dias.
Nesse período, o inchaço aumentou, tive enjoos, vômitos e fui para o hospital local, onde fui diagnosticada com pressão alta. Após dois dias internada, me transferiram para um hospital com mais estrutura no município de Santarém.
Cheguei lá em uma sexta-feira, o médico ouviu o coração do bebê, mas não fez ultrassom. Ele disse que nós dois estávamos bem, me deu alta, mas pediu para eu continuar na cidade para eu ter o João lá. Como de Santarém para Almeirim, onde moro, são 24 horas de barco ou precisa fretar um monomotor, eu e meu marido ficamos na casa de uma sobrinha.
Na terça, dia 21 de junho de 2016, marquei uma consulta com um ginecologista obstetra no Hospital Regional do Baixo Amazonas para me certificar de que estava tudo bem mesmo. O médico tentou ouvir o coração do bebê, mas ficou em dúvida e solicitou um ultrassom de emergência.
Durante o exame, a médica que realizou a ultrassonografia disse: 'Mãezinha, seu bebê não está apresentando sinais de vida'. Chorei muito, foi a pior notícia da minha vida. No dia seguinte fizeram uma cesárea para retirar meu filho.
Em meio a esse processo, desenvolvi uma eclâmpsia pós-parto. Fiz vários exames para entender o que teria causado a morte do João e descobri que eu estava com insuficiência renal progressiva. Perguntei ao médico se poderia engravidar de novo, mas ele e outros profissionais que consultei disseram que não era indicado pelo risco de vida para mim e para o bebê.
Ao sair do hospital, passei com vários especialistas, fiz novos exames, descobri que meus rins eram pequenos, atrofiados e iniciei um acompanhamento nefrológico, que consistia em tomar medicação, fazer atividade física e seguir a dieta da nutróloga.
Desde o começo, o nefrologista explicou que o tratamento retardaria o início da hemodiálise, mas que possivelmente em algum momento eu precisaria ir para a máquina. Morria de medo porque sei como os pacientes renais sofrem, ficam debilitados e perdem qualidade de vida. Pedia a Deus para me livrar e não precisar fazer.
Após seis anos de tratamento, o funcionamento dos meus rins chegou a 7% e passei a ter sintomas mais graves da doença, como anemia, náuseas e vômitos. O nefrologista disse que eu teria três alternativas: fazer diálise peritoneal (o SUS liberaria a máquina para eu fazer em casa); hemodiálise na clínica ou transplante renal.
Minha opção era o transplante, mas achava que só poderia fazer se já estivesse fazendo a hemodiálise. Foi quando o médico me apresentou o transplante renal preemptivo, um procedimento que é realizado antes do paciente renal crônico precisar ir para máquina de hemodiálise e com doador vivo.
Essa possibilidade me encheu de esperança, conversei com a minha família, que sempre me apoiou e expus minha situação. Meu marido e meus três irmãos se ofereceram para doar, todos fizeram exames, mas só o sangue do Aglenilson é compatível com o meu. Meu irmão disse: 'Mana, tenho visto seu sofrimento, só quero que seja feliz. Tenho dois rins, dou um para você'.
A partir daí, iniciamos o processo para o transplante preemptivo, porque não basta o doador ser apenas compatível, ele precisa ter a saúde boa e atender a uma série de requisitos. Durante três meses fizemos diversos exames e o Aglenilson foi aprovado como doador.
No dia 14 de junho de 2022, eu e meu irmão fizemos o transplante renal preemptivo, o primeiro realizado na região oeste do estado do Pará. A cirurgia foi um sucesso e temos nos recuperado bem.
Sou muito grata ao meu irmão pelo amor incondicional que ele demonstrou por mim. E também grata a Deus, a quem eu pedi tanto para não precisar fazer hemodiálise, ele ouviu minhas orações e me permitiu fazer o transplante preemptivo.
