Varíola dos macacos: é possível pegar em botões ou na barra do ônibus?
Embora ainda existam dúvidas sobre como a varíola dos macacos se propagou tão rápido em diferentes países, há um consenso entre especialistas que lidam com casos da doença: a sua principal forma de transmissão, até o momento, é o contato próximo com as lesões que a condição causa na pele.
Não à toa, uma das principais formas de impedir o contágio é evitar o contato direto com pessoas contaminadas. "O que a gente tem visto no mundo inteiro, em mais de 96% dos casos, é uma transmissão diretamente de contato pele a pele. Não é com qualquer região da pele, é contato direto com a lesão da pessoa infectada", diz Clarissa Damaso, virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Damaso é uma das cientistas que compõem o grupo de trabalho para enfrentamento da varíola dos macacos organizado na UFRJ. O objetivo da iniciativa é testar pessoas com suspeita da doença e acompanhar os pacientes para avaliar a evolução dos quadros e reduzir a disseminação do vírus que causa a condição, o monkeypox.
O patógeno já foi identificado em 74 países. Segundo o portal Our World In Data, há mais de 17 mil casos confirmados da doença em todo o mundo.
No Brasil, 813 pessoas já foram diagnosticadas com a condição, segundo balanço divulgado nesta semana pelo Ministério da Saúde. A maioria das confirmações está em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Febre alta e súbita, dor de cabeça e aparecimento de bolhas na pele são os principais sintomas da doença. Entenda abaixo como a monkeypox é transmitida e as formas de evitar o contágio.
Contato com lesões
Alexandre Naime Barbosa, professor da Unesp e vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), explica que o líquido dentro das bolhas causadas pela monkeypox, bem como a crosta das feridas, contêm o vírus e, por isso, são altamente infecciosos.
O risco de transmissão de pessoa para pessoa por contato próximo com essas lesões aumenta quanto mais duradoura e intensa for a interação.
"Estamos vendo uma predominância clara de transmissão durante o contato sexual, porque o sexo envolve um contato de pele muito intenso, duradouro, o que tem facilitado o contágio", explica Damaso, da UFRJ.
Um estudo publicado na semana passada no New England Journal of Medicine, que avaliou 528 pacientes de 16 países, identificou que 95% das infecções ocorreram por meio da atividade sexual.
A pesquisa sugere que a maioria das transmissões até agora está relacionada principalmente ao sexo, mas não exclusivamente, entre homens que praticam sexo com homens.
Contudo, os autores ressaltaram que ainda "não há evidências claras de transmissão sexual por meio de fluídos seminais ou vaginais".
A possibilidade está em estudo, já que ainda não se sabe se a transmissão se dá pelo contato prolongado com as lesões na pele no sexo ou se isso também acontece pelos fluídos sexuais durante o ato.
Embora a maioria dos casos da doença tenha sido identificada na comunidade de gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH, na sigla em inglês), a OMS (Organização Mundial da Saúde) também acrescenta que qualquer pessoa pode contrair ou transmitir a monkeypox, independentemente de sua sexualidade, e que "estigmatizar as pessoas por causa de uma doença nunca é okay".
Transmissão por gotículas
A infecção também ocorre por contato com secreções respiratórias, ou seja, saliva.
Segundo a OMS, geralmente é preciso ter contato face a face por tempo prolongado, o que coloca em maior risco os profissionais da saúde, membros da família e outros contatos próximos dos infectados.
Transmissão por objetos
O contato com objetos recém-contaminados é outra possível via de transmissão da varíola dos macacos: lençóis, roupas e toalhas, por exemplo.
Damaso, da UFRJ, afirma que as pessoas que trabalham com esses objetos, como camareiras, por exemplo, devem aumentar a vigilância: "É recomendável utilizar luva e máscara, porque basicamente o vírus fica na crosta da lesão quando ela seca e cai".
A descontaminação de roupas ou lençóis pode ser feita por lavagem com água quente e sabão.
Transmissão por superfícies lisas
O botão do elevador, os equipamentos de academia e a barra do ônibus são exemplos de superfícies lisas cujo contágio pela varíola dos macacos não deve gerar pânico, segundo os especialistas ouvidos pelo VivaBem.
De acordo com Álvaro Costa, infectologista do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), embora ainda não se saiba por quanto tempo o vírus permanece viável para transmissão em superfícies lisas, o risco de transmissão nesses casos é "pouquíssimo provável".
