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É verdade que ressaca de vinho é pior do que de outras bebidas?

Priscila Barbosa
Imagem: Priscila Barbosa

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

20/07/2022 04h00

A pergunta é frequente e, com certeza, rende boas e divertidas discussões entre os amigos, afinal, sempre haverá aquele com a melhor história para comprovar que sim, a ressaca de vinho é a pior quando comparada às outras. Mas a verdade é que as reações fisiológicas e psicológicas que envolvem a intoxicação aguda pelo álcool são relativas à quantidade ingerida e ao teor alcoólico de cada bebida.

Cansaço, mal-estar, astenia (fraqueza), dor de cabeça, boca seca, náusea, vômito, tremores, falta de apetite, sudorese, sonolência, ansiedade, irritabilidade, sensibilidade à luz e ao barulho e atenção prejudicada são os sintomas mais comuns que envolvem o consumo exagerado das bebidas alcoólicas.

"A ressaca causa prejuízos neurocognitivos relacionados à função executiva, como distúrbio de atenção, memória e habilidades psicomotoras, bem como tarefas cotidianas", afirma Isolda Prado, médica nutróloga, diretora na Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) e professora de nutrologia na UEA (Universidade do Estado do Amazonas).

A gravidade associa-se à quantidade consumida, sono, ingestão alimentar, genética, glicemia, desidratação e congêneres.

"Os sintomas gerais decorrem da desidratação que o álcool provoca, quando bloqueia o hormônio antidiurético. Por isso, quem está bebendo termina desidratado de tanto urinar, apesar da ingesta dos líquidos. Já os problemas digestivos estão relacionados ao tipo da bebida", enfatiza Edmundo Lopes, coordenador da disciplina de gastroenterologia da Faculdade de Medicina do Recife da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e gastroenterologista do Hospital das Clínicas da UFPE, ligado à rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Os sintomas da ressaca ocorrem várias horas após o consumo, cerca de 6 a 8 horas, e podem durar até mais de 24 horas. Fatores de saúde impactam a intensidade da intoxicação etílica no organismo, como distúrbios no fígado ou nos rins.

Segundo Álvaro Pulchinelli, toxicologista do Fleury Medicina e Saúde, a capacidade de eliminar a substância é individual e, ao ser ultrapassada, amplia o risco de mal-estar.

"As pessoas que já fizeram cirurgia bariátrica precisam ter mais cuidado, pois passam por mudanças na digestão e na absorção, sendo comum que se intoxiquem mais rápido e com mais intensidade. O consumo associado a mais carboidrato eleva as reações", orienta Juliana Cunha Rocha, médica intensivista do Hospital Udi Rede D'Or São Luiz, em São Luís (MA).

Características genéticas —no caso dos asiáticos— dificultam a metabolização e provocam danos, como desidratação, aumento da produção de suco gástrico, hipoglicemia e alterações de sono.

As mulheres apresentam menores níveis de enzimas responsáveis pelos processos metabólicos do etanol e demoram mais tempo para eliminá-lo. "Elas se intoxicam de forma mais fácil e têm maior risco de desenvolver enfermidades como a cirrose até 5 anos mais cedo", alerta Rocha.

Sensibilidades às substâncias presentes no vinho

No caso do vinho, segundo Lopes, a sensação da ressaca ser pior relaciona-se diretamente à uva, que irrita a mucosa digestiva, provoca fermentação, náuseas, dor no estômago e vômitos.

O toxicologista do Fleury Medicina e Saúde comenta que existem pessoas com hipersensibilidade a alguns componentes do vinho, como o tanino, polifenóis e outras substâncias que geram desconforto em casos específicos, mas a ressaca não é necessariamente pior.

Algumas bebidas utilizam em sua composição produtos químicos, frutas e raízes, por exemplo, que agravam a ressaca pela junção desses componentes. "Quem já tem disfunções digestivas, como refluxo gastroesofágico ou gastrite, vai sofrer muito mais, sobretudo com as fermentadas", comenta o médico do HC-UFPE.