Não tenho resposta para tudo o que aconteceu, perder um filho é algo que a gente nunca supera, mas hoje vejo que o João salvou a minha vida, foi com a perda dele que descobri a insuficiência renal e pude iniciar meu tratamento. O transplante é uma nova chance de continuar vivendo com mais qualidade."
O que é o transplante renal preemptivo?
O transplante renal preemptivo é uma modalidade de transplante renal que ocorre geralmente com doador vivo (intervivos), no qual o procedimento é realizado antes da falência renal total e antes de o paciente renal crônico precisar fazer hemodiálise ou diálise peritoneal, como ocorre na grande maioria dos transplantes renais do país.
O transplante pode ser também realizado com doador falecido, em situações especiais como crianças e doentes com nefropatia diabética, que podem ingressar em lista antes de iniciar o tratamento dialítico.
Para quem é indicado o transplante renal preemptivo?
Assim como o transplante renal convencional, o transplante renal preemptivo é indicado para pacientes portadores de doença renal crônica com necessidade de substituição renal. Para que esta modalidade de transplante seja executada é fundamental que o paciente possua diagnóstico precoce da doença renal crônica e realize acompanhamento contínuo, pois a descoberta da doença renal em estágio avançado inviabiliza esta opção de tratamento.
Quais os critérios para ser um doador no transplante renal preemptivo?
Para ser doador, é necessário manifestar espontaneamente esse desejo, estar saudável, não ter doenças que possam comprometer a saúde dos rins a curto ou longo prazo e ter compatibilidade imunológica com o receptor, comprovada através de análises clínicas.
Quem já fez ou faz hemodiálise pode fazer o transplante renal preemptivo?
Não, mas pode ser candidato ao transplante convencional, que ocorre quando o paciente já está em hemodiálise ou diálise peritoneal. Ele entra na fila de transplantes e pode receber o rim de um doador vivo ou morto.
Quais as vantagens do transplante renal preemptivo?
- O paciente não chega a passar pela hemodiálise e diálise peritoneal: tratamento para filtragem do sangue, realizado em média três vezes por semana, durante quatro horas. A terapia pode ser traumática e desgastante para o paciente;
- Preserva a função renal residual do paciente/receptor, que é quando os rins dele ainda apresentam alguma capacidade de filtragem do sangue;
- Estatisticamente é um transplante com melhor duração e menor mortalidade, portanto, maior sobrevida tanto do enxerto renal, quanto do paciente;
- Este tipo de transplante também levanta a importância da prevenção da doença renal, pois essa modalidade só é possível quando o paciente faz acompanhamento. A prevenção e o monitoramento diminuem a velocidade de progressão da doença renal e, em algumas situações, pode até ser curativo.
Quais os riscos do transplante renal preemptivo?
Os riscos são os mesmos do transplante convencional, entre eles: rejeição do rim doado, atraso na função do rim doado, infecção na cirurgia e formação de coágulos sanguíneos.
Na gestação, a insuficiência renal pode causar a morte do bebê?
Sim, a insuficiência renal pode causar óbito fetal. Isso porque a doença renal pode ocasionar algumas alterações não fisiológicas maternas, como hipertensão, que eleva o risco de alterações no fluxo de sangue na placenta, restrição do crescimento fetal, descolamento prematuro da placenta e parto prematuro. Há ainda alterações na coagulação do sangue e outros fatores que podem ocasionar a perda fetal.
Nestes casos, a gestação é considerada de alto risco devido ao maior risco de mortalidade do bebê, assim como complicações maternas e fetais devido ao ambiente urêmico, isto é, os efeitos da insuficiência renal, como aumento de ureia, acidose do sangue, alteração dos eletrólitos, como o potássio e o cálcio, além de anemia.
A paciente gestante diagnosticada com doença renal crônica deve ser acompanhada concomitantemente por nefrologista e serviço de obstetrícia de alto risco. Os sinais de alerta são: perda de líquido, cólicas e sangramentos.
Fonte: Emanuel Esposito, médico nefrologista da Pró-Saúde e responsável técnico pelo Serviço de Transplante do Hospital Regional do Baixo Amazonas.
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