Barbosa, da SBI, afirma que o risco de contágio é bem maior em superfícies como pano, lençol, toalha e roupas.
"A contaminação por superfícies lisas só seria possível se a pessoa acabou de tocar na lesão com o dedo e depois tocasse com a lesão no botão do elevador, por exemplo. Isso é mais difícil e a gente realmente não tem observado esse cenário", diz Damaso.
Ainda assim, hábitos de higienização das mãos adotados em função da pandemia de covid-19 devem ser mantidos, dizem os especialistas.
Animais também podem transmitir?
Os hospedeiros naturais mais prováveis do monkeypox não são os macacos, mas, sim, os roedores selvagens da África. No continente, há evidências de infecção pela doença por meio do contato com esses animais, mas isso não foi identificado em nenhum outro lugar do mundo até o momento.
Segundo Damaso, não existe nenhuma evidência de que o vírus tenha encontrado um reservatório animal nem nos países na Europa ou Estados Unidos, tampouco no Brasil.
"Mas precisamos agir rápido e conter a disseminação, para não ocorrer a passagem que a gente chama de 'spillback', ou transbordamento ao contrário, ou seja, o vírus sair do homem e ir para um animal, porque todo vírus que tem um reservatório animal é mais complicado de controlar", diz a virologista.
Transmissão doméstica e vertical
No mundo, casos de varíola dos macacos também já foram diagnosticados em crianças. Os EUA, por exemplo, registraram nesta semana os primeiros casos pediátricos da doença.
Segundo as autoridades americanas, os casos não estão relacionados entre si e são "provavelmente o resultado de transmissão doméstica".
"Vários países já descreveram casos de pais infectados que moram com os filhos e eles também foram infectados, e vice-versa. Isso mostra como não é uma doença exclusivamente transmitida por contato sexual, é contato de pele", analisa Damaso.
Segundo a OMS, a transmissão também pode ocorrer através da placenta da mãe para o feto (o que pode levar à varíola congênita) ou durante o contato próximo durante e após o nascimento.
Como reduzir o risco de transmissão?
Além de evitar o contato com pessoas infectadas, no âmbito individual também é preciso ficar atento à presença dos sintomas da doença e procurar atendimento médico o quanto antes para receber o diagnóstico e impedir a cadeia de transmissão do vírus.
Ambientes quentes e úmidos, como as saunas, onde há maior risco de proliferação de patógenos, também devem ser evitados, sugere Costa, do HC-FMUSP.
Quanto aos profissionais de saúde que cuidam de pacientes com infecção suspeita ou confirmada pela monkeypox, bem como aqueles que manuseiam amostras do vírus, a OMS recomenda que "devem ser implementadas medidas-padrão de controle de infecção".
Para o vice-presidente da SBI, é urgente que os profissionais da saúde no Brasil sejam treinados a identificar os quadros clínicos da doença, nem sempre óbvios —ele, por exemplo, já atendeu um paciente que apresentava apenas uma pequena lesão no queixo, semelhante a uma espinha.
"Às vezes, a doença tem características tênues, por isso é tão necessário discutir e investir em educação médica continuada com os profissionais de saúde. A gente tem que testar mais pessoas para poder descobrir os casos, caso contrário não será possível fazer o contingenciamento do surto", diz Barbosa.
"Estamos vendo esse salto de número de casos, mas é apenas a pontinha do iceberg", alerta.
Damaso, da UFRJ, também enfatiza que a vigilância e a identificação rápida de novos casos são fundamentais para a contenção do surto.
Ainda em termos de prevenção coletiva, a virologista aponta a importância de vacinar os grupos indicados pela OMS, incluindo profissionais da saúde que estão envolvidos no diagnóstico da doença ou no trabalho com o vírus em laboratório, assim como os homens que fazem sexo com homens que queiram se imunizar como uma forma de prevenção.
Nesta semana, o secretário de vigilância do ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, declarou ao jornal O Globo que a pasta cogita criar um comitê de segurança dedicado especificamente à varíola dos macacos no Brasil.
A pasta está planejando a compra de imunizantes usados para combater a varíola humana —erradicada desde 1980, segundo a OMS— para trabalhadores de saúde e pessoas em constante contato com esse público, segundo Medeiros. O quantitativo esperado é de 50 mil doses iniciais, previstas para chegar ainda esse ano.
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