Os fatores genéticos, incluindo histórico de dependência de álcool na família, presença de subprodutos do processo de fermentação, de substâncias, como adoçantes e outras para realçar o sabor, e o uso de drogas também intensificam a gravidade.

Reações orgânicas

Após a ingestão, o etanol começa a ser absorvido em 30 a 40 minutos pelo organismo —20% pelo estômago e 80% pelo intestino delgado— e é distribuído por todos os tecidos e líquidos corporais, incluindo-se o cérebro. "Se o indivíduo estiver em jejum, esse tempo de absorção cai pela metade", informa Lopes.

"A concentração máxima no sangue é atingida entre 30 e 90 minutos. Mas, em média, exames de sangue identificam o álcool na corrente sanguínea por até 6 horas. Em bafômetros e testes de saliva, a detecção pode durar entre 12 e 24 horas. A eliminação pelo fígado é, em média, de 0,1 a 0,2 g/l por hora", lista Prado.

Para metabolizar, o organismo leva cerca de 6 a 8 horas e, após esse processo, o corpo necessita de mais tempo para se recuperar.

Volume ingerido e teor

É comum as pessoas pensarem que ao misturar bebidas destiladas e fermentadas ficarão mais bêbadas, porém tudo vai depender do volume ingerido, assim como os efeitos apresentados pelo organismo.

"O percentual de álcool nas destiladas é bem maior do que nas fermentadas. Além disso, nas fermentadas, a ingesta de água é maior, sobretudo com a cerveja, e a desidratação não costuma ser tão intensa", afirma Lopes.

As bebidas têm diferentes graduações alcoólicas e, para comparação, considerando 300 ml, na cerveja essa quantia corresponde a 15 a 27 g de álcool, já o vinho possui 54 g; na vodca pura, esse mesmo volume representa 120 g; e no absinto, são de 150 g a 270 g da substância.

Bebeu e esqueceu?

A amnésia alcoólica, o famoso blackout ou apagão, ocorre porque o cérebro é incapaz de funcionar de maneira correta sob a influência do álcool.

"À medida que o nível aumenta no sangue, maior é a dificuldade para ter um funcionamento cerebral normal e, por isso, atividades menos importantes, como a criação e solidificação de memórias, vão sendo desligadas", explica Prado.

O apagão é recorrente em pessoas que bebem sem terem se alimentado, nas que são mais sensíveis aos efeitos ou nas que não têm o hábito regular. "Quanto maior for o teor alcoólico, maiores serão os riscos de sofrer um blackout", enfatiza.

O fenômeno independe do tipo de bebida alcoólica, porém é vinculado por muitos à vodca, pois é combinada, na maioria das vezes, a sucos e frutas, o que torna o sabor agradável e a ingestão mais rápida e, com isso, a concentração etílica sobe no organismo.

"Uma embriaguez com alto nível alcoólico no sangue que leva à amnésia é muito perigosa, pois coloca o indivíduo em situações de risco como lesões ou acidentes de trânsito, entre outros", alerta Pulchinelli.

Para evitar essas situações ou reduzir a ressaca, é importante intercalar as doses de álcool com água, para manter o organismo hidratado, e se alimentar, pois isso retarda a absorção e ajuda o corpo a processar.

O que fazer para o mal-estar passar?

Primeiramente, os especialistas orientam a não beber conteúdo alcoólico na sequência, pois a prática, feita com regularidade, leva a consequências graves, como cirrose ou pancreatite.

Repouso, reidratação com líquidos de forma abundante —água, sucos de frutas naturais ou água de coco—, não exagerar no café e fazer refeições leves são as recomendações.

Os remédios não cortam os efeitos do álcool no organismo, mas, sim, aliviam os sintomas: medicamentos para diminuir as náuseas, analgésicos reduzem dor de cabeça e antiácidos protegem o estômago.

"Se a pessoa abusou do álcool não tem como escapar da ressaca", enfatiza o toxicologista do Fleury Medicina e Saúde.